2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.3. Estudos de demanda com o emprego de econometria espacial
Como descrito anteriormente, no mercado brasileiro o consumo de diesel é
predominantemente realizado por caminhões que, em grande medida, percorrem diferentes
Estados. Essa condição sugere que o preço, a renda e outras variáveis de um estado possam
influenciar o consumo de diesel em outra unidade da federação. Essa situação exige que seja
testada a correlação espacial entre as variáveis de análise e utilizados modelos que possam
incorporar essa informação nas estimativas.
Assim, a análise remete aos modelos de econometria espacial, que se consubstancia
como um ramo da econometria que busca especificar, estimar, testar e prever modelos
teóricos que incorporam a relação dinâmica espacial associada ao fenômeno e a sua influência
nos resultados (Almeida, 2012).
Mesmo considerando que não existem estudos que estimaram a demanda por diesel
utilizando essa abordagem metodológica, nessa seção são apresentados alguns estudos que
estimaram modelos para o mercado de combustíveis e energia incorporando a possibilidade
1
Áustria, República Tcheca, Alemanha, Hungria, Polônia e Eslováquia. 2
Áustria, Bélgica, República Tcheca, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Hungria, Itália, Holanda, Noruega, Polônia, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido.
27
de interação espacial entre as unidades de análise. Alguns modelos e trabalhos serão
discutidos a seguir.
Santos e Faria (2012) estimaram três tipos de modelos de econometria espacial, o
modelo de defasagem espacial (modelo SAR), o modelo de erro autoregressivo espacial
(modelo SEM) e o modelo de defasagem espacial com erro autoregressivo espacial (modelo
SAC). Os modelos possuem pressuposições diferentes, no caso do SAR há uma relação de
interdependência entre as variáveis dependentes vizinhas; para o SEM, essa relação de
interdependência se dá em relação aos erros dos vizinhos; e no SAC ela é tratada a partir de
uma combinação entre os dois modelos anteriores.
Em seu trabalho, Santos e Faria (2012) tinham como objetivo estudar a demanda por
combustíveis leves no Brasil levando em consideração a interação espacial entre os 27 estados
brasileiros. No modelo de defasagem espacial (SAR), foi constatada a existência de efeitos
spilovers entre as demandas dos estados.
Utilizando as 27 unidades da federação e o período de 2001 a 2011 com dados
mensais, Cardoso et al. (2014) também estimaram a demanda por combustíveis leves
utilizando econometria espacial, tendo como variáveis preço do etanol, preço da gasolina,
frota e a renda. Assim como no trabalho citado anteriormente, foram testados diversos
modelos pelos autores, incluindo dois modelos com dados empilhados, modelos estimados
com mínimos quadrado ordinários (MQO) e sistemas estimados a partir do emprego da
técnica de mínimos quadrados generalizados (MQG), além de outros seis com dados em
painel utilizando econometria espacial.
O uso de MQG e de modelos utilizando econometria espacial se mostrou
extremamente eficaz para atenuar o problema de forte dependência entre as unidades
cross-section na estimação dos parâmetros de MQO.
O trabalho realizado por Lagarde (2018), por usa vez, procurou estudar como o
consumo energético, com o enfoque em energia eólica, dependem de aspectos espaciais. Um
tema tratado no artigo que merece atenção é o fato de que há diversos trabalhos que deixam
de avaliar impactos espaciais, permitindo a obtenção de estimativas com potencial de viés.
Em Eleftheriou, Nijkamp e Polemis (2018), foi realizada uma discussão a partir de
um modelo denominado de modelo de correção de erro espacial assimétrico sobre a
transmissão de preços da gasolina dentro da cadeia de valor nos Estados Unidos. O estudo
ressaltou a sua importância pela sofisticação da metodologia utilizada, reiterando que na
literatura empírica atual os modelos com controle espacial são de grande relevância.
O fenômeno estudado por Allan e McIntyre (2016) utilizando ferramentas de
econometria espacial remete ao aumento do uso de fontes renováveis de energia,
principalmente de origem fotovoltaica, nos domicílios do Reino Unido. Como descoberta do
estudo, os autores identificaram que não só as variáveis explicativas selecionadas, como
escolaridade, taxa de desemprego, irradiação solar, entre outras, explicaram a quantidade de
instalações de fontes de energia renováveis nas casas como também a interação espacial
contribui de maneira expressiva na compreensão do fenômeno.
Como citado anteriormente, a metodologia de econometria espacial não se aplica
apenas a casos com dados em painel, mas também em problemas de dados cross-section. Esse
é o caso do estudo conduzido por Kim e Zhang (2005), em que são estimados modelos
utilizando mínimos quadrados ordinários que possuem uma matriz de ponderação espacial em
sua estimação. Os autores também concluíram que a presença de componentes espaciais
permitiu um melhor ajuste dos modelos avaliados.
O conceito de modelos de econometria espacial envolve o modo como eles aceitam e
incluem aspectos espaciais nos modelos, e não com a estimação em si. Há diversos modos de
estimar os modelos de econometria espacial, um exemplo, utilizado em grande maioria dos
trabalhos apresentados até então, é a estimação por mínimos quadrados ordinários (MQO).
Outro procedimento , utilizado em trabalhos como Poon, Casas e He (2013) e Pirotte e Madre
(2011), é a estimação por máxima verossimilhança.
Pirotte e Madre (2011) utilizaram diversos modelos de dados em painel com base em
efeitos fixos e aleatórios para investigar como a quantidade de quilômetros rodados por um
carro é determinada. O uso de modelos como os de efeitos fixos e aleatórios se mostrou
bastante frequente dentre da literatura levantada pelos autores.
Para estudar o impacto do uso de fontes de energia no aumento da poluição em
cidades chinesas, Poon, Casas e He (2013) utilizaram o EKC (Environmental Kuznets Curve)
com modelos espaciais. A interação espacial entre as cidades se provou bastante presente
dada a interação econômica-social entre elas.
Outro artigo que utilizou o EKC com modelos de econometria espacial foi aquele
desenvolvido por Balado-Naves, Baños-Pino e Mayor (2018). Eles utilizaram o modelo SLX
(spatial lag of X), que incorpora a matriz de ponderação espacial nas variáveis explicativas, e
29
o SDEM (spatial Durbin error), para analisar a relação entre o aumento de poluição e a
influência dos países vizinhos nesse crescimento.
O uso de econometria espacial para solucionar problemas de estimação de demanda
por combustíveis também se faz presente na literatura internacional. No trabalho conduzido
por Khachatryan, Yan e Casavant (2011), foi estimado uma geographically weighted
regression ou GWR para avaliar a demanda por E85 (85% etanol e 15% gasolina) nos Estados
Unidos.
Ainda dentro da literatura de estudos sobre demanda por combustíveis, Filippini e
Heimsch (2016) estimaram a demanda por gasolina utilizando econometria espacial para
avaliar qual foi o impacto de uma taxa sobre emissão de gases causadores do efeito estufa na
demanda pelo combustível. Como conclusão, os autores identificaram que a elasticidade
preço da demanda por gasolina se mostrou bastante heterogênea entre os estados.
Para estudar se há um padrão espacial no nível de eficiência ecológica energética
entre as regiões da China, Guan e Xu (2016), também utilizaram econometria espacial. Na
discussão dos resultados, os autores citam a importância de compreender o porquê de esses
padrões espaciais serem relevantes. Dentro do cenário da pesquisa, mostrou-se evidente o fato
de haver uma grande integração entre as regiões, evidenciando que barreiras geográficas não
impedem a interação entre as regiões em aspectos socioeconômicos.
Utilizando o SDM (spatial Durbin model), Bowen e Lacombe (2017) estimaram os
efeitos diretos e indiretos (spillovers) de como políticas de portfólio de energias sustentáveis
afetam a geração de energia de um estado e de seus vizinhos.
O uso do SDM é notadamente útil em trabalhos que possuem como objetivo estimar
os efeitos diretos e indiretos.
Dentre os trabalhos de econometria espacial, existem ainda estudos que utilizam esse
tipo de ferramental para estimar modelos de previsão. Por exemplo, Cabral, Legey e Cabral
(2017) estimaram um ARIMAsp (modelo espacial ARIMA) com o objetivo de avaliar o
consumo de energia no Brasil tendo como unidades cross-section as cinco macrorregiões
brasileiras.
Outro detalhe importante quando tratamos de modelos de econometria espacial é que
um mesmo modelo pode ter diferentes especificações. Assim como evidenciado pelo estudo
de Thanos, Kamargianni e Schäfer (2017), que estimaram o modelo SDM com três
especificações diferentes: com lags espaciais e espaço-temporais, com difusão espacial e a
última especificação com difusão espacial e assimetrias.
Dados os trabalhos aqui discutidos, a Tabela 3 traz um resumo dos estudos que
utilizaram modelos de econometria espacial, tendo como informações o período de análise,
quantidade de unidades cross-section (n), a periodicidade dos dados e os modelos espaciais
utilizados.
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Tabela 3. Resumo dos trabalhos com Econometria Espacial no setor de combustíveis e energia.
Autor(es) Período de Análise n3 Periodicidade Modelos Espaciais4
Kim e Zhang (2005) 2003 731 cross-section SAR-MQO, SEM-MQO, SAC-MQO
Khachatryan, Yan e Casavant (2011) 2003-2008 98 Mensal GWR
Pirotte e Madre (2011) 1973 - 1999 21 Anual SAR-FE, SEM-FE, SAR-RE, SEM-RE
Santos e Faria (2012) Julho 2001 –
Dezembro 2010 27 Trimestral
MQO, SEM-MQO, FE, SEM-FE, SAR-RE, SEM-SAR-RE, SAC-RE
Poon, Casas e He (2013) 1998 - 2004 30 Anual SAR-MLE, SEM-MLE
Cardoso et al. (2014) Julho 2001 - Julho 2011 27 Mensal SAR-FE, SAR-RE, SDM-FE, SDM-RE, HP-SAR, HP-SDM
Allan e McIntyre (2016) Abril 2010 - Junho 2012 326 Mensal SDM, SDEM
Filippini e Heimsch (2016) 2001 - 2008 547 Anual SARAR
Guan e Xu (2016) 1997 - 2012 30 Anual SAR- MQO, SEM- MQO
Bowen e Lacombe (2017) 1990 - 2012 48 Anual SAR-MQO, SEM -MQO, SLX-MQO, SDM-MQO, SDM-FE(t), SDM-FE, SDM-FE(t and n) Cabral, Legey e Cabral (2017) Janeiro 2003 –
Dezembro 2013 5 Mensal ARIMAsp
Thanos, Kamargianni e Schäfer (2017) 2005 - 2013 105 Anual SDM
Balado-Naves, Baños-Pino e Mayor (2018) 1990 - 2014 173 Anual SDEM EKC, SLX EKC
Castro (2018) 1980 - 2010 212 Anual SAR-MQO
Eleftheriou, Nijkamp e Polemis (2018) Janeiro 2012 –
Dezembro 2015 7 Diário ASpECM
Lagarde (2018) Janeiro 1998 - Junho 2016 21 Anual SAC-FE
3
n representa o número de unidades cross-section utilizadas. 4
As siglas dos modelos espaciais estão descritas na lista de abreviaturas e siglas de maneira extensa. De modo geral siglas co mo SAR, SEM, SAC, SLX, SDM, SDEM dispõe sobre os modelos espaciais e siglas como MQO, RE, FE dispõe sobre o método de estimação utilizado. As demais siglas fazem referências sobre determinadas especificações.