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falha na prestação do serviço gera o dever de indenizar.

Julgados de várias partes do país se diferenciam no tocante a indenização e aos indenizados, mas, na grande maioria, convergem para a questão da perda de uma única chance.

O Tribunal de Justiça do Espirito Santo recentemente enfrentou o tema, sob uma vertente diferente dos demais julgados do país. Trouxe à tona a questão do dever de informação, sob a ótica do Código de Defesa de Consumidor, além da falha na prestação do serviço por insuficiência de material coletado/congelado.

O Acordão proferido pelo TJES encontra-se suspenso aguardando decisão do Recurso Especial interposto e restou assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - AGRAVO RETIDO: PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL - INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE CONHECIMENTO NAS RAZÕES DO APELO - AGRAVO NÃO CONHECIDO - MÉRITO - SERVIÇO DE CRIOGENIA - CONGELAMENTO DE

SANGUE DE CORDÃO UMBILICAL - PRESTADO SEM AS INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS E DE FORMA DEFEITUOSA - VÍCIO QUE INVIABILIZOU A REALIZAÇÃO DE TRANSPLANTE MEDULAR NA FILHA DO APELANTE – ÚNICA CHANCE DE CURA PARA SUA ENFERMIDADE - APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE EM SERVIÇOS DE NATUREZA MÉDICA - POSSIBILIDADE - RESPONSABILIDADE CIVIL DA APELADA COMPROVADA - EXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O SERVIÇO DEFEITUOSO E A CHANCE DE CURA PERDIDA - DANOS MORAIS E DANOS EMERGENTES DEVIDOS - LUCROS CESSANTES INDEVIDOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJES – Apelação nº 0020744-04.2007.8.08.0024 - Relator Des. Carlos Simões Fonseca. Julgado em 01/04/2014).

No presente caso, o autor/apelante Marcio Costa Bourguinon ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais em face do Cryopraxis Criobiologia LTDA, aduzindo que no dia 31 de outubro de 2002, a filha do

autor, Yolanda Maria Barros Bourguignon, nascida em 16 de dezembro de 2000, sofreu diagnóstico de leucemia linfoide aguda, razão pelo qual iniciou o tratamento recomendado. O autor destaca que tempos depois (novembro de 2003), foi contatado pela empresa Cryopraxis, uma vez que sua esposa se encontrava grávida de outra criança, Sophya, quando recebeu informações a respeito de sua estrutura de serviços no campo da célula-tronco e da esperança que a filha nascitura poderia trazer para a cura de Yolanda com a coleta e congelamento do sangue do cordão umbilical.

Assim, o autor recebeu os documentos encaminhados pela ré, orientando quanto ao preço dos serviços e as condições exigidas para a coleta do sangue do cordão umbilical. Em decorrência disso, todas as exigências foram satisfeitas pelo autor e sua mulher, e por ocasião do parto de Sophya os obstetras procederam à coleta do material com obediência às regras procedimentais traçadas.

Referido material foi encaminhado aos cuidados da ré que, após exames necessários, certificou-se apto para o armazenamento e posterior utilização no transplante a ser realizado. Posteriormente, houve o contato com a equipe de transplante de medula de Curitiba, que após análise prévia dos exames, autorizou a ida de Yolanda para preparar-se para o transplante. Após 65 dias, uma médica integrante da equipe de transplante de Curitiba disse que Yolanda estava pronta para o transplante e solicitou que o material sob a guarda e depósito da empresa requerida fosse transportado para Curitiba.

Entraves surgiram, vez que houve a necessidade de autorização judicial para transporte do material até Curitiba. Na sequência, a requerida informou à medica que a quantidade de sangue armazenado era insuficiente para a realização do transplante.

O autor, então, tentou entrar em contato com a requerida para saber o que havia acontecido, tendo em vista que o material armazenado tinha sido considerado bom e suficiente. Diante do ocorrido, a equipe de transplante de Curitiba solicitou a retirada de Yolanda do Hospital, recomendando a sua volta para Vitória, o que ocorreu no final de maio de 2004 e a mesma veio a falecer em junho de 2004. O autor requereu, por fim, o reembolso da quantia de R$

3.950,00 (três mil novecentos e cinquenta reais), valor pago pelos serviços

contratados, além do ressarcimento dos custos decorrentes da internação da filha na Cidade de Curitiba, tais como moradia, telefone, alimentação, plano de saúde e medicação. Pleiteou também por lucros cessantes ante a perda de seu emprego e a indenização a título de danos morais.

Em defesa, a requerida alegou que não praticou qualquer ato omissivo ou comissivo a ensejar o infausto ocorrido e garantia que não havia nexo de causalidade entre o evento danoso (falecimento de Yolanda) e o serviço prestado pela clínica. A causa real da morte da filha do autor foi de falência múltipla dos órgãos, decorrente de leucemia, o que não teria qualquer responsabilidade da Cryopraxis. Frisou que em nenhum momento garantiu ou garante o tratamento, muito menos a cura de doença cujo combate pode passar pela realização de transplantes de células-tronco, conforme disposição contratual assinado pelas partes. Indagou ainda, que foi feito à época a coleta de 89,7 mililitros de sangue, contendo 146,6 milhões de células congeladas, estando às amostras de células-tronco perfeitamente aptas para serem armazenadas.

No que concerne a quantidade insuficiente de células descreveu a requerida que o material genético retirado da segunda filha do autor (Sophya) não possuía a quantidade mínima de células-tronco necessária à realização do transplante em sua primeira filha, alegando que para transplante de medula óssea só é possível quando a amostra possui, no mínimo, 500 milhões de células-tronco. Isso porque, a quantidade de células necessárias para transplante deve guardar uma relação com o peso do paciente e, sem essa quantidade mínima o transplante é inviável. Destacou que a pequena quantidade de células-tronco coletadas não decorre de um equívoco da intervenção da ré e seus prepostos, mas sim de causas naturais, visto que existem diversos fatores que influenciam na quantidade de células-tronco, como, por exemplo, o tamanho e o peso do recém-nascido, o tempo de gestação e a quantidade de partos anteriores da mãe.

A sentença proferida pela 10ª Vara Cível de Vitória-ES julgou improcedente a ação, visto que não havia provas nos autos de que a ré teria agido com negligência ao coletar aquela quantidade de sangue, e, além disso, nenhum médico afirmou veementemente que a quantidade de sangue

recolhida pela requerida não era suficiente para armazenamento. A quantidade coletada poderia servir para tentativa de cura/tratamento de outras enfermidades, como a de coração, por exemplo, vez que utiliza-se quantidade inferior à congelada. O juízo entendeu que a empresa possuía responsabilidade de meio, e não de fim, isto é, não podia garantir que a quantidade de células-tronco seria suficiente para todo e qualquer tratamento que tiver necessidade.

A parte autora apelou da referida decisão e o Tribunal de Justiça do Espírito Santo deu parcial provimento ao apelo dos autores, somente descaracterizando os lucros cessantes. No entendimento do TJES, o serviço privado de congelamento do sangue do cordão umbilical para fins terapêuticos, o prestador destes serviços deve fornecer informações exaustivas, completas e seguras sobre aquilo que seria executado, fato que não ocorreu após a inversão do ônus da prova.

O Tribunal estadual, embora reconhecendo que a causa da morte não decorreu de ato ilícito da agravante, consignou que sua responsabilidade decorreria de falha na informação, frustrando expectativa do autor de ver salva sua filha, conforme se colhe do seguinte excerto do acórdão estadual: "Deveria a apelada ter informado quais as terapias medicinais poderiam ser realizadas com a quantidade de células-tronco de sangue congeladas do sangue do cordão umbilical de Sophya, e inclusive se tais células totipotentes poderiam ser utilizadas no tratamento de outra pessoa da família, tal como a irmã Yolanda, que necessitava de transplante de medula óssea para a sua sobrevivência, mormente porque a apelada se denomina um banco de criogenia autólogo, o qual, segundo afirma, apenas pode armazenar material genético para ser utilizado no próprio doador, diverso do que ocorre com o banco alogênico, que pode conservar material para ser utilizado em outros indivíduos, aparentados ou não". Assim, com esse e outros fundamentos, adotando a teoria da perda da chance, o acórdão estadual deu provimento parcial ao recurso para condenar a recorrente ao pagamento de danos materiais e morais, inclusive no tocante ao dano emergente.

Entre os argumentos utilizados pelo relator, destaca-se o dever de qualidade imposto aos fornecedores de produtos e serviços em geral, o qual

não foi cumprido pela empresa, visto que esta prestou ao consumidor um serviço deficiente, viciado, imprestável para o fim a que se destinava, nos exatos termos do que exige o § 2º, do art. 20, do CDC:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

(...)

§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.

Outrossim, verifica-se que ocorreu falha na prestação dos serviços de congelamento por parte da empresa, posto que ela procedeu ao congelamento de material genético em quantia significativamente menor do que a que foi efetivamente colhida.

Observa-se que o julgamento foi no sentido de que a empresa apelada deveria responder não pelo falecimento da filha do apelante, cuja causa mortis foi a enfermidade que a acometia, mas sim pela expectativa frustrada que gerou em seus pais, que tinham a esperança de fornecer ao menos uma chance de cura à sua filha.

Assim, vê-se com clareza a aplicação da teoria da perda de uma chance, já que o nascimento da outra filha do casal representava o único momento em que o material poderia ser coletado, e, tendo sido feito em quantidade insuficiente, não haveria mais qualquer chance/esperança de cura para a criança. Levou-se em consideração a única chance possível, frente a esperança encontrada pelos pais, a qual, sendo perdida, gera o dever de indenizar.

Além disso, o CDC não excluiu a responsabilidade objetiva dos serviços profissionais prestados por pessoas jurídicas tais como hospitais, planos de saúde, clínicas, e bancos de sangue, razão pela qual contra estes deve prevalecer regra geral incidente nas relações de consumo, qual seja, a desnecessidade de comprovação da culpa do fornecedor.

Nestes termos, ao se comprovar que a empresa prestou um serviço de criogenia com vícios de qualidade e de quantidade, bem como o nexo causal decorrente entre o serviço defeituoso e a perda de uma chance de cura para a

enfermidade sofrida pela filha do autor, deve a empresa responder pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais que lhes foram causados, nos exatos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Ainda, nos termos do artigo 6º, inciso VI, do CDC, e do art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, verifica-se o dever de indenizar pelo dano causado:

CDC. Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

CF. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

O dano, nesta hipótese, é in re ipsa, ou seja, decorre da própria gravidade do ato lesivo em si, sendo certo que não é necessário, nem razoável, exigir que um pai comprove a dor que sentiu em razão de ver frustrada a única possibilidade de cura de sua filha. No julgado em questão, o relator entendeu que o valor da indenização pela chance perdida não pode ser igual àquele que seria convencionado pela perda do bem em si, devendo ser arbitrado de forma proporcional à expectativa que foi frustrada.

Ainda, não foi reconhecido o dever de indenização pelos lucros cessantes, tendo em vista a perda do emprego alegado pelo autor da ação, porquanto, não existe relação de causalidade entre a má-prestação dos serviços da apelada e a perda do labor.

O Acórdão em questão foi objeto de Recurso Especial, o qual foi negado seguimento perante o juízo de admissibilidade. No entanto, a decisão que negou o recuso foi agravada e provida no Agravo em Recurso Especial Nº 661.405 – ES, pelo relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em 26/03/2015,

considerando a ausência de precedente específico da Corte a respeito do tema, necessitando ser melhor examinada a questão, e, ainda hoje, está aguardando julgamento.

Assim sendo, percebe-se que é necessário distinguir a responsabilidade das empresas prestadoras do serviço de coleta e armazenagem de células-tronco, quanto ao meio e ao fim a que se destina tal serviço. Por óbvio que não é dever das mesmas garantir o tratamento/cura da doença que a criança porventura venha a ter, mas é dever dela garantir o meio necessário para se chegar ao tratamento, através da coleta em quantidade eficaz e do armazenamento correto do material biológico, de modo que, ao precisar, o consumidor tenha disponível, conforme acordado em contrato.

Muitas vezes, a ausência de informação no próprio instrumento contratual é a responsável por diversos casos em que consumidores precisam pleitear na justiça o que foi prometido/garantido pela empresa. Verifica-se muitas promessas e pouca efetividade em tudo que é informado nos próprios sites das empresas especializadas nesse tipo de serviço, o que configura, por vezes, em propaganda enganosa àquele que contrata.

Desta forma, observa-se que a aplicação da teoria da perda de uma chance tem sido muito difundida na jurisprudência pátria e demonstra a fragilidade do consumidor quando comparado a empresas de grande porte e contratos de adesão. A ausência de informação, as falsas esperanças, a busca incessante pelo lucro, acabam por influenciar sobremaneira a vida das pessoas, ficando essas à mercê do Poder Judiciário para tentar reaver, pelo menos em parte, o dissabor e a frustação sofrida.

O que se constata em julgados como esse, é o comércio das falsas esperanças que está presente em demasia no cotidiano da vida em sociedade.

Não só na área médica, mas em diversos setores, que empresas usam do momento de dor e sofrimento para apresentar uma “fictícia” chance de cura àqueles que precisam dos serviços prestados. A falsa esperança, cumulada com a ausência do dever de informar, acarretou no desfecho do caso em comento, e de muitos outros, em que as pessoas movidas por uma esperança, realizam atos muitas vezes impensados e desesperados, na busca de uma

chance, e depois, acabam por procurar na justiça uma maneira de ressarcir o dano material e moral ocasionado.

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