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3 ESTUDOS DA RECEPÇÃO E DA AUDIÊNCIA

3.2 Estudos Interpretativos

3.2.1 Estudos Culturais

O ingresso dos estudos culturais no campo da comunicação aconteceu na Inglaterra no final dos anos 1950 com a mudança de valores tradicionais da classe operária do pós-guerra. Entretanto, de forma organizada foi na Grã-Bretanha, na década de 1960 que, através do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS)19, se constituiu como um movimento teórico-político.

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De acordo com Escosteguy (1998), o Center for Contemporary Cultural Studies (CCCS) foi fundado por Richard Hoggart em 1964 e nasceu ligado ao English Department da Universidade de Birmingham,

97 De acordo com Escosteguy (1998), a partir de três textos pode-se dizer que foram estabelecidas as bases dos estudos culturais: o primeiro deles foi "The uses of literacy" de Richard Hoggart (1957) com caráter autobiográfico conta a história cultural do meio do século XX. O segundo, "Culture and society" de Raymond Williams (1958) apresenta um histórico do conceito de cultura e defende a ideia de que a “cultura comum ou ordinária” pode ser vista como um modo de vida em condições de igualdade de existência com outras. E o terceiro texto, The making of the english working-class de E. P. Thompson (1963), reconstrói uma parte da história da sociedade inglesa.

Quando se fala sobre a dimensão teórica dos estudos culturais, Escosteguy (1998) explica que “os estudos culturais não configuram uma ‘disciplina’ mas uma área onde diferentes disciplinas interatuam, visando o estudo de aspectos culturais da sociedade.” (Hall et al. 1980, p.7)

[...] Estudos culturais é um campo inter-disciplinar onde certas preocupações e métodos convergem; a utilidade dessa convergência é que ela nos propicia entender fenômenos e relações que não são acessíveis através das disciplinas existentes. Não é, contudo, um campo unificado.” (TURNER, 1990, p.11)

A respeito da perspectiva política do movimento, ela assevera que o pretendido era fomentar um projeto político pautado na ideia de “correção política” por força dos movimentos sociais da época de seu surgimento.

Os estudos culturais impulsionaram uma nova maneira de pensar os produtos comunicacionais, levando em consideração o estudo da recepção. Uma nova fase dos estudos dentro da recepção se evidenciou em 1973 com a publicação do texto Encoding and Decoding in Television Discourse de Stuart Hall. Naquele momento, a obra de Hall trouxe o conceito leitura negociada, fomentando a crença de que o sentido não advém exclusivamente do texto, mas da interpretação do seu leitor.

Em 1980, Hall consolida suas hipóteses com o estudo de David Morley na obra "The Nationwide Audience" que concluiu, que, até mesmo receptores da mesma classe social obtinham interpretações distintas do mesmo produto cultural . Escosteguy (2005), afirma que nesse momento ocorreu o ingresso do sujeito de “carne e osso” nos estudos de recepção, Segundo analisa, os pesquisadores, a fim de compreender o receptor em

constituindo-se num centro de pesquisa de pós-graduação desta mesma instituição. As relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas culturais, assim como, suas relações com a sociedade e mudanças sociais, compõem seu eixo principal de pesquisa.

98 sua subjetividade, passam a mergulhar no cotidiano em que ele está inserido, ou seja, seu ambiente doméstico.

Nos diferentes contextos em que os estudos culturais eclodiram, os estudiosos evidenciaram a percepção de que os leitores/receptores são sujeitos sociais e estão imersos em comunidades interpretativas, ou seja, os receptores se utilizam das suas experiências sociais para interpretar as sugestões das mídias.

Dentre outras incorporações importantes efetivadas pelos estudos culturais e que hoje servem de base para diversas análises, destacam-se os conceitos de ideologia que foi proposto por Althusser e o de hegemonia fomentado por Gramsci. Sobre a ideologia, Turner (1990) destaca que ela não deve ser examinada somente na linguagem, nas representações mas, também, nas suas formas materiais, isso significa que ela opera nas instituições e nas práticas sociais através das quais os sujeitos se organizam e vivem. Desse modo, A ideologia passou a ser entendida enquanto “provedora de estruturas de entendimento através das quais os homens interpretam, dão sentido, experienciam e ‘vivem’ as condições materiais nas quais eles próprios se encontram”. (HALL, 1980, p. 32).

Já no que se refere à dimensão metodológica, dentre as contribuições desenvolvidas pelos estudos culturais, é preciso destacar a etnografia. Os culturalistas acreditavam que por meio dela se podia chegar mais próximo dos valores e sentidos vividos por um determinado grupo social. Uma das características de destaque do estudo etnográfico é que ele pode explicitar os modos pelos quais os atores sociais definem por eles próprios as condições em que vivem.

[...] os estudos culturais permitiram a compreensão da organização como um sistema de significado compartilhado, e, portanto, capaz de aprender, mudar e evoluir ao longo do tempo, por meio da interação entre seus membros e entre si mesma e o seu ambiente” (GUIMARÃES & SQUIRRA, 2007, p. 51).

Essa característica encontrada nos estudos culturais busca compreender o nexo entre as instituições sociais (família, igreja, trabalho, escola) e as experiências dos indivíduos que dela pertencem para entender os sentidos que emergem das práticas do seu cotidiano junto aos produtos culturais, assim como, buscamos encontrar em nossa pesquisa com as domésticas e patroas.

Outra abordagem teórica dentro dos estudos interpretativos é o interacionismo simbólico cujos pressupostos também atendem as necessidades conceptuais do nosso entendimento da recepção.

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3.2.2 Interacionismo Simbólico

Diante dos problemas sociais do início do século XX, estes que emergiram do advento da industrialização e da urbanização, estudiosos da Psicologia social da época se motivaram a desenvolver uma perspectiva teórica distinta das existentes até então. Eles se empenharam no estudo sistemático do comportamento social humano e criaram uma nova pesquisa que foi denominada como interacionismo simbólico.

O interacionismo simbólico é considerado uma perspectiva teórica e metodológica inacabada que possui duas variantes proeminentes representadas pelas Escolas de Chicago e Iowa. Segundo descrevem Carvalho; Borges; Rêgo (2010) no geral, as proposições de ambas partem das concepções de Mead e compartilham a tese de que o importante da conduta é o seu significado.

De acordo com o pensamento de Coulon (1995), o Interacionismo Simbólico, trouxe para o sujeito social um lugar teórico. Ele passou a agir como intérprete do mundo e as ciências sociais ganharam com isso métodos de pesquisa que privilegiam o ponto de vista desses sujeitos. Tais abordagens interacionistas tem como objetivo elucidar as significações que os próprios sujeitos praticam para construir seu mundo social.

O que buscamos com a nossa pesquisa foi justamente a apreensão de significados por parte de grupos de domésticas e patroas e nessa perspectiva os interacionistas da Escola de Chicago acreditam que o significado é um dos componentes fundamentais na compreensão do comportamento humano, das interações e dos processos. Para Jeon (2004), os estudiosos do interacionismo acreditam que a compreensão plena do processo social só pode ser atingida através da apropriação dos significados que são vivenciados pelos participantes dentro de contextos particulares.

Blumer (1937) afirma que a essência dos pensamentos sobre a interação pode ser verificada em três premissas: primeiramente no modo como um indivíduo interpreta os fatos e age perante outros indivíduos ou coisas, esse modo depende do significado por ele atribuído a esses outros indivíduos e coisas; a segunda premissa coloca o significado como resultado, ou uma construção dos processos de interação social; e a terceira premissa é de que os significados podem sofrer mudanças ao longo do tempo.

100 Para Blumer (1969), as faculdades humanas, tais como o pensamento e a linguagem, interagem reciprocamente com as três premissas mencionadas anteriormente, ele afirma que o pensamento/reflexividade altera ou modifica as interpretações, enquanto que a linguagem, seja ela verbal ou gestual, é um recurso constantemente empregado pelos indivíduos nos processos de interações sociais, seja entre dois ou mais envolvidos.

A primeira é que o ser humano orienta seus atos em direção às coisas em função do que estas significam para ele... A segunda é que o significado dessas coisas surge como conseqüência da interação social que cada qual mantém com seu próximo. A terceira é que os significados se manipulam e se modificam mediante um processo interpretativo desenvolvido pela pessoa ao defrontar-se com as coisas que vai encontrando em seu caminho. (BLUMER, 1969, p. 2)

Porém, Mead tencionou proporcionar explicações mais naturalistas para as interações possíveis entre os indivíduos. Os seus estudos tiveram como fundamento a fisiologia do cérebro, esse órgão seria responsável pelas tomadas de papéis e consequentemente pela comunicação simbólica existente nas interações. Haguette (1992) discutiu as ideias de Blumer e se manteve mais fiel ao pensamento de Mead, suas contribuições evidenciaram aspectos de relevância para os estudos da interação simbólica.

Para a teórica, o ser humano age com relação às coisas, na base dos sentidos; o sentido destas coisas é derivado, ou surge, da interação social que alguém estabelece com seus companheiros; e estes sentidos são manipulados e modificados através de um processo interpretativo usado pela pessoa ao tratar as coisas que ela encontra. (Blumer apud Haguette, 1992, p. 35).

Em oposição a outras teorias sociológicas, marcadas pelo seu teor totalizante, a exemplo da teoria funcionalista, o interacionismo simbólico passou a conceber as relações e ações sociais como resultados dinâmicos de normas e regras que se encontram pré-estabelecidas na sociedade. Essa corrente metodológica vislumbra ainda uma ampla possibilidade de interações sociais coletivas que resultam em grupos sociais com regras e normas de conduta que são validadas e aceitas pelos indivíduos que os compõem.

Os interacionistas simbólicos acreditam em processos dialéticos no quais os indivíduos criam grupos e coletividades sociais e esses grupos e coletividades interferem na conduta do indivíduo. Podemos retomar as três premissas que compõem a

101 base do interacionismo simbólico para explicar as afirmativas acima, uma vez que podemos pensar que toda ação dos indivíduos é dotada de significação e essa significação por sua vez também aflora das interações sociais que os indivíduos estabelecem entre si e com as coisas. Sendo assim, é possível pensar que as significações são também efetivadas nas interações sociais grupais, e essas modificam as próprias significações.

Kanter (1972) e Hall (1987) garantem a utilidade e importância do interacionismo simbólico no estudo da vida social. Para eles, esse caminho pode apresentar uma percepção dos indivíduos como dotados da utilização do seu raciocínio e poder de simbolização, assim eles podem interpretar e se adaptar às circunstâncias, dependendo do modo como eles mesmos venham a definir a situação.

Diante de todas as premissas apresentadas acima é que identificamos no Interacionismo Simbólico características que ajudam a compreender o processo de construção simbólica da comunidade pesquisada neste estudo de recepção com domésticas e patroas. Além disso, enquanto abordagem teórica, o interacionismo simbólico dialoga com o método que utilizamos, a Teoria Fundamentada em Dados (TFD).

Como vimos, a perspectiva interacionista tem suas raízes na sociologia e na psicologia social e tais bases possibilitam a compreensão do modo como os indivíduos interpretam os objetos e as pessoas com as quais interagem. No nosso trabalho, a interação observada extravasa a relação “empregadas X patroas”, consideramos, conforme esta proposta teórica elencada, em conjunto com os referenciais dos estudos culturais da recepção, a interação social do indivíduo como um todo, sua mediações cotidianas, suas comunidades interpretativas, suas experiências sociais que mediam suas interpretações ou compreensões das relações de trabalho, que foram aguçadas com a apreciação do filme "Que Horas Ela Volta?".