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partir do artigo 105 do Regimento Interno (1988-2017)

1. Estudos sobre a produção legislativa federal

O desenho institucional inaugurado no Brasil com a promulgação da Constituição de 19883 foi acompanhado por um intenso debate acerca da

sua capacidade de assegurar a governabilidade e a estabilidade democrá- tica no país. Para Abranches (1988), ao proporcionar inúmeros pontos de veto, a fragmentação do sistema partidário e a coexistência de interesses irreconciliáveis, nosso modelo tenderia à paralisia decisória e à instabili- dade institucional. Contudo, ao longo da década de 1990, observou-se a consolidação de um sistema político estável, a formação de governos de coalizão e a aprovação de importantes pautas do Executivo no Congresso, incluindo propostas que exigiam maiorias absolutas.

Nesse quadro, uma série de estudos procurou compreender como se dava a interação entre Legislativo e Executivo no processo de produção de leis no país. As elevadas taxas de sucesso do Executivo em um grande volume de Medidas Provisórias aprovadas, além de uma intensa aprovação de emendas parlamentares sobre as proposições de autoria do presidente da República caracterizaram um padrão de dominância do Executivo (FI- GUEIREDO & LIMONGI, 2001). Embora o cenário acima fosse interpretado como uma demonstração da abdicação tácita do Congresso de suas fun- ções legislativas (PESSANHA, 2000; MONTEIRO, 2000), para Figueiredo e Limongi e outros autores adeptos da tese da delegação, haveria, na verda- de, uma dinâmica de cooperação entre os poderes.4

A despeito de não ter havido mudança relevante nas principais ca- racterísticas do nosso sistema político, a partir de meados dos anos 2000, novos estudos apontaram uma mudança substancial no cenário que ca- racterizou a década de 1990, indicando o atual protagonismo do Congres- so. Durante a transição entre esses dois períodos, as leis propostas pelos presidentes passaram a perder espaço entre aquelas apresentadas pelos 3 O desenho institucional brasileiro combina o sistema de separação de poderes com sistema presidencialista, sistema proporcional de lista aberta, bicameralismo, multipartidarismo e federalismo.

4 Ao delegar parte de suas funções ao Executivo, o Congresso poderia, por exemplo, se beneficiar dos recursos de agenda do presidente para dar celeridade a matérias de seu interesse, utilizar um maior tempo para dar atenção às suas bases eleitorais, etc. Dessa forma, embora os poderes de agenda garantissem ao presidente e às suas lideranças o controle da pauta do Plenário, como as votações são regidas pelo princípio majoritário, o Legislativo teria poderes para bloquear as ações do Executivo e dar a palavra final sobre as decisões.

parlamentares, até o ponto de o Legislativo reverter a dominância a favor do Congresso Nacional (ALMEIDA, 2017).

Segundo Gomes (2012), entre os anos 1999 e 2006, o Legislativo foi autor de 66,7% das Emendas Constitucionais, com destaque para a produ- ção originada no Senado. No caso dos Projetos de Lei, o Legislativo foi o autor mais prevalente, em 59,2% dos casos, com destaque para a atuação da Câmara na área social. Almeida (2015), por sua vez, demonstra que, entre os períodos de 1991-2002 e 2011-2014, o volume de leis não orçamentárias aprovadas de autoria do Executivo diminuiu de 69% para 32%, enquanto as leis de iniciativa parlamentar aumentaram de 23% para 54%. Para Almeida, a explicação para essa mudança não estaria apenas na redução das propostas de autoria do Executivo – cuja média anual, entre 1995-2002 e 2007-2014, diminuiu moderadamente, de 64,6 para 50,4 –, mas na forte elevação da quantidade de leis originadas no Congresso, que subiu de 38,4 para 80,9.5

Nas últimas décadas, a abrangência das leis aprovadas no Congresso Nacional também ensejou outras pesquisas, com conclusões que indica- ram mudanças significativas no quadro de produção de normas do país. Enquanto alguns estudos demonstraram que o nível de abrangência tinha relação com a conexão eleitoral ou interação de fatores institucionais, su- gerindo que os legisladores teriam incentivos para atuar de forma mais pa- roquial (AMORIM NETO & SANTOS, 2003), outras pesquisas indicaram ha- ver uma predominância de políticas de amplo alcance nacional e impacto na sociedade (FREITAS, 2016; ALMEIDA, 2014, 2015, 2017; GOMES, 2012).6

Almeida (2015) identificou, por exemplo, um aumento de 51% das leis de natureza regulatória difusa no Congresso Nacional. Nessa mesma dire- ção, Gomes (2012) verificou que a produção legislativa de cunho local ou de baixo impacto político, tais como homenagens e de natureza simbólica, representa pequena porcentagem do total das leis aprovadas de autoria dos parlamentares. Além disso, a maior parte da produção nas áreas econômica, 5 Freitas (2016) destaca que mesmo as Medidas Provisórias – vistas como expressão exclusiva da vontade do presidente e como instrumento utilizado para impor a sua vontade ao Legislativo –, são objeto de contribuição expressiva do Legislativo, sendo este responsável por 40% do texto das leis geradas por esse tipo de projeto. 6 De acordo com as teses distributivistas, a atuação parlamentar sofreria influência da conexão eleitoral; enquanto, segundo a hipótese do Modelo do Segredo Ineficiente, desenvolvido por Shugart e Carey (1992), o comportamento particularista dos legisladores seria consequência da interação de um Executivo dotado de amplos poderes e de líderes partidários com baixa capacidade de controle sobre suas bancadas.

social e administrativa pertence aos congressistas, ao passo que somente as leis político-institucionais têm a predominância do Executivo.

Os estudos sobre a produção legislativa, portanto, demonstram que o Congresso Nacional assume papel mais ativo na produção de normas e a sua causa seria o aumento expressivo de proposições aprovadas de autoria dos congressistas. Embora possa ser comprovado por farto conjunto de dados, esse novo quadro precisa ser interpretado também à luz das dinâmicas inter- nas do processo legislativo. A cada ciclo de uma legislatura, os congressistas precisam apresentar, apreciar e concluir a tramitação das proposições em um tempo fixo de quatro anos. Essa limitação temporal sugere que, quanto maior o volume de proposições, maior a probabilidade de haver “gargalo do plenário” (Koß, 2015), ou seja, de atrasar o andamento ou a conclusão das tramitações.

Essa relação, portanto, demonstra que a análise sobre o papel mais pro- ativo do Congresso Nacional na produção de leis precisa ser vista também segundo os fluxos de entradas e saídas de proposições entre os ciclos legisla- tivos, que tanto orientam o que fazer, como também o que não fazer com as proposições que não tiveram a sua tramitação concluída. Em outras palavras, é preciso verificar se o atual estado de produção legal do Congresso, caracte- rizado pela maior dominância do legislativo, é fruto de uma maior capacidade desse poder de concluir a tramitação das proposições de sua própria autoria segundo a limitação de tempo do ciclo legislativo, ou se outros fatores, no caso, o uso de regras institucionais ou mesmo mais produtividade tem orien- tado o funcionamento do legislativo contribuindo para esse novo quadro.