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Capítulo IV – Análise e Discussão de Dados

4.3 Estratégias do Agressor e Resistência das Vítimas

As estratégias do agressor para coagir ou, em certos casos, forçar a vítima a ter relações sexuais foi uma das temáticas que surgiu na narrativa das biografadas. Como tal, as estratégias de resistência por partes das mesmas também estiveram presentes. O uso

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de pornografia, a desconfiança da presença de outras figuras masculinas na vida sexual das companheiras, a insistência numa atividade sexual várias vezes ao dia, a escolha da posição para o ato sexual e a chantagem foram algumas das estratégias mais relatadas pelas biografadas.

Lenore Walker (2017) afirma que não é incomum homens viciados em sexo, que requerem e exigem relações sexuais vaginais, orais e anais diversas vezes ao dia, abusar fisicamente e psicologicamente das suas parceiras. Inerentemente associado a este facto, surge a pornografia. Lederer (1980 in ibidem) e Rave (1985 in ibidem) argumentam que esta constitui um nivelador negativo dos homens contra as mulheres, que lhes permite ver as mesmas como objetos sexuais. A obsessão pelo sexo, aliada à exibição de pornografia como termo comparativo entre o que é expectável que a companheira execute e aquilo que, na realidade, ela executa, é uma das estratégias que mais surgiu patente nas narrativas.

“Uma das coisas que observo muito, não só na minha experiência mas na experiência que tenho com as senhoras de casa e não só, é a questão de ele ir para a sala, ligar o computador e assistir a filmes pornográficos. O que aquelas mulheres ali faziam, eu também tinha de fazer.” (B1)

“Ele ia aos sites pornográficos, punha os vídeos a dar e queria que eu fizesse o mesmo. Eu não via porque tinha nojo. Dizia-lhe que não ia fazer nada daquilo, nem ver nada porque odiava aquelas coisas. Elas não tinham culpa, era ele. Ele dizia sempre que eu era diferente delas. Sempre a humilhar-me com base nisso”. (B4)

“Todos os dias queria ter relações comigo e eu não conseguia. Logicamente não era por não ter vontade, era porque estava cansada. Chegou um dia que questionou o que se passava comigo porque já não o aceitava. Não aceitava que estava cansada. Não entendia que não me deixava em paz! Bastava recusar uma vez para ele achar logo isso. Entrei em pânico e em depressão porque já não conseguia dormir. Quando não queria ter relações com ele, entrava em conflito comigo a dizer que eu me interessava por outra pessoa.” (B6)

“Só que houve um episódio em que fiquei um bocado constrangida. Ele tinha uma namorada que fazia sexo anal com ele. Então eu, por obrigação, também tinha de fazer. Deitei- me, tinha uma mesa de cabeceira, ele deitou-se e veio com um óleo de amêndoas. Meteu em cima da mesa e disse “Hoje vais fazer sexo anal comigo e ponto!”. Recusei e disse que estava fora de questão. Ele disse “Dizem que só se faz sexo anal com quem se ama de verdade. Se tu me amas de verdade, vais fazer.”” (B1)

“Uma vez virou-se para mim e disse assim “Se tu fizesses mais sexo comigo, eu se calhar não ia à droga porque é uma substituição.”” (B1)

“Ele dizia que eu era diferente das outras, era uma mulher que não prestava, nem para a cama, nem para nada. Sempre a humilhar-me. Eu sabia que ele dizia aquilo porque as outras

90 faziam aquilo que eu não fazia. (…) Dizia “Pois não queres, já estás farta de levar nele”. Estava sempre a implicar que eu tinha outros homens”. (B4)

Nota-se que não é igualmente incomum os agressores utilizarem estratégias de coação sexual para humilhar e envergonhar as mulheres, facilitando o controlo psicológico (ibidem). Ainda assim, são enunciadas algumas estratégias de resistência e de evitamento da violência por parte das biografadas,

“[A nossa vida sexual era] ele a fazer a força e eu a sentir-me pressionada. E ele dizia sempre como fazer, ou por cima ou por baixo e era sempre por trás. Era eu [que queria assim]. Não sei, só de costas é que eu … Não sei explicar. Até fui à psicóloga e ela disse que seria porque assim nem teria de olhar para ele.” (B2)

“Tantas vezes eu preferia dormir no sofá do que ter de ir para a beira dele porque ele para mim já era uma pedra, era como se não estivesse ali ninguém.” (B4)

“Enquanto os homens se acendem num estalar de dedos, as mulheres não. É algo que precisa de vir de manhã até à noite. Se ele me fez uma coisa de manhã, chamou-me nomes ou me deu um estalo, claro que à noite não adiantar vir com beijinhos e abracinhos.” (B1)

Algo que complexifica as estratégias de resistência por parte das mulheres, é o facto de muitos dos seus agressores serem, pelas mesmas denominados, pessoas inconstantes e instáveis. É na mesma Walker (ibidem) que argumenta ser difícil construir uma relação íntima e sexual positiva com uma pessoa inconsistente, visto que, mesmo quando os agressores não infligem qualquer tipo de abuso sexual, a impossibilidade de saberem se serão tratadas carinhosamente ou agressivamente, tem de ter efeitos na forma como as mesmas encaram a intimidade. Neste sentido, as vítimas são obrigadas a criar as suas próprias estratégias de resistência, mediante a situação.

Nesta linha de raciocínio, é urgente entender que os atos de violência sexual na intimidade, especialmente aqueles cometidos pelos maridos/companheiros, não são resultado de um desejo irracional, impulsivo e incontrolável mas antes de jogo de estratégias que constituem actos hostis, violentos e deliberados de degradação e possessão, destinados a intimidar e inspirar medo (Brownmiller, 1975).

Ainda assim, há que ressalvar e admirar a capacidade de resistência e, acima de tudo, resiliência por parte das mulheres sobreviventes, pois estas não indefesas de todo. Aliás, Walker (2017), argumenta que são extremamente bem sucedidas a permanecerem vivas e a minimizar as suas feridas, quer físicas, quer psicológicas, num ambiente de violência brutal. As biografadas em questão não fogem à definição.

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