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O texto ―— I —‖ desfecha-se com quatro versos aparentemente referenciados, na narrativa, como ―couplet‖. A expressão ―couplet‖ não aparece a intitular diretamente os quatro versos, mas, sim, a sugerí-los quer como fala de Radamente, quer como fala do narrador- personagem, ou ainda como síntese do encontro de ambos. Como verificado no subcapítulo anterior, trata-se de uma consequência criativa da relação entre o personagem-narrador e do

―Aletria e Hermenêutica‖ assim diz o narrador rosiano: ―Nem será sem razão que a palavra ―graça‖ guarde os

sentidos de gracejo, de dom natural, e de atrativo.‖ (ROSA, 1979, p. 3).

Tal como a claridade do sol atravessa a vidraça depois desta estar limpa, se o homem se purifica, dar-se-á abertura para experiência da Graça, no que a Graça pode vir. No caso rosiano, em ―Tutaméia‖, esta purificação e esta abertura ocorrem através ―de gracejo, de dom natural, e de atrativo.‖ Em suma: se o homem é chamado a se purificar e a se abrir, não deixará de fazê-lo, então, por influência de Graça que se presentifica nos meios que conduzem a vida humana desde a semiconsciência até integrada experiência da consciência de si mesmo em estado Transpessoal.

narrador-personagem e não deixa de ser também uma consequência da relação eminentimente poética que o autor mantém com a linguagem.

Essencialmente metafórico, este ―couplet‖ tem a própria verossimilhança assentada no fato de ter forma poemática e não na representação de ocorrências cotidianas aparentemente verossímeis (como as que são contadas no enredo do texto ―— I —‖). Neste caso, a ironia rosiana não afetaria a leitura em nível verossímil não fosse o caso do ―couplet‖ rosiano ser formado por quatro versos na medida em que, tecnicamente, um couplet, em literatura, realiza- se como composição de apenas dois versos.

Assim, dá-se necessidade de estudar o ―couplet‖ rosiano em nível mítico-simbólico.

―Moi, je ferai faire

un p´tit moulin sur la rivière. Pan, pan, pan, tirelirelan, pan-pan-pan…‖ (p. 148).

Como se constata, o ―couplet‖ está em língua francesa. A partir de tal situação, intenta- se aproximação hermenêutica por via que não poderá traduzir o texto com exatidão, conquanto (não exatamente a trair banalmente o poema) possa ressoar com a tradição e com a atualidade que animam a linguagem rosiana. Vez que ler é interpretar e, interpretar – por sua vez – aventura ressoar como traduzir, para fins de análise e nutrição poiésica tenta-se transpor o significado do ―couplet‖ para o português brasileiro.

Observa-se que ao dizer ―Moi, je ferai faire‖, o texto rosiano poderá ser traduzido como ―Eu, eu farei‖. Em sentido mais próximo ao da palavra poiésis, a referida expressão poderá ainda

ser traduzida também como ―Eu, eu criarei‖ ou ainda como ―Eu, eu fabricarei‖, ―Eu, eu produzirei‖.

Nota-se que a pronúncia da palavra francesa ―Moi‖ traz sugestão de abertura, enquanto

que a pronúncia do vernáculo ―je‖ insinua movimento de oclusão. Tal dialética de

abertura/oclusão não deixa de remeter a leitura à paradoxalidade do Mistério, haja vista que para Este, a revelação é ocultamento. Também, a pronúncia francesa das palavras ―ferai faire‖

soa próxima ao som de um serrote cortando a madeira em movimentado vai-e-vem. Com pronúncia próxima as sílabas Fé-ré-fé, o texto rosiano sugere onomatopeia: música da linguagem que vai nas mãos de trabalhada dúvida e que retorna nas mãos de gratuita Fé.

Adentrando o ―couplet‖, portanto, perceba-se que, em francês, as palavras ―Moi‖ e ―je‖

nível originário, pode representar, apresentar e acionar a duplicação e a fratura da unidade identitária. De um lado, o couplet pode ser a fala de Radamente. De outro, pode ser a fala do narrador-personagem. De modo sintético, é o canto de ambos. A identidade do ―côro‖ (p. 148) – ou o ―eu‖ do coral que canta o ―couplet‖– faz-se, paradoxalmente, como outro que é si mesmo. O Si Mesmo de um Eu que, paradoxalmente, é Mesmo e Outro. Assim, a considerar a natureza originária da linguagem rosiana, vê-se que o eu pessoal alinha-se ao Eu Transpessoal. Dá-se que este duplo ―Eu, eu‖ (―Moi, je‖) é nós, de modo que o verso ―Moi, je ferai faire‖ pode ser

entendido como simpatético e mágico251projeto de comunhão Kósmica que, expressando-se na oração ―Moi, je ferai faire‖ pode soar como eu farei acontecer (no que ressoa miríades de

miríades a repetir criativamente a genésica expressãoFiat Lux (Que se faça a luz) (Gênesis 1:1-

5). Seria o caso de se aceitar que o homem pode co-operar com a obra da criação.

A ressoar com o fazer do Fiat, a tradução do primeiro verso pode ser ainda ―Eu, eu farei‖,

conquanto, a integrar o eu pessoal ao Eu Transpessoal, este fazer passe a ser ação da própria Vida como Todo atualizando-se em cada parte da criação. Assim, o fazer torna-se atividade potencializada e atualizada por si mesma e, mesmo quando viabilizada por um sujeito ou por grupo de sujeitos particulares, não deixa de se expressar como ação da Impessoalidade que em todas as coisas se personaliza ou ainda de uma Pessoalidade que em todas as coisas se presentifica, se diversifica e se diferencia. No texto, a potencialidade e a futuridade (sugeridas pela expressão ―ferai faire‖) se expressam, já, como presentificação da atividade da Presença,

como presentificação do fazer poiésico em nível não-dual. O paradoxo do ―couplet‖ aponta o fazer individual a consentir com a Poiésis Transpessoal; Criação por Excelência que, em última instância, a tudo faz. Assim, a anunciar e a realizar, já, o que se anuncia (como a trazer, implicitamente, respostas tais como e assim será feito; e assim seja feito; e assim foi feito), o primeiro

verso do ―couplet‖ ainda pode ser traduzido como ―Far-se-á‖ ou ―Faça-se‖ ou ―Que se faça‖.

Este fazer é símbolo da atividade poética (de modo geral, da poiéisis) e se dispõe a fabricar ―un p´tit moulin sur la rivière.‖ Do modo mais literal possível, pode-se traduzir este

segundo verso como ―um pequeno moinho sobre o rio‖.

Deve-se considerar que, ao subtrair uma das letras da palavra petit (pequeno, em francês),

o uso rosiano da palavra ―p´tit‖ enseja diminuição ainda maior do que já é pequeno. Neste caso,

também, a pronúncia da palavra passa a exigir destacado fechamento dos lábios, no que se

251Tal como concebido nesta tese, a noção de mágica vem de magister, magistério, propedêutica do Amor. Para estudo que contempla a representação do encantamento na obra rosiana ver SIMÕES, Irene Gilberto.

Guimarães Rosa: as paragens mágicas. São Paulo: Perspectiva. 1999. Ver também ROMANELLI, Kátia

Bueno. A ―Álgebra mágica‖ na construção dos textos de Tutaméia de João Guimarães Rosa. 1995. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – FFLCH – USP, São Paulo.

enfatiza ainda mais a pequenez e a delicadeza a que referencia. É possível aproximar a expressão francesa ―p´tit‖ das abrasileiradas expressões petitico e pititico, no que ―un p´tit moulin‖

pode ser traduzido como ―um p´titico moinho‖. Faz-se deste modo porque espera-se que o

delicado sentido que habita as pequenas singelezas da linguagem possa ressoar com a grandeza da poiésis rosiana. No átimo criativo, possa ocorrer coincidência entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande. Neste sentido, vale enfatizar que a referência ao ―p´titico moinho‖, além

de remeter a leitura às instâncias de singela delicadeza, não deixa de referenciar à grandiosidade do projeto da obra Tutaméia. No ―GLOSSÁRIO‖ (p. 165) do prefácio Sobre a

Escova e Dúvida diz-se: ―tutaméia: nonada, baga, ninha, inânias, ossos-de-borboleta, quiquiriqui, tuta-e-meia, mexinflório, chorumela, nica, quase-nada, mea omnia.‖ (p. 166). Tutaméia, pois, pode ser expressão

rosiana que sintetiza a experiência originária do paradoxo: pequenez da Invisibilidade: grandiosidade do visionarismo das coisas poéticas: mundo das partes que remete ao Todo, fundo da Arte que compete a todos: fluir a superfície do tempo para além da temporalidade: elevação da liberdade, Libertação.

A saber que o moinho é figura peculiar das cidades interioranas da França, não é desarrazoado inferir que o ―couplet‖ rosiano seja convite à interiorização meditativa. Nesta perspectiva, o progresso capital faz-se como retorno à interioridade enquanto mundo em experiência transfigurada.

Nota-se ainda que, sem negar as individualidades dos personagens, o ―couplet‖ pode se insinuar como uma fala de Radamante e/ou do narrador-personagem. A considerar o caráter tenso do enredo, tal fala pode sinalizar que, ao chegar o limite máximo de tensão e suportabilidade, um dos personagens emite blefe, desvio, fuga, deboche, ironia e como a desfechar a conversa, sai cantarolando a esconder o fracasso ou para celebrar alegada vitória. Por outro lado, a considerar o caráter integrativo da dialética rosiana, o ―couplet‖ pode ser fala que desfecha o dialógo e celebra a re-união de ambos os personagens. Aqui, então, todos os sentidos aventados são acolhidos a sintetizar enigma que não sendo esgotável pelas vias das explicações lógicas, não deixa de ser convite para experienciação hermenêutico-poética.

Emerge a dúvida: por que o ―couplet‖ versa sobre tema aparentemente estranho ao enredo, ou seja, sobre a construção de ―um moinho sobre o rio‖? Existe alguma conexão temática subjacente que alinha o enredo e o ―couplet‖? Se sim, qual seria?

Lembra-se que o enredo transcorre a representar encontro no qual aparentemente são servidos refinados petiscos da culinária francesa: ―filet de sôle sob castelão bordeaux seco,

branco, luziu-se a poularde à l`estragon, à rega de grosso rubro borguinhão‖. No enredo, o

moinho que o processo de preparo dos alimentos se inicia. Referenciar o moinho pode ser indicação deste fato tanto quanto do desejo de ser fazer mais alimentos. Assim, se em termos verossímeis o interesse em construir um moinho parece referenciar o retorno à base do processo de preparação dos alimentos, em termos simbólicos, no ―couplet‖, a figura do ―moulin‖

(―moinho‖) já se mostra como efetivo processo de preparação de alimentos. A figura do ―moulin‖

(―moinho‖) pode referenciar avanço para o futuro e retorno ao nível originário-causal. Da-se,

então, apresentação do próprio processo de nutrição poética em nível ainda mais elevado. Aqui, a expressão ―sur‖ (―sobre‖) indica que o moinho, espacialmente, estará sobre o rio na medida em

que também pode sugerir que o ―moinho‖ seja obra que esteja acima da própria passagem do

tempo (referenciada, aí, pela passagem das águas do ―rio‖). Deste modo, estando ―sobre o rio‖

(―sur la rivière‖), o ―moinho‖ (―moulin‖), simbolicamente, tem pá que tanto se movimenta com o fluir do rio do tempo quanto, extaticamente, insinua-se experiência poética que, contra o tempo, guinda a contemplação da leitura à experiência da Transtemporalidade. Potência simbólico- arquetípico-sutil que remete ao que está sobre o tempo, ao que supera o tempo – mais que mágica invocação a intentar trazer a presença da Graça – o segundo verso do ―couplet‖, girando como uma pá da azenha rosiana, é, já, expressão de Graça que, ao ter vindo na conjuntiva vivência dos personagens, ainda pode sobre-vir à leitura. Nesta perspectiva, o narrador não explicita, mas sob o influxo originário delegado pela atividade hermenêutica, sem prejuízo do texto em estudo, é possível que o leitor compreenda melhor a experiência da Graça na linguagem rosiana se, poiesicamente, visualizar o ―couplet‖ como canta-vento a aspergir, no ar da leitura, mágicas cintilâncias sutis: expressão do kerigma a dizer-se enigma: ―un moulin sur riviére‖ (―um moinho sobre o rio‖): moinho que, paradoxalmente, não está nem no inicio

(minadouro) nem no fim (foz) do rio, mas, também, extática e animadamente, ritma-se toada de toda a voz no rio e sobre o rio.

Ao adentrar no universo poético do ―couplet‖, então, a leitura não se depara com projeto de fabricação de um moinho qualquer a ser materializado em localização específica. A leitura depara-se com representação, apresentação e ação literárias apontando parea lugar além do espaço, no próprio fluir poiésico. A expressão simbólica de tal situação está apresentada na expressão ―un rivière‖ (―um rio‖). A figura do ―rio‖, metaforicamente, pode remeter à fluência da

vida. No caso em estudo, os símbolos do ―moinho‖ e do ―rio‖, respectivamente, sugerem a

atividade literária enquanto alimento espiritual (um petitico moinho, um petisco de manjá artístico) e o

próprio devir literário enquanto fluir vital que possibilita a criação e a recepção literárias. Outrossim, a expressão ―un moulin‖ (―um moinho‖) sugere a simbologia da unidade (―un‖; ―um‖) o que insinua, simbologicamente, que tanto o ―moinho‖ quanto o ―rio‖, em última instância, são

aspectos da mesma realidade. Se as pás de um moinho giram em velocidade relativa à

velocidade do fluxo das águas no rio e ao sopro do vento, o ritmo do moinho rosiano, pois, é o ritmo do fluir da vida, do sopro criador, do assovio do Silêncio... No caso do ―couplet‖, é o ritmo mesmo em que o moinho é feito: vida em celebração de Música, Poesia, Canto.

Assimm, embalados por ritmada entoação, ocorrem o terceiro e o quarto versos do couplet: ―Pan, pan, pan, tirelirelan, / Pan-pan-pan...‖

Em francês, são registradas expressões como ran tan plan, tire lire lan plan e tirelirelan252. No texto rosiano, as expressões ―Pan, pan, pan‖ e ―tirelirelan‖ sugerem-se

onomatopeias referentes às atividades da música, do ritmo, do canto. Desta maneira, a fim de preservar a musicalidade das rimas entre o primeiro e o segundo versos (―faire‖ e ―rivière‖), a

tradução do primeiro verso poderia se realizar, por exemplo, como: ―Eu, eu farei (ou ―Faça-se‖, ou ainda ‗Que se faça‘) de um navio / um pequeno moinho sobre o rio. Tal artifício preservaria as rimas e

pode trazer sentido de movimento daquilo que está no rio – justaposta e paradoxalmente – tanto ao modo de um fixo moinho como de um itenerante navio. A ação de tal extático movimento

252 Expressões relacionadas à música. Na obra Bibliographie de la France, ou, Journal général de

l'imprimerie et de la librairie (KRAUS REPRINT, p. 699), consta: ―Musique Charivarique, n. 1. Musiciens de

la chapelle. M. d´Argot, primiere nazillard du roi. Air: (…) = Idem, n. 2. M. Sou.. , Premier Tambour. Air: Je vais vous percer le flanc! /Ran tan plan, /Tire lire lan plan!‖ Disponível em: https://books.google.com.au/books?hl=ptBR&id=Z69JAAAAYAAJ&q=tirelirelan#v=snippet&q=tirelirelan&f=f alse. Acesso em: 20 de dezembro de 2010.

A palavra tirelirelan é encontrada em canções de guerra da era napoleônica. Grupos contemporâneos estão reencenando as guerras napoleônicas. A tratar tais ocorrências, o site Les Grognard de La Marne registra: ―On va leur percer le flanc: (…) ran tan plan tire lire lan plan‖. Disponível em: http://www.lesgrognardsdelamarne.com/chants-empire.html. Acesso em: 20 de dezembro de 2010. A mesma expressão, adjunta a referências históricas e musicológicas relativas à era napoleônica, encontra-se em La

Musique Militaire. D'Après une Publication Récente (TIERSOT, 1917, p.42-50). Disponível em:

http://www.jstor.org/stable/924898?seq=1#page_scan_tab_contents. Acesso em: 20 de dezembro de 2010. Tal constatção não deixa de sugerir que o ―couplet‖ ressoa com os temas do conflito e da guerra.. Como dito na nota de rodapé 225, tais temas já estão apresentados desde as canções encontradas no conto ―A Hora e Vez de Augusto Matraga‖. Em Tutaméia, no entanto, a elaboração textual mostra-se ainda mais refinada.

Na contemporaneidade, também, são encontrados registros da palavra ―tirelirelan‖ em canções populares. Na dissertação Aulas de piano em grupo na iniciação – um património musical renovado, Sofia Sarmento Ribeiro apresenta letra de canção com a expressão francesa tirelirelan: ―Fui ao Céu/ Dans le bois / (Original: E. Willems): / Dans le bois, tire lire lire, / dans le bois, tire lire la! / Il y a, tire lire lire, / il y a, tire lire la! / Un oiseau, tire lire lire, /un oiseau, tire lire lo! /Il est beau, tire / lire lire, / il est beau, tire liro lo! / Est petit, tire lire lire /, est petit tire lire li! /Sait chanter, tire lire lire, / sait chanter, tire lire, lé! /De beaux chants, tire lire lire, / de beaux chants, tire lire lan!‖ (RIBEIRO, 2011, p. 188) (grifo meu). Como tradução destes versos para a língua portuguesa, Sofia Sarmento Ribeiro apresenta:―Letra (R. Simões): / Fui ao céu, tiro-liro-liro, fu / i ao céu, tiro- liro- léu. / Num balão, tiro-liro-liro, / num balão, tiro-liro –lão. / E vi lá, tiro, liro-liro, / e vi lá, / tiro-liro-lá, / São José, tiro –liro-liro, / são José, tiro.liro-lé. / O que vi, tiro-liro-liro, / o que vi, tiro-liro-li, / Era bom, tiro-liro- liro, era bom, / tiro-liro-lom!‖ (RIBEIRO, 2011, p. 82). (grifo meu).

não é estranho à poética rosiana. No entanto, o ―couplet‖ não faz nenhuma referência a navios. Assim, na tentativa de preservar as rimas entre dois primeiro versos ainda podem acorrer outras soluções: ―Que se faça com um assovio / um pequeno moinho sobre o rio‖. Aqui, as rimas são

preservadas na medida em que a sugestão de canto (música, ritmo, criatividade) inspira a ideia de sopro criador. Outrossim, nota-se que a palavra ―Tirelirelan‖ no ―couplet‖ pode encontrar correspondência no português brasileiro em expressões que conotam canto e ritmo tais como Lá, lá, lá, lá, lá ou Tiraliralá. A fim de se preservar a referência ao ritmo e ao canto, assim como as rimas, a tradução do terceiro e quarto versos poderia se realizar como: "Pan, pan, pan, rataplan / pan-pan-pan...‖, Ou ainda como: ―Pá, pá, pá, Tiraliralá/ pá-pá-pá...‖, no que a palavra ―Pá‖, além

de se referir ao som das batidas de um ritmo, pode, também, remeter a significado relativo às pás de um moinho.

O intento desta pesquisa não é o de fazer a tradução definitiva do ―couplet‖, mas, sim, seguir traduzindo-o para efeitos de análise, outrossim sob efeitos poiésicos. Deste modo, o fluxo transformativo deve seguir a movimentar a moenda hermenêutica.

Tratando-se da linguagem rosiana, porém, não é desarrazoado supor que a expressão ―tirelirelan‖ seja composição condensada de palavras menores. Este seria o caso da possível seguinte fusão: tire (puxar, fazer algo bem); lire (lira e ler); ire (ira); elan (elán vital). A considerar a

fissão de tais significados, um dos sentidos da referida expressão soaria próximo a: puxar um verso em um folguedo bem feito usando, para tanto, a lira e a leitura com a ira da suavidade poética própria ao Elán Vital. Sem ferir a poética rosiana, pode-se dizer que estes significados são pertinentes e ressoantes com a estória em estudo. No mais, dentro da palavra ―tirelirelan‖

pode-se encontrar ainda a palavra tirelire (pequeno cofre, mealheiro) no que já ocorre a

possibilidade de se inferir, daí, significados e implícita referência ao valor de ―Tutaméia: (...) nica‖ (p. 166): níqueis, ironicamente, depositados no artefato poético, no cofre do Infinito Elán Vital.

O ―couplet‖ rosiano realiza-se como quadra de um fazer que não aspira feitos utilitaristas, mas sim inspira efeitos de encantamentos... como abracadabra ou fala encantada. Também, dado o caráter crístico do texto rosiano – enquanto Kerigma, ou seja, enquanto anúncio da boa nova – a delicadeza do ―couplet‖, ambígua e paradoxalmente, é moinho que range a dor do mundo, tanto quanto faz soar sinos e sutis carrilhões de gozo místico: como o nascimento de uma criaça divina envolta em natalinos sons, o Kerigma comunicado pela arte rosiana, magicamente, asperge-se dons. O ritmo entoado em ―Pan, pan, pan, tirelirelan‖ pode ressoar, magicamente, com as sutis sonoridades de múltiplos e encantantes plim, plim, plim.

Sem conversar o mesmo número de sílabas, porém, a expressar encantamento, a tradução da palavra ―tirelirelan‖ pode ser ―pirlimplimplim‖.

Desta maneira, a querer ouvir os gracejos da Graça, a atividade hermenêutica vai se transformando na medida em que novas possíveis traduções podem ser apresentadas e acionadas253. O quarto verso dito ―pan-pan-pan...‖, então, pode traduzir-se como sutis ―plim-plim- plim...‖. A considerar o canto em ritmo de encantamento da linguagem rosiana – vem modo

outro de dizer o ―couplet‖:

―Que se faça com um assovio um p´titico moinho sobre o rio. Plim, plim, plim, pirlimpimpim, Plim-plim-plim...‖

Neste sentido, o quarto verso do couplet ecoa eficácia de mágica realização. Os compassos e passos de ―pan-pan-pan‖ levantam, emlevam, fazem ascender o pó que está no

material a ser utilizado na construção, sublimam efervessências que brilham nos feitos das poções mágicas. E este fazer, paradoxalmente (em nível causal de leitura do ―couplet‖), faz-se como imperativo a se submeter, responsavelmente, à própria condição da liberdade: vocação artística.

A leitura do ―couplet‖ em nível causal, então, sugere que a atividade hermenêutica retome os quatro versos como um todo, no que a não-dualidade pode se insinuar como nascedouro do rio do qual flui poiésis e abertura para a Experiência da Graça.

Ao realizar-se como início da criação do ―couplet‖, o primeiro verso, também, metaforiza a atividade poética como azenha a processar os alimentos espirituais servidos na linguagem. Considera-se as qualidades originárias e inaugurais da palavra rosiana e o tempo futuro expresso na oração ―Moi, je ferai faire‖ presentifica-se na própria enunciação do primeiro

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