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Estratégias do capital em face da crise estrutural

3 CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E POLÍTICA SOCIAL: a

3.2 Estratégias do capital em face da crise estrutural

Podemos observar, através da vasta literatura, inúmeras diferenças teórico- metodológicas e políticas dos autores que tratam dos acontecimentos desde o final do último século até hoje. Porém, é possível identificar um consenso quanto às profundas transformações no mundo da produção e da reprodução social contemporâneo. Nesse sentido, a crise econômica mundial, marcada pela queda das taxas de lucro e iniciada durante a década de 1970, evidenciou o esgotamento do padrão de acumulação capitalista que se mantinha desde os anos 1940. Esta crise é considerada por muitos autores como diferente das crises cíclicas capitalistas. Como vimos, para Mészáros (2009) a crise é estrutural, devido à sua

abrangência, duração e profundidade, diferenciando-se da crise cíclica de 1929.

A crise de 1970 demarca um momento de inflexão. Assim, deu-se início, a partir de meados daquela década, a um processo de reação burguesa65 à crise do capital, a qual foi marcada pela refuncionalização do Estado capitalista; por uma revolução tecnológica e

organizacional de produção, chamada de reestruturação produtiva; pelo processo de

financeirização do capital; e pelo ajuste neoliberal de caráter neoliberal, dando uma nova

tônica às políticas econômicas e industriais dos Estados nacionais e desenvolvendo um novo padrão da relação Estado/sociedade civil. Netto & Braz (2007) acrescentam que a crise levou o capital monopolista a um conjunto articulado de respostas que transformou largamente a conjuntura capitalista, através de mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais, ocorridas num ritmo veloz, acarretando impactos surpreendentes sobre os Estados e nações. De acordo com Antunes (2009), “Essas transformações, decorrentes da própria concorrência intercapitalista [...] e, [...] da própria necessidade de controlar as lutas sociais oriundas do trabalho, acabam por suscitar a resposta do capital à sua crise estrutural” (ANTUNES, 2009, p. 49-50).

Assim, a reestruturação produtiva foi marcada por mudanças no mundo da produção e uma nova condição do trabalho e de sua reprodução; ela se desenvolve com a generalização do padrão japonês de produção, o toyotismo, baseado na produção flexível, “[...] que altera o padrão rígido fordista da linha de montagem, da produção em massa para um consumo de massa” (BEHRING, 2007, p. 178). Nesse padrão de produção forja-se uma articulação entre descentralização produtiva e avanço tecnológico – com a microeletrônica digital miniaturizada –, bem como há uma combinação entre trabalho extremamente qualificado e desqualificado. Diferentemente da verticalização hierarquizada fordista, a produção flexível é horizontalizada/descentralizada. Uma rede de pequenas e médias empresas são contratadas como terceirizadas, pois têm um perfil semiartesanal e familiar. Uma de suas principais características é que a produção toyotista é conduzida pela demanda, estocando-se o mínimo, e os trabalhadores passam a ser multifuncionais ou polivalentes. De acordo com Netto & Braz (2007), esse padrão instaura a acumulação flexível, a qual se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo, com novos setores de produção, novas maneiras de fortalecimento de serviços financeiros, novos mercados e a intensificação da inovação comercial, tecnológica e organizacional. A

reestruturação produtiva foi a base dessa flexibilidade. Dessa forma, a produção típica

taylorista-fordista de forma “rígida” e realizada em grande escala, passa a ser flexibilizada e destinada a mercados específicos, rompendo com a estandartização; como também promove a

desterritorialização da produção. Com relação a isso, Netto & Braz explicam que

unidades produtivas (completas ou desmembradas) são deslocadas para novos espaços territoriais (especialmente áreas subdesenvolvidas e periféricas), onde a exploração da

força de trabalho pode ser mais intensa (seja pelo seu baixo preço, seja pela ausência de legislação protetora do trabalho e de tradições de luta sindical). Tal desterritorialização acentua ainda mais o caráter desigual e combinado da dinâmica capitalista (NETTO & BRAZ, 2007, p. 216).

O toyotismo é baseado numa intensiva incorporação à produção de tecnologias resultantes de avanços técnico-científicos, que reduz a demanda de trabalho vivo. Os efeitos que esse tipo de produção causa à força de trabalho são graves, caracterizando-se, de acordo com Antunes (1995) e Mattoso (1996), citados por Behring (2003), como um processo de

heterogeneização, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora, através do

aprofundamento do desemprego estrutural, da rápida construção e desconstrução de habilidades, da perda salarial e do retrocesso da luta sindical. Dessa forma, percebe-se que as mudanças no mundo da produção e do trabalho e a insegurança no trabalho mostram a tentativa do capital em procurar aumentar a produtividade do trabalho, buscando recuperar o padrão anterior de crescimento.

Com relação a isso, Netto & Braz (2007) lembram que “[...] a introdução da microeletrônica e dos recursos informáticos e robóticos nos circuitos produtivos vem alterando os processos de trabalho e afetando fortemente o contingente de trabalhadores ligados à produção” (NETTO & BRAZ, 2007, p. 216). O fato é que a base produtiva deslocou-se rapidamente dos suportes eletromecânicos para os eletroeletrônicos. Esses autores destacam três implicações imediatas desse processo: a primeira é com relação ao trabalhador coletivo, o que tem resultando numa expansão das suas fronteiras, tornando-se cada vez mais amplas e complexas as operações e atividades intelectuais requeridas para a produção material. A segunda implicação refere-se às exigências que são postas à força de trabalho diretamente envolvida na produção, requerendo-se uma melhor qualificação e a capacidade de trabalhar em múltiplas funções, ou seja, uma força de trabalho qualificada e polivalente. Ao mesmo tempo, há o movimento inverso, no qual várias atividades passam a ser desqualificadas, de forma que a força de trabalho possa ser facilmente substituída. Netto & Braz (2007) destacam que a classe trabalhadora fragmenta-se em “[...] uma parte extremamente qualificada, que em geral consegue um mínimo de segurança no emprego, e uma grande parcela [...]” (Idem, p. 217) precarizada. A terceira implicação diz respeito à gestão da força de trabalho, que passa à forma toyotista, buscando aumentar a eficiência do controle da força de trabalho pelo capital; apela-se à “participação” e ao “envolvimento” dos trabalhadores, valoriza-se a “comunicação” e a redução de hierarquias na utilização de “equipes de trabalho”, e também o estímulo ao “sindicalismo de empresa”. É interessante

como “o capital empenha-se em quebrar a consciência de classe dos trabalhadores: utiliza-se o discurso de que a empresa é a sua ‘casa’ e que eles devem vincular o seu êxito pessoal ao êxito da empresa; não por acaso, os capitalistas já não se referem a eles como ‘operários’ ou ‘empregados’ – agora, são ‘colaboradores’, ‘cooperadores’, ‘associados’, etc.” (Idem, p. 217).

O toyotismo se caracterizou pela racionalização do processo produtivo, dotada de forte disciplinamento da força de trabalho e impulsionada pela necessidade de implantar formas de capital e de trabalho intensivo. As atividades realizadas anteriormente pela gerência científica passaram a ser interiorizadas na própria ação dos trabalhadores, através do trabalho em equipe, da transferência de responsabilidades de elaboração e do controle da qualidade da produção. A intensificação da exploração do trabalho se amplia pelo fato de os operários trabalharem simultaneamente com várias máquinas diversificadas, como também pelo ritmo e pela velocidade da cadeia produtiva. Dessa forma, o toyotismo reinaugura um novo patamar de intensificação do trabalho, combinando fortemente as formas relativa e absoluta da extração da mais-valia.

Aliado às mudanças no padrão de produção, há o processo de financeirização do capital, caracterizado pela formação de um mercado mundial unificado com campanhas transnacionais, padronizando formas de produção e distribuição de produtos e serviços. Esse processo vem se intensificando pela revolução tecnológica, pela horizontalização das empresas e sua ligação pela rede de informática.

Netto & Braz (2007) comentam que os fluxos econômicos mundiais sempre marcaram o capitalismo, porém a fase monopolista do capitalismo os acentuou. No entanto, atualmente, eles se apresentam com particularidades que não decorrem apenas da sua grande expansão. De acordo com os referidos autores, o processo de financeirização do capital vem crescendo desde 1973, com estilo especulativo e predatório. As suas características centrais são: as valorizações fraudulentas de ações; falsos esquemas de enriquecimento imediato; a destruição estruturada de ativos por meio da inflação; a dilapidação de ativos mediante fusões e aquisições; a promoção de níveis de encargos de dívidas que reduzem populações inteiras, mesmo nos países capitalistas avançados; fraudes corporativas e desvio de fundos decorrentes de manipulações do crédito e das ações.

Através dos recursos informacionais, o processo de financeirização teve suporte na gigantesca concentração do sistema bancário e financeiro, que ao longo do tempo

acompanhou o processo de concentração geral da economia capitalista, proporcionando a monopolização também do sistema financeiro. Porém, “a razão essencial da finaceirização é [que] ela resulta da superacumulação e, ainda, da queda das taxas de lucro dos investimentos industriais registrada entre os anos setenta e meados dos oitenta” (Idem, p. 231). Do montante de capital que ficou disponível sob a forma de capital dinheiro, parte foi investida na produção e no setor de serviços; e parte substantiva permaneceu no circuito da circulação, buscando valorizar-se nessa esfera. Como no modo de produção capitalista a criação de valor deriva apenas da esfera da produção, na circulação não se pode gerar valor novo. No entanto, “o que vem se passando no capitalismo contemporâneo é o fabuloso crescimento (em função da superacumulação e da queda das taxas de lucros) dessa massa de capital dinheiro que não

é investida produtivamente, mas que succiona seus ganhos (juros) da mais-valia global [...]”

(Idem, p. 231-232, grifos dos autores). Acrescenta-se a isso o crescimento do capital fictício – ou seja, ações que não representam valores em si mesmos, apenas dão direito a um rendimento –, com caráter nitidamente especulativo, “[...] ou seja, não guarda a menor

correspondência com a massa de valores reais” (Idem, p. 232, grifos dos autores).

Dessa forma, Netto & Braz (2007) esclarecem que a finaceirização do capital aparece nas operações situadas na esfera da circulação, tornando-se hipertrofiadas e desproporcionais em relação à produção real de valores, ou seja, especulativas. De forma que “os rentistas e possuidores de capital fictício (ações, cotas de fundos de investimentos, títulos de dívidas públicas) extraem ganhos sobre valores frequentemente imaginários – e só descobrem isso quando, nas crises do ‘mercado financeiro’, papéis que, à noite, ‘valiam’ X, na bela manhã seguinte passam a ‘valer’ –X ou, literalmente, a não ‘valer’ nada [...]” (NETTO Idem, p. 232, grifos dos autores).

Assim, nos últimos trinta anos as finanças passaram a constituir o “sistema nervoso” do capitalismo. Através da financeirização foi possível ao capital aumentar o poder dos países centrais em detrimento dos periféricos, pois com a dívida externa desses países, propuseram- se “ajustes” em suas economias através das “reformas” recomendadas e monitoradas pelas agências internacionais – FMI e Banco Mundial – que representam os interesses da “oligarquia das finanças”. Através de suas análises, Netto & Braz (2007), constatam que nos

últimos trinta anos os países dependentes e periféricos tornaram-se exportadores de capital para os países centrais66.

Como vimos, o capital monopolista formulou e implementou um conjunto de respostas à crise estrutural do capital, que de acordo com Netto & Braz (2007), configurou a

reestruturação do capital – estratégias articuladas com o tripé reestruturação produtiva,

finaceirização e neoliberalismo –, respostas estas que, após quase trinta anos, não puderam alterar o perfil da crise estrutural do capital.

3.3 Neoliberalismo: as implicações para a política social e o denominado “Estado de