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Estratégias e interesses na adequação local do Programa de Alimentação Escolar no Paragua

No desenho do arranjo de Compras Públicas da Agricultura Familiar es- tabelecido pelo governo do Paraguai, no marco da Lei da Alimentação Escolar, as relações entre o poder público e os agricultores familiares bus- cam, ao mesmo tempo, gerar renda aos agricultores familiares, fortalecer as capacidades produtivas, organizativas e gerenciais destes, diversificar suas produções e consumo, contribuir para a descentralização das políti- cas, para a formalização de empreendimentos e, por conseguinte, para o desenvolvimento territorial.

No componente da demanda, (as escolas e os estudantes), o programa procura, ao mesmo tempo, promover a descentralização, a participação social e o desenvolvimento da economia local (artigo 7) ao garantir aos estados e municípios a tarefa de planejar, organizar e monitorar a oferta de alimentos saudáveis, contratados no nível local, respeitando hábitos alimentares e disponibilidade de produtos.

Ao garantir este arranjo, a Lei fomenta o necessário debate para que se alterem as relações entre os atores externos ao governo central. No en- tanto, a recente crise política do país teve consequências no redesenho das relações entre sociedade e governo, afetando as ambições iniciais. Enquanto no Decreto 1056 vislumbrava-se apenas a participação de agri-

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cultores familiares individuais e também por suas organizações, no De- creto 3000 amplia-se a participação também para empresas privadas, que uma vez “contratadas” devem comprar uma porcentagem de seus produ- tos da agricultura familiar.

Devido ao histórico de baixa participação da sociedade civil nas decisões do país, associado à recente proposta das compras públicas, os atores en- volvidos ainda não assumiram o protagonismo esperado. Se por um lado há um conjunto de iniciativas favoráveis para a sociedade civil, por outro lado, a iniciativa privada e o próprio governo tratam de manter as regras do jogo sobre seu domínio.

Por fim, é importante ressaltar que a agricultura familiar do Paraguai nunca tivera acesso a mercados regulares, salvo poucas exceções. A possibilidade de uma parcela de mercado para garantir fluxo de receitas e, consequente- mente, autonomia é inovadora, porém despertou o interesse de empresas privadas que historicamente se beneficiaram da intermediação desta relação.

Considerações finais

O arranjo de compras públicas do Paraguai ainda está em fase de estrutu- ração. As iniciativas mais organizadas são recentes e não têm força de lei, apesar de possuírem garantias orçamentárias que permitem sua operacio- nalização em todo o território.

O início dos esforços em instituir as compras públicas da agricultura fa- miliar na alimentação escolar remete à combinação política envolvendo os ex-presidentes Fernando Lugo (Paraguai) e Luís Inácio Lula da Sil- va (Brasil) e as ações da Reunião Especializada da Agricultura Familiar (REAF) no Mercosul, que conta com a participação de ambos os países. A Organização das Nações Unidas para a alimentação (FAO) executou e executa um papel fundamental na consolidação do tema, por permitir que as iniciativas de países já experimentados fossem visitadas pelos gestores paraguaios, além de coordenar projetos no âmbito regional e nacional com olhares estratégicos no país.

O princípio de reciprocidade hoje. Um conceito para compreender e construir a economia solidária

Ressalta-se que o Paraguai, que decretou69 a redução da pobreza como

prioridade nacional, é considerado prioritário na ação pelo FAO/ONU na América Latina.

No escopo do Governo Central está a responsabilidade pela imple- mentação na capital (Assunção), enquanto nos estados e municípios, a responsabilidade é do gestor local. Apesar deste arranjo descentralizado, o papel de protagonista do Ministério da Educação e Cultura (MEC), que responde pela execução na capital, é fundamental para gerar os efeitos positivos no restante do país. Durante o ano de 2014, se realizaram três experiências-pilotos de compras públicas nos estados de Missiones e Pa- raguari e no município de Yhu, atendendo aproximadamente 17 mil alu- nos com acesso a alimentos frescos provenientes da agricultura familiar. As experiências identificadas possuem pontos importantes de serem res- saltados: o custo por prato ficou menor que o custo em até 50% do prato tradicional elaborado pelas empresas quando não utilizam as compras da agricultura familiar. Outro aspecto importante dessas experiências-pilo- tos foi a geração de emprego local para profissionais de apoio administra- tivo e para aqueles ligados à elaboração das refeições.

Ainda deve-se ressaltar que o arranjo das compras públicas da agricultura familiar no Paraguai está gerando um efeito virtuoso associado ao Minis- tério da Agricultura e Pecuária. A Direção de Extensão Agrária (DEAg), que possui um gestor diretamente envolvido nas atividades da REAF, procedeu o registro dos agricultores familiares e está atualizando o sis- tema atualmente, vem desenvolvendo um trabalho com temáticas de co- mercialização, juventude, gênero, terra e mudanças climáticas em diversas regiões do país de maneira integrada com a sociedade civil.

Durante as atividades da IV Exposição da Agricultura Familiar (Expo MAG), ocorrida em junho de 2016, foi lançado o selo da Agricultura Familiar, e a ambição dos técnicos é poder ofertar assistência técnica e promover um sistema de referência de preços semelhante ao realizado pela CONAB no Brasil

Um aspecto positivo que as compras públicas vêm promovendo no Pa-

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raguai é a coordenação dos distintos atores envolvidos na execução da política. A instituição da Mesa Técnica Interinstitucional constitui espaço de concertação fundamental para a expansão da iniciativa de maneira or- ganizada. A coordenação da Mesa está ligada ao MEC, no entanto, quan- do o demandante por alimentos é outro órgão, como a defesa ou saúde, estes assumem a coordenação do processo.

O papel atribuído à Mesa Técnica é, em grande medida, parte do esforço da FAO em impulsionar o tema no país. Antes mesmo de sua criação oficial, já havia esforços dos projetos 18070 e 193 da FAO e de alguns

atores para que houvesse um “tensionamento” favorável à execução das compras públicas diretas da agricultura familiar.

A mesma Mesa foi responsável por inúmeros estudos, regulamen- tações e ações em favor das compras públicas diretas. No mês de junho de 2015, a FAO organizou, em parceria com a Mesa, uma oficina de troca de experiências com o Instituto de Provisión de Ali- mentos del Ecuador (IPA) para conhecer a experiência em compras indiretas daquele país.

Há, portanto, um componente técnico fundamental no desenho das com- pras públicas no Paraguai, que tem origem nas ações da REAF e na FAO como promotora do tema.

A inflexão no conjunto legal do Paraguai fica por conta da inclusão da possibilidade de compra indireta no Decreto 3000/2015. Esta situação se justificou por um conjunto de denúncias veiculadas na mídia local apon- tando irregularidades (corrupção, contratação irregular de pessoal, preços de referências descumpridos, irregularidade na oferta e produção, dentre outras) nos processos de compras diretas experimentados anteriormente sob o Decreto 1056/2014.

Ainda que haja respostas por parte do MAG, FAO e STP para as prin- cipais dúvidas levantadas, o executivo nacional revogou o Decreto 1056 e aprovou o Decreto 3000, apostando na Mesa Técnica como fator de

70 El Proyecto Regional GCP/RLA/180/BRA - Fortalecimiento de Políticas de Alimentación Escolar en el ámbito de La América Latina y Caribe Sin Hambre 2025 -, que está siendo ejecutado también en Paraguay, busca difundir y aprender de la experiencia del modelo brasileño de Alimentación Escolar y Compras Pú- blicas de la Agricultura Familiar.

O princípio de reciprocidade hoje. Um conceito para compreender e construir a economia solidária

coordenação para solucionar parcialmente os problemas. Da mesma for- ma, atribuiu ao MAG um conjunto de atividades que torna o processo mais complexo em sua execução.

Ao final, incluiu no mesmo Decreto 3000 a oportunidade de reali- zar compras indiretas por meio de empresas privadas que, por sua vez, são acusadas de praticar preços inferiores aos de mercado, estabelecem relações desequilibradas de negócios com os agricultores familiares e, por muitas vezes, não estão dispostas a trocar seus fornecedores de matérias- primas das centrais de abastecimento por um conjunto muito maior de agricultores familiares, o que gera um custo de transação mais elevado, dificuldade de padronização e oscilações maiores na oferta de insumos. O estudo aqui apresentado aponta um processo de ajuste na legislação de compras públicas do Paraguai. A origem inspirada na experiência bra- sileira instituiu experiências- pilotos de compras públicas diretas de agri- cultores familiares que foram adaptadas localmente por interesses que as converteram em compras indiretas sob distintas justificativas e narra- tivas. Esse processo contou com a participação da FAO, com uma série de projetos específicos, como agência multilateral; com a REAF como fórum especializado de caráter transnacional; com a existência prévia do FONACIDE, fundo de financiamento, do qual 30% devem ser gastos obrigatoriamente com alimentação escolar (almoço escolar).

Assim, distante de um modelo predominante, o caso paraguaio aponta para um modelo híbrido de disseminação de políticas públicas, influencia- do sobremaneira pelo “modelo brasileiro”, mas também com nuances de outros modelos, e contingenciado pela política local, seus atores, ideias, interesses e capacidade de negociação, fortalecido pela ocorrência de re- cursos via FONACIDE, pela cooperação bilateral Sul-Sul e pelo marco do Mercosul.

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Circulação regional e origem das políticas