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Estudos metódicos na ausência de um método

CC TEMPO / CARÁCTER

4.3. Estudos metódicos na ausência de um método

Apesar de nunca ter escrito um método (como fizeram em tempos Dionisio Aguado, Fernando Sor, Emílio Pujol ou Abel Carlevaro), Brouwer é um pedagogo.

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Indagar sobre qual o motivo para não o ter [ainda] feito poderá vir a ser de solução impossível: porquê não ter escrito um método? Porquê nunca ter compilado o grosso da sua técnica guitarrística num método? Terá tido seguramente a oportunidade de o fazer.

Sabemos que para Brouwer a musicalidade está intrinsecamente ligada à técnica, e estas duas à obra musical. Sabemos também que não é apologista de exercícios de técnica pura e musicalmente estéril (na linha dos quatro cadernos da Serie Didáctica de A. Carlevaro), criados para fornecer ao estudante soluções técnicas que lhe permitam enfrentar com segurança o seu repertório:

“Lo studio meccanico della técnica è inefficace. […] Si può studiare ma non interpretare con il metronomo.” (Brouwer, 2006: 105-108)

É neste sentido que Brouwer propõe o estudo da música com música. Assim, os seus 30 Estudos poderão ser entendidos como a sua visão musical pedagógica, frutos de uma reflexão profunda sobre o ensino e aprendizagem deste instrumento. O método para guitarra nunca escrito, na verdade poderá consistir no conjunto dos seus estudos onde apresenta, explora e debate todos os aspectos técnicos e expressivos que Brouwer considera fundamentais (cf. cap. 4.1. Estudos Sencillos). Nestas obras com graus de complexidade reduzidos, por forma a permitir manter o aluno focado no aspecto técnico a ser trabalhado, simplificando os restantes componentes, Brouwer apresenta estudos metódicos onde considera possível progredir na compreensão e na execução musical. Segundo Gloria Ariza Adame, nos seus Estudos estão reunidos os princípios técnico- musicais considerados fundamentais para uma posterior abordagem segura ao seu repertório:

“(...) ese método [...] está en su obra y más concretamente lo descubrimos en cada uno de los procedimientos técnicos que trabaja en sus estudios de manera sencilla – no con esto quiero decir que sea simple, sino más bien de una forma sintética, esquemática y, fundamentalmente, práctica – y que se encuentran reflejados en sus obras de concierto.” (Ariza, 2012: 31-34).

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Cabe referir neste capítulo a colaboração de Leo Brouwer na elaboração de um método para o estudo das escalas (que será posteriormente abordado no capítulo 5.1.) escrito em 1992. Como se analisará, não se trata de um livro de escalas e suas digitações, mas uma reflexão sobre os processos de aprendizagem das escalas, fundamentado em bases teóricas. No mesmo livro, Brouwer apela a um estudo das escalas com a inclusão permanente de elementos de expressividade musical, ou no contexto de uma obra musical.

48 5. Leo Brouwer – A vertente teórica

Menos conhecida do que as suas facetas de guitarrista virtuoso e de compositor é a vertente teórica da personalidade de Leo Brouwer, seja como orador ou escritor: abre- se um outro modo de comunicar de forma mais explícita os domínios de pendor filosófico que integram o seu ofício. Assim, tem contribuído com ensaios ou artigos, publicados em revistas (Cine Cubano, Unión, Clave, entre outras) ou apresentados em conferências, abordando temas de análise musical, de história da música, ou sociologia musical, que demonstram uma grande capacidade de pesquisa, análise, síntese e sentido crítico.

Através das referências explícitas nos textos de Leo Brouwer, podemos resumir que o domínio intelectual de Leo Brouwer se enquadra num filão filosófico, sociológico e cultural amplo mas coerente, onde estão presentes desde Roland Barthes, Michel Foucault, Jurgen Habermas, até às perspectivas sobre a arte vanguardista e sociedade pós-moderna de Umberto Eco (acerca da cultura de massas), Paul de Man, Alfonso de Vicente, Octavio Paz, Hal Foster, Susan Sontag, ou das noções de “cubanidad” apontadas por Alejo Carpentier.16

Relativamente à arte musical, Leo Brouwer cita nos seus artigos Leonard B. Meyer, Theodore W. Adorno, ou Adolfo Salazar, autores de referência na conceptualização da estética musical e da psicologia da música do Séc. XX, em particular da corrente Formalista17.

Segundo o musicólogo italiano Enrico Fubini, especialista em estética musical,

“le ricerche del musicólogo Leonard Meyer […] rivolgono una maggior atenzione alla struttura psicologica della fruizione musicale, tenendo fermo il principio che il linguaggio musicale non ha una funzione referenciale. Il siginificato della musica è nella musica stessa [...]” (Fubini, 2003: 138).

Também segundo o mesmo autor italiano, Theodor Adorno desenvolveu estudos muito interessantes sobre a relação musica-sociedade:

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Brouwer, 2006.

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“Secondo Adorno l’arte ha un rapporto dialettico e problematico con la realtà sociale. […] La musica può assumere una funzione stimolante nei confronti della stessa società, può denunciare la crisi e la falsità dei rapporti umani, smascherare l’ordine costituito.” (Fubini, 2003: 140).

Para Adorno, a música pode ser Expressionista ou Formalista segundo o papel que desempenha na sociedade.

Estes autores são citados nos seus textos a propósito do conceito “artista-fetiche” adorniano, ou da inovação e evolução da linguagem artística moderna segundo Meyer ou Salazar, e da música enquanto meio de comunicação complexo.

Leo Brouwer, embora conhecedor do pensamento de Meyer e Adorno, e partilhe dos seus conceitos formalistas18, também acolhe as estéticas Referencialista19 (ao evocar nas suas obras universos literários – La Ciudad de las Columnas, de Alejo Carpentier –, pictóricos – Pictures at another exhibition, parafraseando o compositor russo Modest Mussorgskj –, ou políticos – Elegia por Victor Jara) e Expressionista, quando afirma:

“La información del ejecutante y su cultura van mano a mano.” (Brouwer, 2006: 63)

“[…] La cultura – para mi – son Alejo Carpentier y sus novelas, Ponce de León o Wifredo Lam, pero es también el modo como se toma el café, como se camina por la calle. En relación a la música – toda, la popular y aquella culta – funciona en el mismo modo […].” (Brouwer, 2006:103)

Cremos ser estas as balizas teóricas nas quais se move Leo Brouwer.