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1. Introdução

1.8. Estudos epidemiológicos em crianças

Apesar do conhecimento sobre AA ter aumentado na década passada, estudos acerca da epidemiologia são ainda relativamente limitados, particularmente em certas faixas etárias. Contudo, várias revisões sistemáticas e meta-análises têm reportado valores significativos de AA quer dentro quer fora da Europa, e há dados que sugerem que a prevalência das AA tem vindo a aumentar em todo o mundo ocidental (Rona, 2007; Lack, 2008; Nwaru, 2014a, Nwaru, 2014b).

Um aspeto a ter em conta é a metodologia usada para se determinar a prevalência de AA. De facto, a prevalência mundial de alergia alimentar autorreportada (AA “possível”), isto é, baseada apenas em questionários aplicados, varia entre 3 e 35% dependendo do grupo etário envolvido, da área geográfica estudada, da metodologia usada (questionário telefónico, questionário preenchido pelo próprio, questionário presencial, etc.), entre outros fatores (Nowak-Wegrzyn, 2003; Rona, 2007). Obviamente que a prevalência da AA “provável” (baseada em HC e testes in vivo ou in vitro positivos), bem como a da AA “confirmada” (baseada em HC, testes in vivo e in vitro e PPO positivos) é significativamente mais baixa do que a prevalência autorreportada pela população em geral (Lee, 2006). Um outro aspeto que parece claro é o de que a prevalência da AA varia com a idade dos indivíduos estudados. Assim, é mais elevada nos primeiros anos de vida, diminuindo depois ao longo da 1ª década de vida e voltando a aumentar na adolescência, sendo de 6-8% nas crianças e cerca de 1-3% nos adultos (Bento, 2001; Wood, 2003; Nowak-Wegrzyn, 2003; Sicherer, 2004; Sampson, 2004; Falcão, 2004; Lee, 2006; Mills, 2007; Keil, 2007; Nissen, 2013; Park, 2014; Venkataraman, 2018).

De acordo com uma revisão sistemática de Nwaru, efetuada em 2014, a prevalência global de AA na Europa é de cerca de 6%, sendo maior nas crianças do que nos adultos e mais elevada no Norte do que no Sul da Europa (Nwaru,2014b). No entanto, desta revisão sistemática, ficou claro que os estudos existentes usam metodologias diferentes, nomeadamente só questionário, ou combinações de questionários com TCA e/ou IgE especificas, ou as opções anteriores e PPO. Uma outra revisão sistemática recente, com meta-análise, com protocolo já publicado (Laia- Dias, 2019), focada no estudo da prevalência de AA em idosos, obteve resultados semelhantes, com grande heterogeneidade entre estudos (Laia-Dias, em publicação).

Nos estudos epidemiológicos na população em geral, há prevalências variáveis para os diversos tipos de alimentos. Assim, os alimentos mais frequentemente implicados na AA são o ovo, o leite, o amendoim, o peixe, a soja e o trigo. Marisco, nozes, soja e chocolate são outros

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alimentos, também, frequentemente implicados. A alergia ao leite e ao ovo é mais frequente nas crianças enquanto que, a alergia ao amendoim, frutos secos, peixe e marisco é mais frequente nos adultos (Burks, 2006; Nwaru, 2014b; Ebisawa, 2017).

Em relação à prevalência de alergias aos diferentes grupos de alimentos, segundo Lee e colaboradores a alergia ao leite de vaca é de cerca 2,5% nas crianças (Lee, 2006). Na Europa estima-se que 6% das crianças sejam alérgicas ao leite, 2,5% ao ovo e 3,6% ao trigo. (Nwaru, 2014b).

A prevalência de alergia ao peixe varia entre 0-7% e a prevalência de alergia a marisco entre 0 e 10,3% dependendo do método de diagnóstico usado. Estudos em crianças estimam uma prevalência de alergia ao peixe de 0,2% (Sicherer, 2003). Poucos estudos existem com PPODC controlada com placebo, mas quando este método foi usado a prevalência de alergia ao peixe variou entre 0-0,3% e a prevalência de alergia a marisco entre 0 e 0,9% (Nwaru, 2014ª; Moonesinghe, 2016).

A prevalência global de alergia a frutos secos ronda 1,3% e ao amendoim estima-se em 0,4% (Nwaru, 2014b). Na revisão sistemática de Zuidmeer e colaboradores, que incluiu 36 estudos de prevalência, a maioria na Europa, 20 dos quais em crianças e adolescentes, a prevalência de sensibilização a qualquer alimento vegetal por TCP foi <1% enquanto a sensibilização por determinação de IgE ao trigo foi de 3,6% e a soja de 2,9%. A prevalência de AA a frutos e vegetais baseada na perceção foi significativamente superior à determinada por testes de sensibilização. Quando foram efetuadas PPO, a prevalência de AA a frutos frescos foi de 0,1%, frutos secos 4,3%, entre 0,1 e 1,4% para vegetais e <1% para trigo, soja e sésamo (Zuidmeer, 2008).

A prevalência de alergia autorreportada a frutos frescos em crianças varia entre 0,04 a 0,9%, embora em algumas séries possa chegar a 4,3% (Zuidmeer, 2008; Lack, 2008). Os frutos pertencentes às famílias botânicas Rosaceae (frutos carnudos como o pêssego e a maçã), Cucurbitaceae (frutos como o melão e melancia) e alguns frutos exóticos, como a manga e o kiwi, são os mais frequentemente associados à alergia alimentar. No entanto, é possível desenvolver alergia a qualquer fruto (Rougé, 2009). No sul da Europa, e em Portugal, o pêssego tem sido o fruto mais implicado (González-Mancebo, 2011). O morango (também membro da família das rosáceas), muitas vezes responsabilizado por supostas reações alérgicas, está na realidade entre os menos frequentemente implicados, tal como a pera. As reações urticariformes frequentes na infância, atribuídas ao morango, podem estar associadas ao facto de este ser um fruto libertador de histamina, e não se tratar de reações alérgicas (van Bockel, 1992; Brugman,1998; Solé, 2008). Por outro lado, a alergia aos citrinos é rara, embora possa haver reações alimentares de base não imunológica. De facto, os citrinos contêm altas concentrações de ácido clorogénico, responsável por muitos dos sintomas considerados alérgicos (Rougé, 2009). Especificamente, a laranja contém muitas substâncias aromáticas,

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bem como a tiramina, que podem originar reações não imunológicas (Rougé, 2009). Existem também aminas vasoativas no ananás (nomeadamente serotonina), especialmente no sumo, que podem estar na base de sintomas que se podem confundir com alergia alimentar (Solé, 2008; Bedolla-Barajas, 2017)

É interessante notar que o padrão de sensibilização a alimentos varia com a área geográfica e parece estar relacionado com aspetos culturais e os hábitos alimentares, o que explica que apesar de o amendoim ser a principal causa de anafilaxia nos EUA, Reino Unido e países escandinavos, em França seja o ovo e o peixe, na Austrália sejam os mariscos, e outros alimentos sejam mais relevantes noutras regiões (Österballe, 2005; Venter, 2006; Orhan, 2009; Gupta, 2011; Lao-araya, 2012; Carlson, 2019; Lyons, 2019). Diferenças na distribuição da alergia alimentar também parecem ser atribuíveis a polimorfismos genéticos específicos, à natureza dos alergénios envolvidos e a exposição única a grandes quantidades de alergénios através do intestino (Cochrane, 2009). Na revisão sistemática sobre prevalência de AA na Europa efetuada por Nwaru (Nwaru, 2014b), a alergia ao ovo, ao leite, ao trigo, aos frutos secos, ao peixe e ao marisco foram mais prevalentes nos países do norte da Europa, enquanto que a alergia à soja e ao amendoim foram mais prevalentes nos países da europa ocidental do que nos outros países europeus. A metodologia padronizada utilizada em toda a Europa no projeto EuroPrevall, com o estudo transversal multicêntrico em vários países europeus, também concluiu que a prevalência de AF mostra considerável variação geográfica (Lyons, 2019).

Os frutos frescos têm vindo a ter uma relevância crescente, em termos de indução de AA, especialmente em Portugal e no sul da Europa. Este facto parece estar associado ao padrão de consumo típico da dieta mediterrânica, como exemplo adicional de variabilidade regional, com base em padrões culturais (Joffe, 2001; Carrapatoso, 2006; Alvarado, 2006; Fernández -Rivas, 2008; Rougé, 2009).

Em Portugal, a prevalência da AA em crianças ainda não é bem conhecida. Existem alguns estudos de prevalência de alergia a alimentos em grupos selecionados de consultas de Imunoalergologia, quer em crianças (Morais-Almeida, 1999; Carrapatoso, 2006), quer em adultos (Bento, 2001; Falcão, 2004), mas não há conhecimento de estudos epidemiológicos efetuados na população pediátrica. Na realidade, em Portugal, no que diz respeito a estudos epidemiológicos na população em geral, apenas existe um estudo efetuado na região da Beira Interior, em adultos (Lozoya-Ibáñez, 2016).

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