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Estudos Clínicos na Esteira com Suporte Parcial e Total de Peso

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.3 REEDUCAÇÃO DA MARCHA NO HEMIPLÉGICO

2.3.2 Estudos Clínicos na Esteira com Suporte Parcial e Total de Peso

Finch e Barbeau (1986) foram os pioneiros no trabalho na esteira com suporte parcial de peso em hemiplégicos. Atualmente, este trabalho está sendo utilizado como recurso alternativo de reeducação da marcha e como complemento de outros procedimentos fisioterapêuticos, porque permite controlar três componentes essenciais da marcha: a tomada de peso, o ajuste da passada e as respostas de equilíbrio. Os autores concordam que há melhora da marcha, após o treinamento nesta superfície, e propõem explicações neurofisiológicas, biomecânicas e funcionais (VAN DE CROMMERT; MULDER; DUYSENS, 1998). Neurofisiologicamente, o trabalho na esteira baseia-se nos estudos feitos em modelos animais com lesão medular, que são utilizados como evidência indireta da existência de circuitos neurais de controle da locomoção, chamados de gerador central de padrões (GCP) de nível espinal (DUYSENS; VAN DE CROMMERT, 1998; DOBKIN, 1999).

Em humanos com lesões medulares completas e incompletas, após o treinamento na esteira com suspensão parcial de peso corporal, têm sido induzidas respostas musculares automáticas nos membros inferiores (WERNIG, MÜLLER, 1992; DIETZ; WIRZ; JENSEN, 1997). Isto sugere que o GCP a nível medular controlaria os padrões rítmicos involuntários envolvidos durante o andar. Esta visão propõe que os impulsos supraespinais têm um papel importante no inicio da locomoção e na adaptação do padrão de andar às condições ambientais e motivacionais. Entanto, a informação sensorial exerce um papel regulador para

preservar o equilíbrio durante as diferentes transições que acontecem no ciclo da marcha. Assim mesmo, com a prática e experiência acontecem mudanças nas propriedades sinápticas e celulares das conexões neuronais do GCP, que vão modular e flexibilizar as repostas destes circuitos durante o andar (MacKAY-LYONS, 2002).

Outra explicação considera que a informação sensorial oferecida pelo movimento da esteira muda as características do andar na esteira, facilitando os processos de plasticidade neural durante a re-aprendizagem das destrezas motoras (DIETZ; HARKEMA, 2004). Desta forma, os autores consideram que as maiores variações entre o trabalho no solo e na esteira estão nas diferenças no fluxo visual e na informação cinestésica dada pelo movimento da esteira. Atualmente são procuradas novas evidências da eficácia desta intervenção, comparando os efeitos dos diversos métodos de tratamento com a reeducação da locomoção no solo e na esteira, utilizando sistemas de suspensão parcial do peso corporal (CROMPTON; KHEMLANI; BATTY; ADA; DEAN; KATRAK, 2001; HARBURN; HILL; KRAMER; NOH VANDERVOORT; MATHESON, 1993; KWAKKEL; WAGENAAR, 2002). Além disso, outros estudos procuram determinar os efeitos da utilização da esteira e da suspensão parcial de peso, somadas a outros procedimentos como a estimulação elétrica funcional na recuperação do andar hemiplégico.

Para compreender as variações no padrão de marcha é importante considerar que estes estudos utilizaram diferentes velocidades, porcentagens de suspensão de peso, duração e freqüências de tratamento. Visitin, Barbeau, Korner-bitensky e Mayo (1998), trabalharam com velocidades na esteira entre 0,83 km/h e 1,52 km/h no inicio e no final do tratamento, respectivamente. Hesse, Bertelt, Jahnke, Schaffrin, Baake, Malezie e Mauritz (1995) utilizaram durante o treinamento velocidades menores entre 0,32 e 0,80 km/h. As porcentagens de suspensão de peso oscilaram entre 10% e 40% de peso corporal, sendo em alguns casos, mudados estes valores a cada sessão de tratamento e em outros casos, mudados

dentro da mesma sessão de tratamento, sem serem registradas adequadamente. Durante o treinamento na esteira, os pacientes hemiplégicos foram tratados em sessões com uma duração entre 15 e 30 minutos, com um período de tempo que oscilou entre 2 e 12 semanas (DOBKIN, 1999).

As explicações biomecânicas atribuem os resultados positivos do treinamento na esteira às mudanças na cinemática da marcha, provavelmente devido à sensação de movimento e ao estímulo produzido pelo movimento da esteira que leva o hemiplégico a ajustar os parâmetros espaço-temporais, a regularizar a velocidade e mudar a cinemática articular para acompanhar o movimento da superfície (LAUFER; DICKSTEIN; CHEFEZ; MARCOVITZ, 2001). Desta forma, os estudos clínicos realizados na esteira com suspensão parcial de 30% do peso corporal em hemiplégicos na fase aguda e subaguda mostraram melhora na funcionalidade (MILLER, 2001), nas respostas motoras, na velocidade e na cadência (HESSE; BERTELT; SCHAFFRIN; MALEZIC; MAURITZ, 1994; HESSE; BERTELT; JAHNKE; SCHAFFRIN; BAAKE; MALEZIE; MAURITZ, 1995; VISINTIN; BARBEAU; KORNER-BITENSKY; MAYO, 1998; WERNER; BARDELEBEN; MAURITZ; KIKER; HESSE, 2002). Também têm sido verificadas mudanças em pacientes crônicos na simetria da marcha (WAAGFJÖRD; LEVANGIE; CERTO, 1990) e nas respostas de equilíbrio (MUDGE; ROCHESTER; RECORDON, 2003).

Apesar dos efeitos positivos na coordenação da passada obtidos ao remover parte do peso suportado durante a marcha nestes pacientes (DOBKIN, 1999), também têm sido demonstrados os benefícios de um programa de tratamento que combina o exercício e o feedback com o trabalho na esteira sem suspensão do peso corporal na fase inicial da recuperação (MALOUIN; POTVIN; PRÉVOST; RICHARDS; WOOD-DAUPHINEE, 1992), além de apontar respostas eletromiográficas mais funcionais, especialmente dos gastrocnêmios (LAUFER; DICKSTEIN; CHEFEZ; MARCOVITZ, 2001). Esta melhora na

resposta elétrica dos gastrocnêmios durante a perda de contato facilita a propulsão e a produção de energia durante o andar (OLNEY; GRIFFIN; MONGA; MCBRIDE, 1991), possivelmente devido ao deslocamento posterior do membro inferior, proporcionado pelo cinto da esteira. Este movimento melhora a extensão do quadril e facilita a transferência de peso necessária para o deslocamento do centro de gravidade de forma antecipatória ou em resposta às mudanças na postura ou no padrão de movimento (KNIKOU; RYMER, 2002).

Outros autores consideram importante o trabalho na esteira, porque é uma tarefa específica (RICHARDS; MALOUIN; WOOD-DAUPHINEE; WILLIAMS; BOUCHARD; BRUNET, 1993) que melhora a força do membro inferior (SMITH; MACKO; SILVER; GOLDBERG, 1998; COELHO; ABRAHÃO; MATTIOLI, 2004), que reproduz as características cinemáticas e temporais do andar e que pode ser feita por ciclos, com controle da intensidade, do tempo, da fadiga, com uma velocidade constante e com maior segurança, devido à utilização do colete e do suporte no corrimão, os quais suprem os déficits nas respostas de equilíbrio (HESSE, 1999). No entanto, outros estudos que compararam o treinamento na esteira com outros métodos de reeducação do andar mostraram melhora na marcha, no equilíbrio e na funcionalidade, mas não verificaram diferencias estatisticamente significativas entre os dois procedimentos durante a fase inicial da recuperação (NILSSON; CARLSSON; DANIELSSON; FUGL-MEYER; HELLSTRÖM; KRISTENSEN; SJÖLUND; SUNNERHAGEN; GRIMBY, 2001) e na fase crônica (LISTON; MICKELBOROUGH; HARRIS; HANN; TALLIS, 2000).

Os estudos que avaliaram as respostas fisiológicas da marcha na esteira mostraram uma redução substancial no gasto energético e nas demandas cardiovasculares nos hemiplégicos, durante a marcha na esteira com todo o peso corporal (CUNHA JÚNIOR; LIM; QURESHY; HENSON; MONGA; PROTAS, 2001, 2002; MACKO; DESOUZA; TRETTER; SILVER; SMITH; ANDERSON; TOMOVASU; GORMAN; DENGEL, 1997; POTEMPA;

LOPEZ; BRAUN; SZIDON; FOGG; TINCKNELL, 1995), com 30% de suspensão de peso (DANIELSSON, SUNNERHAGEN, 2000) e em pacientes idosos crônicos (DOBROVOLNY; IVEY; ROGERS; SORKIN; MACKO, 2003).

Todos estes trabalhos clínicos de forma geral, após as intervenções terapêuticas, avaliaram o padrão do andar no solo, mas as comparações e interpretações dos resultados são difíceis porque os tratamentos, assim como os desenhos metodológicos, equipamentos e controle das situações experimentais foram diferentes. Assim, muitas dúvidas sobre como muda e o que muda no padrão de andar nas duas superfícies com suporte parcial e total de peso ainda persistem. Além disso, ainda precisam ser definidas quais são as características cinemáticas do padrão de andar hemiplégico no solo com suporte total e parcial de peso. Desta forma, faz-se ainda necessário uma comparação mais minuciosa e melhor controlada do padrão da marcha em pacientes hemiplégicos em diferentes superfícies e condições de carga para definir as melhores intervenções terapêuticas.