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112 Temos por objetivo geral analisar o discurso sobre educação alimentar presente na aula de ciências de uma professora das séries finais do ensino fundamental.

Especificamente, nossa análise será norteada a partir das seguintes questões:

(1) Quais sequências textuais são as mais recorrentes nas aulas de ciências que versam sobre educação alimentar ?

(2) Como as sequencialidades argumentativas aparecem no discurso sobre alimentação ?

(3) Que conteúdos de aprendizagem são evidenciados ou negligenciados no discurso sobre educação alimentar elaborado nas aulas de uma professora de ciências das séries finais do ensino fundamental ?

(4) Que prática discursiva sobre educação alimentar está sendo construída em aulas de ciências de uma professora das séries finais do ensino fundamental ?

(5) Qual prática educativa sobre questões alimentares é assumida no discurso de uma professora de ciências de séries finais do ensino fundamental ?

3.1- Metodologia 3.1.1.- Participantes

Nossa proposta de pesquisa tem como foco investigativo o discurso sobre educação alimentar presente nas aulas de ciências, a partir de situações espontâneas de ensino, cuja interpretação tomará como referenciais as concepções de discurso (BAKHTIN, 2000; FOUCAULT, 2008), sequências textuais (ADAM, 1992, ADAM, 2009a, ADAM, 2009b), bem como, a noção de formação e prática discursivas (FOUCAULT, 2002).

Em uma primeira fase da pesquisa tivemos com sujeitos duas professoras de ciências e seus respectivos alunos.

As professoras são pós-graduadas num mesmo curso de especialização em Educação Ambiental, concluído em 2010, sendo ambas licenciadas em ciências biológicas e docentes da rede estadual. A primeira professora (profa.1) tem cinco anos e meio de

113 graduada e o mesmo tempo de docência, ministrando aulas nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio. Segundo dados coletados a partir de questionário (anexo 1) ela elege o tema nutrição como um dos conteúdos de ciências que prefere trabalhar, uma vez que considera a alimentação uma temática que chama a atenção da maioria dos alunos e estimula a sua participação e seu interesse pela pesquisa e compreensão do tema. Ela relata trabalhar em suas aulas sobre educação alimentar aspectos referentes à importância dos nutrientes, à alimentação saudável e aos cuidados com a alimentação, bem como, à energia e à conservação dos alimentos. A turma selecionada por ela para trabalhar a temática foi o 8º ano do ensino fundamental do turno da manhã. A referida turma era formada por 40 alunos, na faixa etária entre 12 e 15 anos, oriundos de classe média baixa e um tanto dispersa.

A segunda professora (profa. 2) tem vinte e sete anos de licenciada e quinze anos de

docência é especialista em venenos animais pelo Instituto Butantan/SP e mestre em radiobiologia pela UFPE. Leciona nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio. De acordo com os dados fornecidos pela professora 2 no questionário (anexo 1), as questões alimentares não recebem destaque entre os conteúdos de ciências dos quais prefere trabalhar (citologia, histologia, fisiologia e educação ambiental), entretanto, relata que trabalhar a educação alimentar em diversos momentos, principalmente quando aborda fisiologia humana, sustentabilidade e bioquímica.

A turma selecionada por ela para abordagem da temática foi o módulo IV da Educação de Jovens e Adultos – EJA, equivalente ao 8º ano do ensino fundamental, e pertencia ao turno da noite, sendo formada por 18 alunos, com faixa etária variando dos 16 aos 50 anos. Esses alunos são oriundos de classe média baixa e a grande maioria é de trabalhadores e chefes de família, os quais parecem mais atentos ao que professora fala.

Em uma análise preliminar dos conteúdos de educação alimentar contemplados nas aulas das duas docentes, identificamos que a professora 2 destinou um tempo pedagógico bem maior para a discussão sobre a temática, sendo a mesma selecionada como sujeito da pesquisa e recebendo o nome fictício de Laura.

3.1.2.- Procedimentos

Inicialmente realizamos contato com os professores do curso de especialização

Educação Ambiental na Era da Globalização, promovido pelo Centro de Educação da

UFPE em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. O curso teve como proposta discutir a questão ambiental considerando as influências sociais, políticas e

114 econômicas determinadas pela globalização nos últimos tempos. Com o objetivo de formar profissionais da educação, oriundos das diversas áreas do conhecimento, através de um olhar holístico e crítico sobre as atuais questões ambientais, buscando valorizar a integração dos elementos constitutivos do meio ambiente na relação com múltiplos aspectos (família, escola, trabalho, cidade) em contraposição a fragmentação que supervaloriza o aspecto ecológico em detrimento de outros inerentes aos problemas ambientais.

O curso de especialização em Educação Ambiental obedeceu ao modelo presencial, com aulas aos sábados em horário integral (manhã e tarde), tendo seu início em fevereiro de 2009 e término em agosto de 2010, perfazendo uma carga horária total de 360h/a. Foram ministradas dez disciplinas: (1) Introdução à Educação Ambiental; (2) Globalização e crise ambiental; (3) Problemas ambientais de Pernambuco; (4) Metodologia da pesquisa científica; (5) Tópicos especiais em educação ambiental; (6) Saúde e ambiente; (7) Demografia, recursos naturais e impactos ambientais; (8) Educação ambiental comunitária; (9) Desenvolvimento sustentável e Agenda 21; (10) Prática de ensino para educação ambiental.

Das referidas disciplinas ressaltamos a de Saúde e Ambiente, cuja ementa prevê o entendimento do ambiente como promotor de saúde e doenças, dando destaque as condições sociais, políticas e econômicas que interferem na saúde humana, bem como, as intervenções humanas promotoras de um ambiente mais saudável. Vale destacar que das três professoras ministrantes da disciplina, duas pertenciam ao Departamento de Nutrição da UFPE, o que possibilitou dedicar um tempo maior da carga horária para as questões alimentares. Nesse sentido, o módulo buscou tratar de conteúdos ligados a segurança alimentar e nutricional — com enfoque em aspectos como a dieta equilibrada, a higiene alimentar e ambiental, o consumo consciente, aproveitamento integral dos alimentos, dentre outros — e suas implicações para a qualidade de vida e o ambiente que o cerca. Adicionalmente, foi previsto um tempo pedagógico para sugestões de confecção e utilização de materiais lúdico-educativos, como jogos, dinâmicas, teatrinhos, sempre que possível de material reaproveitado, de baixo custo, voltados para a sala de aula e para projetos relativos a Educação Alimentar.

O referido curso de especialização, em sua primeira turma, contou com a participação de professores da rede pública de ensino das mais diversas áreas, uma vez que a Educação Ambiental é uma temática de abordagem multidisciplinar. Assim, houveram

115 profissionais formados em ciências biológicas, história, geografia, língua portuguesa, dentre outros, totalizando 45 professores, dos quais 16 eram licenciados em biologia.

Apresentamos nossa pesquisa e fizemos o convite aos docentes para participarem como sujeitos do estudo em um dos encontros do curso, após a conclusão do módulo de nutrição. Aos que aceitaram entregamos um questionário (anexo 1) a partir do qual identificamos aqueles que: (i) estavam atuando nas séries finais do ensino fundamental de escolas da Região Metropolitana do Recife (RMR) e (ii) previam no planejamento de segundo semestre trabalhar com seus alunos questões ligadas a alimentação, o que nos levou ao número de duas professoras.

Desse modo, realizamos visita as escolas em que as docentes atuavam, para solicitar aos seus dirigentes a assinatura da Carta de Anuência (anexo 2) e assim obtermos a autorização para as observações de algumas das aulas de ciências das professoras participantes.

Diante do aceite dos gestores das escolas, submetemos nossa proposta de estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (CEP/UFPE), no intuito de obter registro e consequentemente a autorização para proceder à coleta de dados.

Uma vez aprovado o projeto de tese pelo comitê de ética sob o registro CEP/CCS/UFPE no. 201/10 nos dirigimos às escolas para um primeiro contato com os alunos, objetivando esclarecer quaisquer dúvidas sobre o trabalho de investigação a ser realizado na turma, como também, solicitarmos a eles (quando maiores de 18 anos), aos seus responsáveis (quando menores de 18 anos) e as professoras, que lessem e assinassem o termo de consentimento livre e esclarecido (anexos 3 e 4).

Desse modo, iniciamos a coleta nas escolas através da observação de aulas referentes aos conteúdos ligados a Educação Alimentar, sem que houvesse nenhuma solicitação de adequação do planejamento pedagógico das professoras ao objeto de nossa pesquisa.

O registro das aulas foi feito através de caderno de campo, no qual constou a descrição das atividades e dos materiais utilizados pela professora, da organização espacial da sala e do comportamento da turma durante a interação professor ↔ alunos ↔ recursos didáticos. Também utilizamos duas filmadoras que ficaram dispostas em dois pontos da sala. No primeiro ponto, foi fixada em um tripé e direcionada de modo que fosse possível captar imagens da professora junto ao quadro branco e de grande parte da turma, num ângulo de aproximadamente 90o e uma outra câmera no fundo da sala, controlada por um operador e direcionada para a professora, o que nos garantiu acompanhar os movimentos

116 tanto da professora quanto dos(as) alunos(as) durante a aula, bem como, nos aproximar dos alunos em momentos de atividade em grupo. Solicitamos à professora que utilizasse um gravador de voz junto ao corpo como mais uma forma de garantir um registro de qualidade no áudio durante a interação discursiva entre professora e alunos.

No que se refere às questões éticas inerentes a pesquisa com seres humanos em educação, vale ressaltar que os riscos aos sujeitos diferem substancialmente dos referentes aos estudos na área de saúde. Em pesquisas do campo das ciências da saúde os riscos são potencialmente mais fáceis de prever, uma vez que se referem a aspectos passíveis de mensuração mais precisa, como por exemplo, de respostas a medicamentos, da qualidade ou precisão de uma técnica cirúrgica ou de diagnóstico laboratorial. Nos estudos ambientados na escola, em que não há coleta de componente(s) biológico(s), nem administração de fármaco(s), os riscos mais comuns aos participantes estão ligados a dois fatores: (i) o uso inadequado dos dados obtidos, que não para fins acadêmicos, o que exporia desnecessariamente os sujeitos. Assim, assumimos que todas as imagens e áudios registrados serão armazenados em CDs e DVDs para uso exclusivo da pesquisadora, os quais serão arquivados em sala de acesso restrito a mesma, sendo de sua inteira responsabilidade a divulgação desses registros em congressos e eventos científicos de modo que a identidade dos sujeitos seja preservada, já que as imagens serão distorcidas para evitar o reconhecimento de qualquer que seja o participante da pesquisa. A transcrição realizada a partir do material de áudio e vídeo também salvaguardará a identidade dos sujeitos da pesquisa, visto que serão omitidos os nomes verdadeiros dos mesmos e utilizados nomes fictícios; e (ii) desconforto momentâneo por está sendo filmado ou ter que responder a perguntas que julgue inoportunas durante a entrevista. No intuito de evitar este tipo de situação estaremos atentos, durante toda a filmagem, para identificar qualquer expressão de desconforto de alunos ou das professoras, o que nos leva inevitavelmente ao redirecionamento do foco da câmera para outros elementos que componham a cena a ser registrada.

Uma vez que solicitamos aos(as) alunos(as) ou seus responsáveis a assinatura do termo de consentimento, filmamos apenas aqueles(as) que tiveram a participação autorizada. Aos que se opuseram ou não foram autorizados a participar garantimos a permanência em sala de aula sem que houvesse registro de sua imagem e qualquer prejuízo dos conteúdos escolares, já que foram localizados no que chamamos de “ponto cego”, ou seja, espaço da sala em que não houve captação de imagens. Assim, buscamos minimizar os riscos de desconforto ao longo das sucessivas observações.

117 Ao final do processo de ensino (anexo 5), realizamos entrevista semi-estruturada (RICHARDSON e PERES, 1999) com as professoras no intuito de identificarmos a(s) prática(s) educativa(s) sobre educação alimentar assumida(s) no discurso delas e assim buscarmos compreender em que medida o dito encontra ressonância na prática docente observada. A opção por realizarmos a entrevista após a sequência de aulas se deu pela necessidade de garantirmos que o discurso sobre as questões alimentares ocorresse em situação discursiva espontânea, o mais próximo possível do natural.

As entrevistas foram realizadas em ambiente com pouca circulação de pessoas e sem que houvesse interrupções e dispersão das professoras. Antes da entrevista, explicamos as participantes sobre a sua estrutura e o procedimento de videogravação. O roteiro contava com oito questões que versavam tanto sobre o quê e o como elas trabalham nas aulas de ciências o tema alimentação, quanto as dificuldades no trato do tema e qual a

abordagem didática ideal para as questões alimentares. O conteúdo das falas foi transcrito,

totalizando 18min19s (18:19) na entrevista com a professora 1 e 25min08s (25:08) na entrevista com a professora 2.

A partir das transcrições buscamos relacionar os enunciados com os elementos da prática docente esperada para a abordagem das questões alimentares a serem identificados. Especificamente, líamos ao longo da transcrição da entrevista tudo o que foi dito em relação ao conteúdo de cada uma das questões, apreendíamos as ideias semelhantes manifestas nos enunciados e buscamos agrupá-las em categorias.

No que tange aos benefícios desta pesquisa para professores e alunos é possível prever um momento pedagógico no qual a professora envolvida e os demais professores interessados possam discutir, junto à pesquisadora, o impacto dos resultados obtidos na prática discursiva dos professores de ciências, o que pode gerar mudanças nos modos discursivos vivenciados por professores e alunos em qualquer que seja a temática discutida em sala de aula de ciências e em especial, a possibilidade de (re)direcionamento da abordagem dada a educação alimentar que orientem os alunos não só para práticas alimentares mais saudáveis como também escolhas alimentares mais compatíveis com a sustentabilidade do nosso planeta.

3.1.3.- Materiais

Utilizamos como recurso material para registro do estudo empírico: duas câmeras de vídeo, DVDs, gravador de áudio, caderno de campo, folhas de papel A4 e texto didático utilizado pela professora.

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