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3 A AUTONOMIA DO PACIENTE PARA A BIOÉTICA

3.2 Estudo do consentimento do paciente

Para prosseguir no estudo da capacidade do paciente que recusa tratamento médico, é necessário primeiro estudar o consentimento do paciente, tendo em vista que a recusa consiste em ausência de consentimento ao tratamento capaz ou não de curar determinada enfermidade. Falar-se-á então do consentimento informado ou consentimento livre e esclarecido, que é utilizado no mesmo sentido da expressão inglesa informed consent ou do termo francês consentement livre et

éclairé.

É possível notar a importância do consentimento informado visto que este termo tem sido utilizado em diversos documentos internacionais, como a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, 2010, que diz em seu artigo terceiro que no domínio da Medicina e da Biologia deve ser respeitado o consentimento livre e esclarecido da pessoa; e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos,

67 AMORIM, 2003, p.12

2005, que fala em seu artigo sexto sobre o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada.68

O dicionário jurídico Black’s Law Dictionary define consentimento como:

“A concordância de uma pessoa para permitir que alguma coisa aconteça (como uma cirurgia), baseada em uma complete explicação dos fatos necessários para que a decisão seja tomada de maneira inteligente” (tradução livre). 69 Para o mesmo

compêndio, consentimento informado significa:

Consentimento informado é o nome de um princípio geral do Direito de que o médico tem o dever de prestar as mesma informações que um medico razoavelmente prudente na comunidade médica, no exercício da medicina, prestaria ao seu paciente sobre quaisquer riscos que possam decorrer de um tratamento proposto, de maneira que o paciente, exercitando o seu direito ao bem-estar e incolumidade física, e defrontado com uma escolha de seguir o tratamento proposto, ou um tratamento alternativo, ou nenhum tratamento, possa exercitar seu julgamento de maneira inteligente, sopesando os prováveis riscos frente aos possíveis benefícios. (tradução livre) 70

Na doutrina brasileira, Clotet conceitua o consentimento informado como:

De forma geral, é uma condição indispensável da relação médico-paciente e da pesquisa em seres humanos. Trata-se de uma decisão voluntária, verbal ou escrita, protagonizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo informativo, para a aceitação de um tratamento específico ou experimentação, consciente dos seus riscos, benefícios e possíveis conseqüências. 71

Ao que se vê, o consentimento informado consiste na manifestação do paciente e sua participação como protagonista nas decisões conscientes acerca de sua própria vida. Para que haja uma intervenção médica, o ato necessita do consentimento prévio do paciente e está justificado pelo direito que cada indivíduo tem de proteger sua integridade e de autodeterminar-se no sentido de preservar sua vida ou sua decisão sobre ela.72

O médico, por sua vez, tem o dever de prestar os esclarecimentos necessários ao paciente, como as alternativas de tratamento compatíveis com o

68 CLOTET, 2003, p.231

69BLACK’S LAW DICTIONARY; Ed. West Publishing CO.; 1979; fifth edition, p.701 70 Ibid., p.701

71 CLOTET, op. cit., p.233

72 PAULA, Roberto de. O CONSENTIMENTO INFORMADO E A LIVRE DECISÃO DO PACIENTE:

DIÁLOGOS JURÍDICOS ENTRE A AUTONOMIA DA VONTADE E A HORIZONTALIZAÇÃO DE DIREITOS A PARTIR DA “BIOÉTICA FORTE”. In: CONPEDI, 2014, João Pessoa, PB. Anais do XXIII Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: CONPEDI, 2014, p.276

caso e as condições científicas disponíveis, bem como técnicas existentes em outros centros mais desenvolvidos que possam atender as necessidades do paciente, sem deixar de considerar qual a alternativa menos dolorosa, com menor custo de tratamento e a previsão do tempo de recuperação do paciente. 73

Em sede constitucional, a importância do consentimento informado pode ser inferida pelo direito assegurado a todos indistintamente de não ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, bem como através do direito de liberdade de consciência e de crença, todos expressos no artigo 5º da Constituição Federal, incisos II e VI respectivamente.

Já em se tratando de legislação infraconstitucional, o consentimento está incluso no rol de direitos pessoais e se manifesta por meio da vontade. A vontade é o próprio elemento propulsor do domínio do ser humano em relação às demais espécies daí que está estrategicamente situada na organização estrutural do negócio jurídico que consiste no verdadeiro instrumento da vontade humana.74

Segundo Gilberto Baumann de Lima, são internacionalmente concebidos os seguintes requisitos para se obter o consentimento informado: explicação sobre o tratamento de saúde; informação sobre os riscos próximos do tratamento sugerido; informação sobre outros tratamentos aplicáveis ao caso específico do paciente ou a inexistência de outras opções; e a informação sobre os benefícios previsíveis do tratamento proposto.75

É importante dizer que o consentimento informado não deve ser reduzido a um simples formulário. Deve-se ter em mente o processo de consentimento, do qual podem fazer parte os folders informativos de certo procedimento ou campanha, o contrato de prestação de serviços, o protocolo, o cartão de visita do profissional de saúde, os esclarecimentos prestados pessoalmente, as informações fornecidas

73 LIMA, Gilberto Baumann de. Consentimento Informado do Paciente para o Tratamento de

Saúde. In: URBAN, Cícero de Andrade (coord.). Bioética Clínica. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Revinter Ltda., 2003, p.221

74 CARVALHO, Fábia Ribeiro Carvalho de. JUNIOR, Mário Jorge Tenório Fortes. Pontuando o

desenvolvimento social: A Ética e o Direito frente ao consentimento livre e esclarecido na relação médico e paciente. In: CONPEDI, 2013, São Paulo, SP. Anais do XXII Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: FUNJAB, 2013, p.12

pelos recepcionistas das instituições de saúde etc. Em tradução livre, a advogada e jurista Fay A. Rozovsky ensina que:

O consentimento informado é um processo de comunicação entre um paciente e um fornecedor de serviços de saúde no qual ambas as partes fazem perguntas e trocam informação, culminando na anuência do paciente a uma realização médica ou uma cirurgia específica.76

Durante o processo de consentimento é importante também que o próprio paciente forneça as informações necessárias ao profissional de saúde a fim de que este lhe preste as informações apropriadas sobre os riscos e benefícios do tratamento proposto. O paciente não deve assumir que o profissional de saúde deve saber as informações que não estão suficientemente claras. Para o processo de consentimento ser eficaz se faz necessária a participação ativa de ambas as partes.

Consoante Clotet, o consentimento informado deve ser obtido em meio a um diálogo orientado pela comunicação e pela confiança:

Não é novidade, a relação médico-paciente é bastante complexa; nada obsta, porém, que suas características marcantes sejam orientadas pela díade comunicação e confiança − ou appropriate trust (confiança adequada) para usar a expressão de Annette Baier. É na interação entre o médico e o paciente que o processo terapêutico deveria acontecer. Este clima de diálogo constitui o ambiente propício para a obtenção do CI. Contudo, em nosso dia-a-dia muitas situações se afastam dessas condições ideais, como, por exemplo os procedimentos de emergência, as intervenções em crianças e pessoas com problemas psíquicos.77

É importante ainda dizer que existem exceções legais ao direito de prestar o consentimento. O Código de ética Médica, por exemplo, em seu artigo 31º autoriza o médico a decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas em caso de risco iminente de morte do paciente, caso contrário a decisão cabe a este ou ao seu representante legal. 78

Segundo Carlos María Romeo Casabona, o ordenamento jurídico também considera irrelevante a manifestação da vontade em caso de intervenções

76 ROZOVSKW, Fay A. Consent to Treatment. Ed. Aspen Publishers, Inc., Gaithersburg, Maryland,

USA, 2000, p.1

77 CLOTET, 2003, p.233-34

78 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. RESOLUÇÃO CFM Nº

1931/2009. “É vedado ao médico: Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.”

obrigatórias, ou quando o paciente não está em condições de prestá- la por si ou por terceiros e a espera por sua obtenção acarretaria um mal maior. 79

Finalmente, é interessante destacar que o consentimento informado validamente elaborado segundo a moral e o direito representa a manifestação de uma vontade fundada em orientações necessárias para evitar conflitos, tanto no que tange ao objeto do consentimento quanto à possibilidade de ser alcançado o objetivo final perseguido na contratação. Além de respeitar a autonomia do paciente e a sua dignidade, a providência do consentimento informado é medida que pode evitar confrontos jurídicos e/ou administrativos entre o profissional de saúde e o paciente, mesmo tendo-se em conta uma relação de boa-fé.

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