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Estratégias para trabalhar a narrativa no 1º Ciclo do Ensino Básico

B) Progressão e coesão

1.9. Estratégias para trabalhar a narrativa no 1º Ciclo do Ensino Básico

Quanto ao trabalho a desenvolver com os alunos a nível da competência textual (narrativa), Luísa Alvares Pereira refere que não é observando naturalmente o desenvolvimento desta competência que os alunos a atingem e melhoram, mas sim através de uma intervenção decisiva, apostando na Zona de Desenvolvimento Potencial do aluno (Vygostsky, 1979, citado por Pereira, 2006), que é

“a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução interdependente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes” (Vygostsky, 1979, p.99, citado por Pereira, 2006, p.196).

Tendo como base esta perspetiva, a aprendizagem desta competência passa por elaborar configurações didáticas e pedagógicas que se relacionam com o nível global do texto e com o facto de o professor ser um mediador privilegiado e organizador das aprendizagens. Assim, cria-se um ambiente de ensino favorável a todos os alunos, em

35 especial para aqueles que têm mais dificuldades, uma vez que há um maior apoio por parte de todos os intervenientes (Pereira, 2006).

Glória Bastos (2010), referindo Decéau (1994), exemplifica alguns percursos pedagógicos que podem ser trabalhados com os alunos:

 “reflexão sobre a personagem de ficção e sobre os indícios através dos quais se desenha o seu carácter, no diálogo ou na acção”;

 reflexão sobre os níveis de língua, através da comparação entre passagens narrativas e diálogos ou análise entre as variações no próprio diálogo tendo em conta diferentes personagens;

 “reflexão sobre a noção de “ponto de vista”, dado que por vezes o mesmo facto pode ser encarado de formas diferentes por diferentes intervenientes” (narrador, os heróis, outras personagens)

(Bastos, 2010, p.140).

Os autores Dolz e Schneuwly (1996, citados por Pereira, 2006), apresentam um agrupamento de géneros para estudar com os alunos ao longo da escolaridade. Esta proposta é feita com base na capacidade de linguagem e dos géneros narrativos e consubstancia-se em duas partes: aspetos tipológicos/capacidades de linguagem dominantes e exemplos/géneros orais e escritos.

No primeiro aspeto há dois tipos de linguagem dominante: a cultura literária ficcional (narrar: construção da ação através da intriga) e documentação e memorização de ações humanas (relatar: representar experiências vividas, situadas no tempo, através de um discurso). Para estes dois tipos de linguagem existem, entre outros:

- para a narração o conto maravilhoso; a fábula; a lenda; a narrativa de viagem; o conto mítico; o romance; o romance histórico; a novela fantástica;

- para o relato a história de vida; a narrativa de viagem; o diário; a autobiografia; a narrativa histórica; a reportagem; a crónica desportiva; a biografia.

Estes autores e Noverraz (2001, citados por Pereira, 2006) propõem ainda mais possibilidades para trabalhar com os alunos. Os autores dividem em pares de anos de escolaridade o tipo de atividades a realizar para “narrar” e “relatar”.

No 1º e 2º ano, na narração, os autores propõem o livro para completar. No relato, propõem relatos de experiências vividas, apresentadas em áudio. No 3º e 4º, a nível do “narrar”: e conto maravilhoso e a narrativa de aventura. Para o relato: o testemunho de experiências de vida. No 5º e 6º ano, para a narração: o conto do como e

36 do porquê e, ainda, a narrativa de aventura. A nível do relato: a notícia. Por fim, para o 7º, 8º e 9º, a nível do “narrar”, é proposto a paródia de conto; a narrativa de ficção científica e a novela fantástica. Para o relato, é proposto a nota biográfica e a reportagem radiofónica.

Outras estratégias de trabalho da narrativa estão relacionadas com a importância de proporcionar “situações que provoquem a necessidade e a oportunidade para parafrasear, recontar, resumir partes ou textos integrais, hierarquizar os elementos constituintes de um texto, completar um texto inacabado” (Pereira, 2006, p.206) e são bastante pertinentes para praticar a escrita. Também a “reelaboração de um determinado elemento do género em estudo (modificar o ponto de vista do narrador, reescrever o texto à luz de um elemento novo…) ” (Pereira, 2006, p.206), ao se relacionar com a adaptação do todo textual a um novo dado, contribui para o desenvolvimento da “capacidade de pensar na adaptação do local à globalidade do texto” (Pereira, 2006, p.206).

Também atividades que permitam que os alunos percecionem as diversas maneiras como a narrativa pode ser iniciada (descrição de ações, palavras de personagens…), as várias formas que pode assumir a ação de modificação (quais os elementos que são responsáveis pelo desencadear da intriga), bem como as outras ações, e os processos de conclusão, são atividades de grande relevo para o trabalho sobre a narrativa (Pereira, 2006). Beaugrande (1980, citado por Pereira, 2006), propõe algumas estratégias interessantes, que podem ser aplicadas de forma recursiva:

“construção de um mundo narrativo com, pelo menos, uma personagem, a identificação de um estado inicial, de um problema e de um objectivo para a personagem, a criação de um estado final que corresponda ou não à consecução do objectivo” (Beaugrande, 1980, citado por Pereira, 2006, p.208).

No âmbito desta estratégia, a problematização da integração de um excerto num dado momento da estrutura narrativa pode ser pertinente, no sentido da compreensão da coerência semântica e pragmática de qualquer texto. Deste modo,

“identificar e justificar lógicas de pertença de determinadas partes de textos a uma dada história, da mesma maneira que associar momentos descritivos a determinada narração, e não a outra qualquer, são actividades que, pela sua própria natureza, conduzem ao desenvolvimento da competência textual e narrativa” (Pereira, 2006, p. 208).

Assim, atividades que resultem em comparações (comparar início e fim de um relato ou de uma história; relacionar com outros relatos ou histórias), transformações

37 (de um excerto em discurso indireto para direto ou vice versa), identificações (do objetivo visado com o texto), seleções (apresentar personagens e/ou alguns dados e escolher os que podem pertencer a um conto maravilhoso ou a um relato de experiências vividas), reescritas (recontar por palavras próprias; resumir; recontar uma narrativa em Banda Desenhada), descontruções (dividir o texto em partes lógicas; fazer esquemas do texto), reconstruções (a partir de excertos, reconstruir o texto; ordenar cronologicamente partes de um relato), produções (modificar cenários; escrever um texto a partir de um plano), integrações (incluir uma cena nova, descrição e/ou diálogo), são atividades que permitem aos alunos (re)conhecer “progressivamente o funcionamento de determinados géneros narrativos [para que assim] inferiram regras para uma boa formação de um dado texto narrativo”(Pereira, 2006, p.209).