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A partir desta seção, parte-se da apresentação dos aspectos culturais, de mudança organizacional e do lean manufacturing para tratar sobre a temática dos valores. Os valores humanos têm sido estudados por diferentes campos da ciência. Essa multiplicidade de disciplinas envolvidas suscita diferentes perspectivas para se analisar valores. Assim, existem diversas conceituações a respeito dos valores humanos. Nesse tópico, discute-se sobre a conceituação dada aos valores e, também, é abordada a construção de estruturas hierárquicas de valor que permitiram aos pesquisadores do tema realizarem análises sobre a relação dos valores humanos com as atitudes e o comportamento.

O estudo dos valores remonta ao início do século XX, a partir dos estudos de Thomas & Znaniecki. Porém, a temática tornou-se alvo de pesquisas mais amplas a partir da segunda metade do século passado (ROS; SCHWARTZ; SURKISS, 1999). Um dos primeiros estudiosos a se dedicar ao assunto dos valores humanos foi Kluckhohn. De acordo com o autor, os valores “são uma concepção, explícita ou implícita, distinta de um indivíduo ou característica de um grupo sobre o desejável, o que influencia a seleção de modos, meios e fins de ações disponíveis” (KLUCKHOHN, 1951, p. 389). Essa conceituação

ajudaria, posteriormente, na discussão e na reflexão sobre valores desejáveis e desejados, além de abrir campo para a relação dos valores com aspectos cognitivos, afetivos, motivacionais e avaliativos que seria desenvolvido mais tarde por uma gama de pesquisadores, tais como Kahle (1996), Rokeach (1973), Ros, Schwartz e Surkiss (1999) e Schwartz (1992).

A relação entre valores e comportamento sempre permeou o estudo dos valores humanos, uma vez que o valor, como uma concepção abstrata, torna-se explícito mediante o comportamento. De acordo com Rokeach (1973), os valores podem ser caracterizados como “crenças em que um modo específico de conduta ou estado-final de existência é pessoalmente ou socialmente preferível a um modo ou estado de existência oposto” (ROKEACH, 1973, p. 4). A grande contribuição do autor, nos estudos por ele realizados, está na categorização de duas composições mais amplas concernentes à ideia de valor. A primeira delas diz respeito aos valores terminais, ou seja, valores referentes a um estado final de existência que correspondem às necessidades primordiais dos seres humanos. Os valores terminais subdividem-se em valores pessoais determinados por estados como a felicidade e a autorrealização e valores sociais, marcados por aspectos como a igualdade, a segurança familiar e o patriotismo. Já a segunda categoria de valores, quais sejam os valores instrumentais, refere-se aos meios utilizados pelos seres humanos para alcançarem os fins de sua existência. Assim como os valores terminais, os valores instrumentais subdividem-se em duas categorias: os valores morais, que fazem alusão a sentimentos como a responsabilidade e a honestidade, e as competências condizentes a características como a autorrealização à criatividade (ROKEACH, 1973).

Para Rokeach (1973), a conceituação dos valores humanos deve ser apreendida a partir de cinco pressupostos básicos: (1) as pessoas possuem um número relativamente pequeno de valores; (2) todas as pessoas possuem os mesmos valores e estes se diferenciam apenas em relação à escala de

prioridades; (3) os valores se organizam mediante um sistema próprio; (4) os antecedentes dos valores humanos podem ser aproximados à cultura, à sociedade e à personalidade e (5) as consequências advindas dos valores humanos se manifestam em todos os fenômenos passíveis de investigação e entendimento que sejam valiosos para o estudo de cientistas sociais. Além dessas contribuições, Rokeach (1973) foi responsável pela organização de um avançado instrumento para a mensuração dos valores. O Rokeach Values System (RVS) é composto por 36 valores, divididos equitativamente entre a composição de valores terminais e instrumentais, que denotam comportamentos e aspectos morais relativos aos fins da existência humana mediante a utilização de umas escala ordinal na qual o indivíduo distribui, em ordem de importância, os valores terminais e instrumentais em duas listas distintas.

Outro salto nas pesquisas relacionadas aos valores humanos aconteceu com a publicação dos trabalhos de Schwartz. O autor baseou-se nos estudos realizados por Rokeach, entre outros autores, para constituir uma estrutura de valores, na qual tais valores são responsáveis pelo comportamento e atitudes das pessoas. Assim, as pessoas possuem uma ampla estrutura de valores que guiam a sua vida (SCHWARTZ; BILSKY, 1987). O desenvolvimento de sua obra culminou na proposta de uma tipologia universal para a medida dos valores, composta por dez tipos motivacionais, quais sejam: a autodeterminação, referente à independência de ação e pensamento individual; a estimulação, concernente à novidade e ao desafio; o hedonismo, relacionado ao prazer e à gratificação individual; a realização, que diz respeito à busca do sucesso pessoal mediante competências em acordo com as normas sociais; o poder, no que tange ao prestígio, à manutenção e à ampliação do status social e o domínio sobre pessoas e recursos; a segurança, relacionada à segurança, à harmonia e à estabilidade social, conjugal e própria; a conformidade, atrelada a restrições de atitudes e impulsos que podem afligir o próximo ou violar as expectativas e

normas sociais; a tradição, relacionada ao respeito, à aceitação e ao compromisso com ideias e costumes culturais e religiosos; a benevolência, referente à preocupação e à preservação do bem-estar do próximo e o

universalismo, que diz respeito à compreensão, à gratidão, à tolerância e à

proteção do bem-estar de todas as pessoas e da natureza (SCHWARTZ, 1992). A tipologia proposta por Schwartz (1992) presume uma classificação dos dez tipos motivacionais em quatro tipos motivacionais de segunda ordem, quais sejam: (1) a abertura à mudança, que abrange autodeterminação,

estimulação e hedonismo; (2) a autopromoção, que agrupa hedonismo,

realização e poder; (3) a conservação, que inclui segurança, conformidade e tradição e (4) a autotranscendência, que agrega benevolência e universalismo. Desse modo, o autor delineia uma estrutura circular na qual os dez tipos motivacionais são agrupados num círculo em que: quanto mais próximo um tipo motivacional estiver do outro maior será a compatibilidade entre eles e quanto mais distante um tipo motivacional estiver do outro, maior será o conflito ente eles. Assim, é possível apreender duas dimensões dicótomas: abertura à mudança x conservação e autotranscendência x autopromoção (SCHWARTZ, 1992).

Figura 1 Estrutura circular dos tipos motivacionais

Fonte: Adaptado de Schwartz (1992, p. 45)

O trabalho desenvolvido por Schwartz (1992) abriu portas para inúmeras pesquisas a respeito da relação entre os valores, atitudes e comportamento humanos. A constituição do Schwartz Values System (SVS) e sua posterior confirmação por diferentes estudos transculturais corroboram a consistência da teoria elaborada por Schwartz (1992). Nesse sentido, diversos trabalhos vêm sendo publicados no intuito de estender as concepções do estudo dos valores pessoais básicos a valores inerentes a contextos específicos da vida, como o trabalho, o sexo, a família, a religião e, também, as organizações (TAMAYO, 2007).

A seguir citam-se alguns dos estudos que se atentam para a questão dos valores organizacionais com a intenção de apresentar os diferentes tipos de pesquisa que estão sendo desenvolvidos a respeito do tema.