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Estratégias publicitárias e a neutralização dos discursos críticos

CAPÍTULO 3: TENSÕES DO SISTEMA INDUSTRIAL DA CARNE NO BRASIL:

3. Estratégias publicitárias e a neutralização dos discursos críticos

De modo geral, observa-se na estrutura de marketing da JBS, o uso de uma série de argumentos racionais na forma de texto, assim como um amplo apelo a termos técnicos e científicos como forma de validar seus discursos. Para Almeida Jr. e Gomes (2012), medidas como essas decorrem de um novo tipo de estratégia provocada por uma transformação dos sistemas de comunicação publicitária tradicional para lidar com a resistência de uma sociedade que vem se tornando cada vez mais crítica, consciente e desconfiada em relação à postura das empresas. Diante de uma opinião pública mais atenta, entendem os autores, as grandes companhias buscam assimilar ao seu arsenal publicitário mecanismos discursivos que construam no imaginário social um entrelaçamento consensual entre os temas conflitivos e os interesses diversos do capital. Muitas delas têm apostado em etiquetas sociais e ecológicas que informem a respeito das condições de fabricação dos produtos e que expressem, em alguma medida, uma ideia de engajamento frente aos problemas socioambientais.

O uso de certificações serviu muito bem a esse propósito, uma vez que esses dispositivos institucionalizam determinadas concepções de qualidade, que conferem, ainda que de maneira fragmentada, valores sociais, ambientais, éticos e científicos aos produtos. Selos e certificados fornecem uma ideia de competência técnica que supostamente são capazes de transformar os atributos qualitativos do alimento em um conjunto homogêneo de medidas objetivas passíveis de codificação e mensuração (NIEDERLE, 2014), de modo que, muitas vezes, são criados para identificar pressuposições valorativas muito precisas, ao mesmo tempo que excluem uma série de outros princípios qualitativos que poderiam entrar em conflito com os interesses da empresa. Assim, esses dispositivos de reconhecimento, criados em resposta às crises alimentares que abalaram a confiança nos sistemas industriais, tornaram-se agora uma estratégia de diferenciação dos produtos frequentemente mobilizada nos mercados alimentares contemporâneos.

De modo geral, pode-se dizer que os elementos simbólico-discursivos utilizados pelas estratégias publicitárias da JBS – sustentabilidade, procedência, controle de qualidade, bem- estar animal – sugerem um tom de progresso, crescimento econômico e comprometimento ético associado à produção da carne que, através de ideias de eficiência e conhecimento técnico, criam uma racionalidade em torno da noção de desenvolvimento econômico responsável. Nesse sentido, procuram mostrar à opinião pública que a atividade produtiva da indústria da carne está em conformidade com as dimensões morais e políticas dos consumidores.

Ao avaliarmos os conteúdos contidos na ideia de sustentabilidade da JBS, verificamos que há uma tentativa de realçar as possibilidades de um gerenciamento tecnicamente viável da natureza e dos animais, que, mensurado e atestado através de dispositivos diversos – como as “mais de 120 auditorias”, o relatório de bem-estar da The Business Benchmark on Farm Animal Welfare (BBFAW), o Compromisso Público da Pecuária editado pela Greenpeace –, sugere uma conciliação discursiva entre a responsabilidade socioambiental e exploração econômica e, assim, um modelo de sustentabilidade que passa necessariamente pela otimização do uso do meio natural e dos animais como forma responsável de articular a cadeia da carne. Nesse sentido, através de apelos à excelência técnica, elas tentam criar suas próprias ordens de justificação, para citar Boltanski (2009), nas quais incorporam parte dos valores em nome dos quais eram anteriormente criticadas.

É interessante notar que, longe de ser uma particularidade da JBS, no Brasil, as tensões com o setor rural parecem estar levando, há algum tempo, empresários de todo o agronegócio a investirem na valorização de sua imagem pública. Algumas recentes iniciativas do setor – como o movimento “Sou Agro” desenvolvido pela Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio e a campanha publicitária “Agro é tech, agro é pop, agro é tudo” da emissora Rede Globo, financiada pela Seara (empresa recém adquirida pela JBS) – revelam esse crescente esforço das entidades representativas do empresariado rural em difundir uma opinião positiva do agronegócio brasileiro a fim de incorporá-lo ao imaginário urbano.

Segundo Bruno (2014), esse esforço de reformulação da representação do agronegócio frente à sociedade tem como objetivo fundamental afastar a identificação negativa que associa o setor à depredação do meio ambiente, ao uso de trabalho degradante e práticas de violência, além de forjar a imagem do empreendimento agrário como expressão da modernidade. Nesse empenho de auto-justificação, o setor busca a todo custo “incentivar a sociedade a se reconhecer como agro e ver o agro como expressão da sociedade” (BRUNO, 2014, p.19) na tentativa de costurar simbolicamente, no plano da retórica, o apaziguamento de tensões e divergências entre os universos rural e urbano (idem, p.18). No setor da bovinocultura, em específico, Caetano (2016) sublinha o empenho dos empresários em melhorar a imagem da pecuária nacional através da retomada de seu aspecto histórico desbravador do território brasileiro e da evocação de sua força econômica no Brasil contemporâneo. O resgate da memória do gado na constituição de nossas fronteiras busca criar uma identidade nacional com a pecuária a fim de enaltecer o papel do setor na sociedade através de uma narrativa “em

que o passado é amalgamado com o presente, a tradição com a tecnologia e o pioneirismo com a sustentabilidade” (CAETANO, 2016, p.65).

Contudo, essa rearticulação dos discursos e das práticas corporativas está acontecendo em um cenário social turbulento, no qual empresas e movimentos sociais se confrontam permanentemente (ALMEIDA JR.; GOMES, 2012). Assis (2016) alega que as dinâmicas

conflitivas colocadas em marcha pelas distintas frentes de expansão do agronegócio estão obscurecidas pelo discurso da convivência harmônica que ocorre nos dizeres das peças publicitárias, mesmo em um cenário de expressivo aumento da produção de commodities agrícolas. No caso da JBS, as polêmicas e questionamentos parecem ter se tornado marca da empresa, que mesmo com toda a sua força econômica e equipamentos de marketing, passa frequentemente por crises de imagem pública. Desde que ganhou maior amplitude, a companhia tem sofrido investigações e constrangimentos diversos, que se ampliaram em um contexto recente, colocando-a em uma espécie de posição limite, por assim dizer, no sentido de que concentra todos os aspectos centrais que configuraram nos últimos anos a indústria animal como um objeto tão controverso.

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