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2. O PODER NAS ORGANIZAÇÕES

2.3 Estruturas psíquicas do processo de poder organizacional

Ao perceber a interação entre os aspectos sociais e os psicológicos que constituem a configuração do poder nas organizações, Pagés et al. (1987); Matos (1994) e Moreira (2005) concordam e compreendem que, por mútua influência, o processo do poder dá origem a controles do tipo maternal e paternal na organização, baseado em regressões psíquicas. Antes de aprofundar as estruturas dessas regressões do poder organizacional, serão explicitadas brevemente as referências psíquicas superego e ideal do ego, segundo Pagés et al. (1987), para facilitar o entendimento dessas mesmas.

No início de sua história, a criança tem uma relação dual com a mãe. Nesse momento, a criança pode desejar apenas o desejo da mãe. Essa relação é quebrada pelo pai que, ao impor a lei da proibição do incesto, interdita o acesso à mãe e introduz o desejo na criança, que sairá então na busca da mãe perdida.

A resolução do complexo de Édipo passa pela interiorização da lei e pela aceitação de uma existência limitada. A interiorização da lei supõe a aceitação de limites e também a superação desses, juntamente com a assimilação da lei que a pessoa vai interpretar a seu modo, o que lhe permite adquirir uma identidade específica. Porém, na realidade, a interiorização é sempre limitada, ela é apenas parcialmente interiorizada e projetada, o que quer dizer que ela vai constituir-se em instância inconsciente ameaçadora – o superego.

O superego representa, inconscientemente, a repressão social ligada à transgressão das proibições, das quais o pai é o instrumento. Ele transforma a impotência intrínseca da criança em obediência às normas sociais (PAGÈS et al., 1987). Vale dizer que o superego não se forma à imagem dos pais, mas à imagem do superego deles. Ele é preenchido pelos mesmos conteúdos e torna-se representante da tradição.

2.3.2 Ideal do ego

O ideal do ego resulta da convergência do narcisismo – idealização do ego – e das identificações dos pais. Constitui um modelo ao qual o sujeito procura se moldar (CHEMAMA, 1995). Sua definição revela que existe uma diferença em relação ao superego, herdeiro do complexo de Édipo. O ideal do ego constitui uma tentativa de recuperação da onipotência perdida. Já o superego, por ser oriundo do complexo de castração, separa a criança de sua mãe. O ideal do ego a leva à fusão com a mãe. Ele tem exigências ilimitadas de perfeição e poder, enquanto o superego alivia essas exigências ao colocar a barreira do incesto e transformar a impotência intrínseca da criança em obediência à proibição. É importante ressaltar que, embora o superego promova a saída da criança da pequena infância e da relação dual com a mãe, introduzindo-a na sociedade, é bem verdade que ele não libera o indivíduo da ilusão.

Essa reflexão traz à tona a constituição de dois tipos de identificação8 inconscientes. Uma é paternal, cujo agente é o superego, e outra é maternal, passa pelo ideal do ego. Nesse processo, respectivamente, há duas formas de ameaças que recaem sobre as identificações. No primeiro caso, a ameaça da castração pela figura paternal, e, no segundo caso, a ameaça da retirada do amor da mãe.

Essas duas estruturas psicológicas correspondem a duas formas de relações sociais, a primeira – paternal – a submissão à tradição, conjunto rígido que se reproduz tal qual. A atitude dominante é a obediência, a execução das ordens, o respeito às proibições, cujas causas são a recompensa e a punição, que remetem simbolicamente à identificação com o pai e à angústia de castração. Na segunda, a maternal, existe a perseguição de um ideal de perfeição, cujo modelo é a organização. A atitude dominante é a adesão, o ato de evitar o desvio, cujas causas são a gratificação e o desprezo, que simbolicamente remetem à oferta de amor e à retirada do amor da mãe.

É importante destacar que, com a segunda estrutura psicológica - maternal - a organização se coloca como captadora do ideal do ego do indivíduo a fim de substituí-lo por um ideal de ego coletivo. Esse processo apresenta uma série de consequências, das quais a mais direta é a introjeção9 pelos indivíduos das exigências fixadas pela

organização.

2.3.3 Poder: Cenários e controles de tipo paternal e maternal

Mediante os precedentes descritos acima, partir-se-á agora para uma compreensão mais profunda dos tipos de controle exercidos pela organização, os quais se relacionam com os cenários vividos pela sociedade e influenciam na estrutura psíquica dos indivíduos envolvidos. Pagés et al. (1987), respaldados pela Psicanálise, fazem uma relação entre o tempo/economia vivido, processo de identificação dos

8 Identificação: “Assimilação de um eu estranho, resultando que o primeiro se comporta como o outro em

determinados pontos de vista, que ele limita, de alguma forma, e que acolhe em si mesmo, sem se dar conta disso” (CHEMAMA, 1995, p. 102).

9 Introjeção: “Termo psicanalítico que designa a incorporação imaginária de um objeto ou de uma pessoa,

trabalhadores, e o tipo de controle que se exerce na organização. Para tanto, destacam três hipóteses.

A primeira corresponde ao que se vivia no período da economia feudal pré- capitalista. O sistema psicológico é dominado pelo superego e há identificação com o pai, representado pelo chefe. Esse é o mediador da empresa, e essa se constitui por um conjunto de tradições reproduzidas por meio das ordens e proibições do chefe. As relações interpessoais são pautadas pela obediência, e as relações ideológicas são de fidelidade à tradição, o que com isso reforçam a produção econômica.

Esse processo de abstração no nível sociológico é, ao mesmo tempo, um processo de regressão à fase da relação edípica no nível psicológico. Na maioria das organizações, as relações de poder eram vividas de modo edipiano. Nesse contexto, o superego desempenha sua ação de instância crítica, orientando seu papel para ser repressor e protetor, aquele que impedirá o acesso da criança à mãe, ou seja, permitindo ao indivíduo relativizar seus desejos de onipotência no confronto com uma autoridade real que lhe impõe limites. Matos (1994) enfatiza que esse tipo de relação faz parte das relações funcionais do tipo paternalista, muito presente em micro e pequenas empresas.

A postura paternalista reflete a atitude do empresário que exerce autoridade de dono, associada a uma postura de transigência e proteção dos empregados contra a crise econômica e os riscos do desemprego (MATOS, 1994). Tal situação produz relações típicas da família nuclear, particularmente com referência às posições relativas ao complexo de Édipo, em que a proteção paternalista cria importantes contradições entre o poder do chefe como figura paterna e a dependência dos empregados. Segundo Moreira (2005), uma organização na qual predomina o modelo de controle paterno sobre o fazer é caracterizada pela concentração do poder, exercido pelo proprietário ou por chefias rígidas, por um sistema disciplinar destinado a produzir obediência e submissão, pelo medo da autoridade - medo da castração.

A segunda hipótese retrata a fase do capitalismo nascente e Pagés et al. (1987) a denominam de sistema híbrido. Nesse caso, há de um lado o surgimento de uma organização social com desenvolvimento, modificações, e não apenas de uma tradição. Essa organização funciona como o ideal do ego coletivo e favorece o aparecimento de

um sistema psicológico coletivo dominado pelo ideal do ego e pela identificação à mãe. Nessa fase, porém, os poderes materiais e psicológicos dos chefes ainda estão longe de ter desaparecido, ou seja, a vida cotidiana no trabalho continua regida pela arbitrariedade dos chefes, por suas ordens e proibições.

Já a terceira hipótese faz referência ao capitalismo vigente e à organização hipermoderna, numa fase marcada pelo desaparecimento dos vestígios de poder dos chefes, da identificação com o pai. Nesse novo sistema sociomental, o plano sociológico é dominado pelo poder da organização e o plano psicológico pelo ideal do ego e pela identificação com a mãe. Ao reativar um antigo desejo enraizado em cada indivíduo, o da união entre o ego e o ideal de onipotência e perfeição, a organização favorece uma regressão coletiva ao narcisismo primário. Nessa situação, o superego não desempenha mais o seu papel, enquanto instância crítica, de ser o guardião da moral do indivíduo, tal como foi forjado no decorrer de sua educação.

Em compensação, o indivíduo encontra-se com uma consciência extrema para se tornar conforme às exigências da organização, ao desejo da mãe. O id10 toma posse do aparelho psíquico, juntamente com o ego ideal que procura fazer a fusão com a mãe onipotente e a restauração introjetiva do primeiro objeto do amor perdido. A organização funciona como o substituto desse objeto perdido. A partir daí, sua lei não precisa mais ser imposta de fora, pois está interiorizada.

É importante frisar que essa regressão ocorre num nível pré-edipiano, ou seja, o trabalhador encontra-se numa relação dual com a organização-mãe. Nessa situação, as figuras paternas são excluídas, o que provoca nos sentimentos dependência e insatisfação constantes, de nunca se poder responder às exigências da organização- mãe.

2.4 Modelos de gestão organizacional e as configurações do poder:

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