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Estranho pensar que todas as grandes mulheres da ficção, até a época de Jane Austen, eram não apenas vistas pelo outro sexo, como também vistas apenas em relação ao outro sexo. E que

parcela mínima da vida de uma mulher é isso. (WOOLF, 11985, p. 109).

Até aqui lidamos com conceitos relacionados mais a raça e etnia, do que com as questões de ser mulher ou, do papel da mulher como escritora ou personagem e as questões de gênero, que não se referem somente a estas, mas aos seres humanos de modo geral.

Stuart Hall, em sua obra A identidade cultural na pós-modernidade (2006), afirma que na modernidade tardia (iniciada na segunda metade do século XX), com relação ao pensamento houve cinco grandes avanços, que ele denomina descentramentos, que retiraram homens e mulheres de suas zonas de conforto, e abalaram profundamente a noção de sujeito cartesiano. (HALL, 2006, p. 34).

O quinto e último descentramento, apontado por Hall diz respeito ao “. impacto do feminismo, tanto como crítica quanto como movimento social”. Segundo Hall, o feminismo está associado a outros movimentos da época, mas, ele teve uma relação mais direta com a descentralização do sujeito cartesiano e sociológico. De acordo com ele, o movimento feminista apresenta à época as seguintes características:

Ele questionou a clássica distinção entre o "dentro" e o "fora", o "privado" e "público". O slogan do feminismo era: "o pessoal é político".

Ele abriu, portanto, para a contestação política, arenas inteiramente novas de vida social: a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado com as crianças, etc.

Ele também enfatizou, como uma questão política e social, o tema da forma como somos formados e produzidos como sujeitos generificados. Isto é, ele politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação (como homens/mulheres, mães/pais, filhos/filhas).

Aquilo que começou como uni movimento dirigido à contestação da posição social das mulheres expandiu-se para incluir a formação das identidades sexuais e de gênero.

O feminismo questionou a noção de que os homens e as mulheres eram parte da mesma identidade, a "Humanidade", substituindo-a pela questão da diferença sexual. (HALL, 2006, p. 46, 46).

Virgínia Maria Vasconcelos Leal no artigo O feminismo como agente de mudanças

no campo literário brasileiro, afirma que: “Ser uma escritora contemporânea é dialogar

com a história da inserção da mulher no campo literário, considerando-se a atuação dos movimentos feministas como força social.” (LEAL, 2010, p. 183).

Desta maneira, pode-se afirmar que Ana Maria Gonçalves, ao dar voz a sua protagonista, mulher e negra, demonstra o olhar de uma mulher sobre a vida de outras

mulheres, e as implicações de ser mulher em uma sociedade patriarcal e escravocrata, que buscava de todas as formas restringir o papel das mulheres brancas a hábeis donas de casa, e o das mulheres negras a amas de leite, burros de carga ou objeto sexual do seu senhor. Ela visibiliza e traduz o desejo dessas mulheres que há vários séculos já lutavam por um teto e suas quinhentas libras, como escreve Virgínia Woolf em Um teto todo seu.

O feminismo trouxe para a esfera pública o que antes sempre fora privado, a mulher e suas relações sociais e interpessoais, a busca de “um teto todo seu”, que ela almeja desde sempre, mas que ainda hoje, já no século XXI, um grande número delas ainda não conseguiu obter.

“Gênero” é um termo que se refere especificamente às pessoas e suas relações humanas. Explica os comportamentos de mulheres e homens na sociedade, permitindo a compreensão dos problemas enfrentados nas relações sociais. Teresa de Lauretis afirma que gênero: “(...) é a representação de uma relação (...) constrói uma relação entre uma entidade e outras entidades previamente constituídas como uma classe, uma relação de pertencer. (LAURENTIS, 1994, p. 210-211).

Os estudos feministas e de gênero aparecem como consequência natural do feminismo, que avançou para o espaço da teoria, tornando-se mais complexo e ao mesmo tempo abrangendo outros campos, como o da teoria literária. Nesse campo, destaca-se Showalter, com e ensaio A crítica feminina no território selvagem (SHOWALTER, 1994, p. 44), no qual afirma que muito recentemente apenas surgiu a base teórica da critica feminista. No Brasil, os estudos feministas e de gênero surgiram na década de 1980. Quando inglesas, francesas e americanas ligadas a essa teoria, já haviam vivenciado três fases distintas. Na primeira, havia uma preocupação com a misoginia da prática literária e a denúncia da marginalização da mulher no processo de formação do cânone literário ocidental. Na segunda fase, buscava-se evidenciar e recuperar as autoras e obras que tinham sido marginalizadas principalmente no século XIX. Já a terceira fase, enfatiza a análise da construção de gênero e busca revisar os conceitos dos estudos literários além das teorias masculinas. Essas fases e orientações propostas pelas feministas estrangeiras funcionaram como paradigmas aos estudos de críticas literárias feministas no Brasil. (LIMA, 2010, p. 62, RIBEIRO, 2006, p. 25-26).

[...] as críticas feministas acreditam que a dimensão estética inclui tanto os temas quanto as formas, tanto os significados sociais quanto os anseios psíquicos. Elas são céticas em relação à visão de que a experiência estética possa ser completamente desinteressada, despida de qualquer referência ao mundo ou de fortes sensações prazerosas. Podemos apreciar na literatura o que não apreciaríamos na vida; a arte não é um mero espelho ou documento do mundo social. Ainda assim nossos gostos estéticos e inclinações não podem ser completamente separados de nossas vidas e interesses como seres sociais. As críticas feministas concordariam com a observação de que a experiência estética é inseparável da memória, do contexto, do significado, e também do que somos, onde estamos, e de tudo o que já aconteceu conosco. (FELSKI, 2003, p. 142).

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