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2 CARACTERIZANDO O OBJETO

2.3 ARQUITETURA E AUTISMO: ONDE SE ENCONTRAM

2.3.3 Estudos sobre Autismo e Arquitetura

Humphreys (2005) alerta para a condição humana em responder os efeitos positivos ou negativos da arquitetura. Características como escala e proporções corretas, materiais, ar e iluminação natural. Ele seleciona alguns preceitos aplicáveis ao projeto que podem trazer benefícios para a qualidade ambiental: senso de calma e ordem no edifício; níveis satisfatórios de luz e ventilação natural; redução de detalhes; proporção; espaços de contenção ou limites; materiais naturais duráveis e de fácil manutenção; boa observação e qualidade dos níveis acústicos. O autor

também faz uso do conceito de proxêmica10 – espaço pessoal do indivíduo em um meio social;

O arquiteto britânico Christopher Beaver (2006) seleciona, dentro de sua experiência em projetos voltados para pessoas no espectro autista, algumas estratégias projetuais:

 A importância de encarar os corredores como algo maior que apenas espaço de circulação;

 Espaço suficiente necessário para permitir o desenvolvimento das atividades infantis sem excesso de proximidade com outros alunos;

 Utilização de superfícies curvas, devido à facilidade de transição melhor que um ângulo agudo;

 Preocupação com a acústica, evitando a utilização de materiais duros e polidos, por refletirem com maior volume o som;

 Segurança com materiais que os alunos possam se machucar

 Redução de ruídos desnecessários com o uso de ventilação cruzada e pisos aquecidos;

 Sistemas de segurança em janelas, reforçando vidros, utilização de bloqueios e mecanismos que impeçam sua abertura por crianças;

 A iluminação pode ser indireta e difusa. As luzes fluorescentes tradicionais devem ser evitadas, pois aqueles com TEA são mais sensíveis a cintilação dessas luzes. Sistemas que controlem o nível de iluminação também são bem-vindos.

 Espaços tranquilos de ‘’escape’’ para crianças que estão sobrecarregadas sensorialmente;

 Espaços sensoriais e jardim, que podem ajudar nos estímulos às crianças;

 Paleta de cores acolhedora, mas que não estimule em excesso, podendo dar preferências às cores frias que possuem efeito calmante.

Scott (2009) pesquisou o modo como os arquitetos respondem ao desafio de projetar para essas necessidades especiais. Em sua primeira etapa de estudo, ele realiza uma revisão de literatura, selecionando os critérios de diretrizes projetuais existentes em materiais que abordam o projeto de ambientes para pessoas com

10

autismo, utilizando-se de livros, publicações de pesquisas, revistas, artigos e manuais governamentais. Na segunda etapa fez uma análise desses critérios em quatro edificações escolares destinadas para crianças no espectro. Ele encontra conformidade de decisões projetuais entre os edifícios e identifica critérios inovadores dentro do contexto de cada edificação. Por fim, confirma que ainda existe um déficit de informações sobre diretrizes de projeto para o autismo e essa falta de conhecimento pode afetar a capacidade de aprendizagem da criança ou de lidar de forma saudável com o seu ambiente, deixando clara a necessidade do aprofundamento no tema.

Mostafa (2008) percebeu essa carência de diretrizes ao ser contratada para projetar o primeiro centro educacional para pessoas com autismo do Egito, e desenvolveu o The Sensory Design Theory, ou em livre tradução, teoria do design sensorial. Segundo a autora, essa teoria se caracteriza como uma “ferramenta flexível e adaptável que atua como catalisador para o desenvolvimento de critérios de projeto arquitetônico para ambientes com base em suas qualidades sensoriais e em resposta a necessidades sensoriais autistas". Em sua análise, ela percebeu as principais características exigidas de acordo com as necessidades das pessoas dentro do TEA e nomeou de ASPECTSS:

Acoustics Spatial sequencing Escape sPaces

C

ompartmentalization

T

ransition Zones

S

ensory Zoning

S

afety.

Dentro do ASPECTSS são propostos critérios em relação à acústica, sequencia espacial, espaços de escape, compartimentalização, zonas de transição, zoneamento sensorial e segurança.

Acústica

A autora explica que os critérios de acústica são priorizados devido à sensibilidade auditiva de muitas pessoas dentro do espectro. Assim, deve-se controlar e minimizar os níveis de ruído de fundo, o eco e reverberação dentro de espaços. É importante salientar que este critério não exige o isolamento acústico total de um espaço, mas sugere a redução de ruídos em vários níveis, permitindo a acomodação dos usuários a diferentes níveis de ruído de fundo para que, consequentemente, isso permita sua independência e conforto em ambientes não tratados acusticamente fora do ambiente escolar.

Sequência Espacial

A sequência espacial diz respeito à ordem lógica de organização do espaço, visto que uma grande parte dos indivíduos no TEA tem afinidade com a rotina e a previsibilidade. Assim, o layout do espaço deve estar de acordo com o movimento dos alunos e suas sequências de atividades Aguiar (2004) afirma que apesar da subjetividade em perceber um ambiente ser uma característica individual de cada pessoa, o modo como essa pessoa percorre esse espaço é passível de descrições sintéticas, baseadas nos percursos evidenciados pela distribuição espacial. O autor ainda cita Tschumi (1995) que diz que "se a sequência espacial inevitavelmente implica o movimento do observador, então tal movimento pode ser objetivamente mapeado e formalizado sequencialmente".

Espaços de escape

Os espaços de escape funcionam como ambiente sensitivo neutro onde crianças com hiperexcitação sensorial possam se reequilibrar para voltar às atividades. O critério exige a existência de ambientes neutros, de pouco estímulo sensorial, e que sejam facilmente acessíveis para os usuários. Eles seriam ambientes destinados para escapar da sobrecarga sensorial resultante do ambiente físico e social.

Compartimentalização

A compartimentalização ajuda na definição das funções de cada ambiente, através da organização dos espaços em uma série de compartimentos monofuncionais, permitindo atividades únicas e um número menor de usuários. O objetivo é definir e limitar o ambiente sensorial de cada atividade, organizando uma sala de aula ou mesmo um edifício inteiro em compartimentos. Cada compartimento deve incluir uma função única e claramente definida e consequente qualidade sensorial. A separação entre esses compartimentos não precisa ser dura, mas pode ser através de arrumação de móveis, diferença na cobertura do piso, diferença de nível ou mesmo por variações na iluminação. As qualidades sensoriais de cada espaço devem ser usadas para definir sua função e separá-la do compartimento vizinho. Quando combinado com esta consistência na atividade, isso ajudará a fornecer pistas sensoriais sobre o que é esperado do usuário em cada espaço, com ambiguidades mínimas.

Zonas de transição

Chun et al. (2004) define os espaços de transição como espaços arquitetônicos que fazem a mediação entre ambientes internos e externos da edificação, exercem influência na percepção espacial. Mostafa (2012) afirma que as zonas de transição trabalham para facilitar a Sequenciamento Espacial e o Zoneamento Sensorial, ajudando o usuário a reequilibrar seus sentidos à medida que se deslocam de um nível de estímulo para o próximo. Tais zonas podem assumir uma variedade de formas e podem ser qualquer coisa de um nó distinto que indica uma mudança, para uma sala sensorial completa que permite o reequilíbrio sensorial antes da transição de uma área de alto estímulo para um de baixo estímulo.

Zoneamento Sensorial

O zoneamento sensorial organiza os espaços de acordo com suas qualidades sensoriais e não conforme sua função, como acontece tipicamente no projeto arquitetônico. Normalmente, o ambiente construído é organizado de acordo com a

sua funcionalidade, agrupando atividades e espaços conforme a necessidade. A autora defende que ao projetar visando usuários no TEA, é preciso pensar um pouco diferente, visando à organização espacial de acordo com seus níveis sensoriais e qualidades dos ambientes. O zoneamento exige a agrupamento de espaços com níveis semelhantes de estimulação sensorial. Dessa forma os espaços são organizados de acordo com os níveis de estímulos permitidos.

Segurança

Por último, o critério de segurança é designado devido ao processamento de percepção em pessoas no TEA, que pode interferir na forma com que elas sentem dor ou entendem a noção de perigo, sendo necessária atenção na escolha de materiais, superfície, barreiras, móveis e proteção, além de um layout que permita a vigilância constante dos responsáveis pelos usuários.

Os critérios ASPECTSS que mais interessam nesse trabalho são os de sequência espacial, zonas de transição e o de zoneamento sensorial, por se adequarem à metodologia da Sintaxe espacial. Além disso, são critérios-chave na base das relações sócio espaciais por estarem diretamente ligados à morfologia do ambiente, ou seja, são mensuráveis na estrutura física, como esclarecerá o capítulo a seguir.