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2 CAPÍTULO I  SISTEMAS DE SAÚDE DA ARGENTINA E DO BRASIL

2.1 ARGENTINA

2.1.1 Estrutura

O sistema de saúde argentino está baseado em uma estrutura política federal profundamente descentralizada na provisão e administração dos serviços de saúde. Está composto de três subsetores: público, seguridade social e privado. A existência desses três subsetores evidencia a fragmentação do sistema de saúde em seu conjunto, apresentando também altos níveis de fragmentação no interior de cada um dos subsistemas em particular (MEDINA; NARODOWSKI, 2015; TORRES, 2015; MORGESTEN, 2012; CETRÁNGOLO, 2011).

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O subsistema público envolve todos os prestadores de serviços de saúde (nacionais, provinciais e municipais), nos três níveis de atendimento, através dos programas sanitários que visam garantir ações de prevenção e atendimento à saúde. O setor público provém serviços de saúde de acesso livre e gratuito (MEDINA; NARODOWSKI, 2015).

Entre os muitos problemas do setor e, diferentemente do que acontece em outros países da América Latina, não há um problema de acessibilidade (garantida a todos os argentinos), mas, principalmente, diferenças de qualidade entre os 3 subsetores e, ainda, no interior deles mesmos. Da mesma forma, a complexa situação de conflitualidade, como norma nas relações entre a Nação (nível federal) e as províncias, impacta decisivamente na organização do setor, uma vez que a rede de serviços do sistema é inteiramente dependente do nível provincial (TORRES, 2015, tradução nossa).

Também compõem o subsetor público os organismos regulatórios e de controle. A Administración Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica (ANMAT), instituída pelo Decreto 1490 de 1992, é um órgão descentralizado da Administração Pública Nacional encarregado de zelar pela eficácia, segurança e qualidade dos alimentos, medicamentos e de outros dispositivos médicos. De outro lado, encontra-se a Administración Nacional de Laboratorios e Institutos de Salud (ANLIS), criada pelo Decreto 1628 de 1996, cuja função é executar políticas sanitárias no que tange à prevenção, ao diagnóstico referencial, à pesquisa e ao tratamento de doenças tóxico-infecciosas, de base genética, nutricional e não transmissíveis. A ANLIS é responsável também pela produção e pelo controle de qualidade de imunológicos, pela realização de estudos epidemiológicos, pela docência e capacitação de recursos humanos. Por último, a Superintendencia de Seguros de Salud (SSS), que cuida da fiscalização, do controle e da regulação da seguridade social, com foco nas chamadas obras sociales nacionales (BELLÓ; BECERRIL MONTEIKO, 2011).

O subsistema da seguridade social atende aos trabalhadores do setor formal da economia (trabalhadores com carteira assinada), ativos e aposentados, e seus grupos familiares. A gestão fica a cargo das “Obras Sociales” – OS – que operam como seguros de saúde, não constituindo um grupo homogêneo. Dessa forma, o subsetor das instituições de seguridade social é formado pelas Obras Sociales Nacionales – OSN (quase 300, divididas por ramos de atividade econômica); as Obras Sociales Provinciales – OSP (que são 24 e oferecem cobertura aos funcionário públicos dos governos provinciais e municipais); as chamadas “Otras” (outras), compostas por aquelas obras sociales que atendem aos funcionários das forças de segurança, dos poderes legislativo e judiciário, entre outros; e o Instituto Nacional de Servicios Sociales para Jubilados y Pensionados – INSSJP – mais

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conhecido como PAMI, que financia serviços prestados majoritariamente por instituições privadas e médicos contratados, e seus beneficiários são os trabalhadores aposentados (MEDINA; NARODOWSKI, 2015).

As disparidades na qualidade de cobertura, nos recursos disponíveis e nas modalidades de contratação são enormes (TORRES, 2015). Cada um dos quatro tipos de OS é regulado, controlado e fiscalizado por organismos e normativas diferentes9, o que fragmenta ainda mais o funcionamento do subsetor.

TABELA Nº 2. Órgãos de Controle dos Agentes da Seguridade Social

Obras Sociales Órgão de Controle

OSN Superintendencia de Servicios de Salud (SSS)

OSP Tribunais de Contas provinciais

“Outras” Auditoría General de la Nación (AGN- SIGEN)

PAMI Sindicância Interna

Fonte: elaboração própria (baseado em Torres, 2015).

Existe um Fondo Solidario de Redistribución entre as entidades do sistema, mantido por um subsídio automático para o pagamento de serviços de alto custo. Porém, as diferenças entre OS são grandes no que se refere aos recursos disponíveis per capita. Durante a década de 1990, com o chamado processo de desregulamentação do setor, foi permitida aos beneficiários da seguridade social a livre escolha de OS, o que é absolutamente legítimo, mas o processo foi desenhado de tal forma que os níveis de inequidade aumentaram, uma vez que facilitou a saída daqueles beneficiários com faixa de renda superior para o setor privado de planos de saúde, retirando a sua contribuição para o fundo solidário e quebrando a lógica institucional solidária do setor (TORRES, 2015; MEDINA; NARODOWSKI, 2015).

Por fim, o subsetor privado compreende: a) os profissionais independentes prestadores de serviços; b) os estabelecimentos assistenciais privados contratados pelas OS; c) as seguradoras (chamadas “prepagas”) que atendem geralmente aos cidadãos de salários médios e altos e seus familiares, dado que o acesso depende da capacidade de pagamento individual.

O setor das seguradoras se desenvolveu na Argentina a partir da década de 1960, alcançando seu auge na década de 1990. Em 1994, com a desregulamentação das obras

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As OSN possuem um marco legal homogêneo composto por duas leis, Lei 23.660 e Lei 23.661, ambas do ano de 1989. O órgão de controle é a SSS. Entretanto, as OSP carecem de normas conjuntas e cada província possui sua própria legislação.

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sociales, foi permitido à população escolher a qual OS destinar suas contribuições, inclusive fora dos seus ramos de atividade, e/ou optar por transferir as suas contribuições a uma seguradora privada. Neste último caso, às vezes, as pessoas acabam fazendo algum pagamento extra, do próprio bolso, para atingir o valor da cota (MEDINA; NARODOWSKI, 2015).

Calcula-se que o setor das seguradoras tem cerca de seis milhões de usuários, dos quais apenas 32,6% correspondem a associados diretos, enquanto a maioria provém das OSN, exercendo o seu direito à opção. Seis empresas concentram 80% do faturamento do setor e 59% do total de afiliados.10 70% dos beneficiários das seguradoras residem na Cidade Autônoma de Buenos Aires e na província de Buenos Aires, e os 30% restantes se distribuem nas outras 22 províncias (TORRES, 2015).

O setor da medicina privada tradicionalmente tem sido pouco regulado na Argentina onde, à diferença do Brasil, não existe uma agência estatal específica para desempenhar tal função. Em 1996, com a aprovação da Lei 24.754, as seguradoras foram obrigadas a garantir aos seus beneficiários a cobertura mínima estabelecida pelo Programa Médico Obligatório (PMO), à mesma maneira das OS. Contudo, faltava ainda o estabelecimento de alguma normativa que delimitasse melhor seus direitos e obrigações. Recentemente, em 2011, foi sancionada a Lei 26.682 que, no entanto, não encerrou as polêmicas em torno deste setor, por exemplo, ao definir os beneficiários como consumidores e enfatizar a defesa dos direitos de consumo, sem buscar integrar o setor privado a uma política nacional de saúde (TORRES, 2015). Além disso, após a aprovação da lei, as seguradoras continuaram impondo períodos de carência, recusando beneficiários em função da preexistência de determinadas enfermidades, de idade e sexo, entre outras restrições (MEDINA; NARODOWSKI, 2015).

Abaixo (Gráfico Nº 2), são apresentadas as proporções da cobertura populacional por subsetores na Argentina.

43 GRÁFICO Nº 2. Cobertura Populacional na Argentina por subsetor, 2015

Fonte: elaboração própria (baseado em MEDINA; NARODOWSKI, 2015).