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3.2 Estudos de gêneros

3.2.1 Estudos organizacionais de mulheres profissionais

Os estudos organizacionais sobre mulheres profissionais começaram a ser desenvolvidos a partir da segunda onda feminista no Brasil da década de 1960. Essa literatura organizacional foi baseada nos pressupostos da teoria feminista liberal, que consiste em mostrar que “as mulheres também são gente” e por isso devem ter as mesmas oportunidades profissionais que os homens (MANCINI, 2005). O propósito desta seção é analisar, sob a ótica dessa literatura estruturada, as causas que dificultam às mulheres ocuparem cargos executivos nas organizações.

Segundo Duffy et al (2006), estudos de gênero têm demonstrado que o conceito de sucesso profissional precisa ser ampliado, e alguns estudos mais recentes já estão incluindo medidas objetivas (e.g. remuneração ao longo do tempo) e subjetivas (e.g. satisfação pessoal) para a definição de sucesso, como o estudo realizado por Kirchmeyer’s (2002), no qual ela incluiu um indicador subjetivo denominado “sucesso percebido”. Segundo a autora, apesar de as mulheres não terem atingido o sucesso profissional em termos objetivos como os homens (mulheres acumulam menos dinheiro ao longo do tempo), elas percebiam que suas carreiras tinham mais sucesso que as deles, ou seja, estavam mais satisfeitas com suas carreiras.

A extensão com que as próprias mulheres usam medidas objetivas ou subjetivas para definir o conceito de sucesso está relacionada ao padrão de cadência ou emergência com que elas conseguiram desenvolver suas carreiras. (O’NEIL et al, 2003, apud DUFFY et al, 2006). “Carreiras cadenciadas” são aquelas que acontecem de maneira linear e seqüencial, enquanto “carreiras emergentes” são aquelas que não seguem nenhum padrão de regularidade, sofrem interrupções e são imprevisíveis, de modo a acomodarem situações que fogem ao cenário tradicional de trabalho. Segundo estes pesquisadores, mulheres com carreiras mais emergentes estão mais sujeitas a utilizar medidas subjetivas

de avaliação de sucesso profissional, como “crescimento pessoal”, “desenvolvimento profissional”, “significado do trabalho”, entre outros.

Sobre a “percepção de sucesso” de carreira das mulheres, estudos mais antigos (SCHEIN, 1973 e 1975, apud DUFFY et al, 2006) já haviam notado que ambos, homens e mulheres, acreditavam que suas carreiras de sucesso tinham “características, atitudes e temperamentos mais comumente atribuídos a homens em geral do que a mulheres”, ou seja, prevalecia a percepção de que “a boa gerência” era executada por homens.

Mancini (2005) e Gregory et al (2006) trouxeram uma importante contribuição ao estudo organizacional das mulheres profissionais ao reunirem autores que teorizam a respeito desse assunto, como Calas e Smircich (1998) e Gregory (1990). Sua linha de pesquisa está dividida em três correntes teóricas, as quais estão descritas a seguir. Essas três correntes convergem para a linha behaviorista, ou seja, o estudo do comportamento de homens e mulheres na organização e na sociedade.

A primeira corrente teórica é centralizada no indivíduo, e explora as variáveis psicológicas comportamentais que contribuem para a discriminação da mulher (GREGORY, 1990, HORNER, 1969, HENNING e JARDIM, 1977, RIGER e GALLIGAN, 1980, e BUTTERFIELD e POWELL, 1981, apud MANCINI, 2005, e GREGORY et al, 2006). Esses autores explicam que a pouca representatividade de mulheres nos cargo s mais elevados das empresas advém de comportamentos e características tipicamente femininas, como medo do sucesso e dificuldade em assumir riscos que não sejam compatíveis com o perfil profissional exigido. O desenvolvimento do indivíduo está baseado no sexo e na “socialização do papel sexual” ou “estereótipo de gênero” desenvolvido desde a infância até a adolescência, como, por exemplo: os meninos (e não as meninas) são estimulados a brincadeiras que desenvolvem a capacidade de liderança, estratégia e competição. Assim, as mulheres adquirem medo de violar as normas atribuídas ao seu papel sexual, ou seja, de serem rejeitadas socialmente e se sentirem culpadas pela transgressão. À medida que mulheres avançam em cargos e funções tradicionalmente não- femininos, a falta daquelas habilidades pode trazer

conflitos à organização que se materializam em barreiras ao seu desenvolvimento profissiona l. Os autores complementam essa corrente salientando a visão que os homens têm de assumir riscos para o sucesso ou para o fracasso como uma recompensa para o crescimento de suas carreiras futuras, ao passo que as mulheres buscam o cumprimento de seu trabalho no presente, não têm certeza do futuro de suas carreiras, e com isso enxergam nos riscos um fator desestimulante ao desafio apresentado.

Dessa primeira perspectiva teórica, surgiram diversas pesquisas explorando a possibilidade de haver diferentes comportamentos de gerentes homens e mulheres em virtude do sexo; e o resultado encontrado nesses estudos foi de que não foram encontradas diferenças entre homem e mulher que poderiam afetar seu desempenho organizacional, mas, ocasionalmente, diferenças em seu “estilo de liderança” (BUTTERFIELD e POWELL, 1981, apud MANCINI, 2005, p. 66).

A segunda corrente está relacionada a pesquisas de enfoque sociológico, ou seja, estudos no campo da sociologia das organizações, explorando o comportamento do homem e da mulher no contexto organizacional (KANTER, 1977, apud MANCINI, 2005 e GREGORY et al, 2006). Kanter baseou sua teoria em um estudo de caso na década de 1970, que consistia em considerar que a trajetória das mulheres na hierarquia do poder se dá em função das estruturas e processos organizacionais, ou seja, as pessoas se comportam em função do cargo que exercem, independentemente do seu gênero. Nesse contexto não havia espaço para “comportamento feminino” nem “masculino”.

Nessa corrente, Kanter (1977, apud MANCINI, 2005) destacou três importantes estruturas variáveis dos processos organizacionais: a da oportunidade, a do poder e a do tamanho dos grupos sociais.

A estrutura da oportunidade refere-se ao comportamento organizacional de cada indivíduo vis-à-vis as expectativas que esses mesmos indivíduos têm em relação ao seu futuro profissional; ou seja, as pessoas que enxergam alguma oportunidade de crescimento profissional desenvolvem um “círculo de vantagens”, são ambiciosas, têm no

trabalho o centro de suas vidas, são aceitas pelo grupo de alto poder bem como adquirem poder, posicionam-se publicamente com maior segurança, tornam-se impacientes quando vêem que não conseguem mobilidade na organização e vêem seus trabalhos como instrumento de crescimento organizacional, enquanto pessoas que estão no “círculo de desvantagens” tendem a limitar suas aspirações profissionais e criticam enfaticamente a hierarquia do poder organizacional.

A estrutura do poder refere-se à autonomia que cada indivíduo tem de agir dentro da organização. Seu desenvolvimento profissional se dá em função do acesso que tem ao alto escalão organizacional, a informações, redes de relacionamento e mentores. A capacidade de liderança se dá conforme a aceitação dos subordinados, que preferem os mais poderosos como líderes, independentemente do sexo.

O tamanho ou a estrutura numérica dos grupos sociais refere-se à quantidade de pessoas que pertencem a cada grupo social. Assim, o grupo da maioria tem mais visibilidade social, mais credibilidade, mais acesso a informações, mais oportunidades, etc. Essa divisão em grupos sociais reforça o estereótipo de gêneros, pois os homens são maioria e assim terminam por limitar o acesso de mulheres a determinadas áreas da empresa, como o alto escalão.

Por fim, Kanter (1977, apud MANICINI, 2005) conclui que as mulheres estão em desvantagem em termos de oportunidade, poder e proporção numérica nas organizações, porque se encontram em sua maioria em cargos de baixa mobilidade, autonomia e ocupação.

E finalmente a terceira corrente aborda o estereótipo do gênero na organização e o seu reflexo no comportamento do sistema social (DENMARK, 1977, MARSHALL, 1984, DEXTER, 1985, e POWELL, 1993, apud MANCINI, 2005, e GREGORY et al, 2006). O estereótipo é uma criação da sociedade que determina o comportamento do homem e da mulher com base nos conceitos de masculino e feminino. Daí advém “o que nós somos”, “como nos comportamos”, “como os outros nos vêem” e “como os outros se

comportam em relação a nós”. A construção e o uso do gênero é uma forma de perpetuar o sistema patriarcal, onde as mulheres vivem em relação de desvantagem e submissão em relação ao homem.

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