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3. A TEORIA DA LUTA POR RECONHECIMENTO DE AXEL

3.3. ETICIDADE E EVOLUÇÃO MORAL DA SOCIEDADE

A fase de Jena, ou seja, dos primeiros escritos de Hegel, segundo Honneth, permite deduzir um modelo de formação identitária intersubjetivo e normativo, que com os acréscimos do autor de Frankfurt, permitiria a produção de uma teoria capaz de analisar a ação social dos sujeitos não apenas num contexto intersubjetivo, mas, fundamentalmente, sob um prisma normativo.

Dois aspectos da teoria do jovem Hegel sobressaltam na de Honneth. De maneira mais explicita, o autor busca, com o aperfeiçoamento do conceito de eticidade do filósofo de Jena, elaborar um modelo de teoria social normativo que prescinda de optar entre a vertente universalista e a comunitarista. Honneth propõe o aproveitamento do esqueleto da teoria hegeliana de luta por reconhecimento, mantendo seus pressupostos normativos e identificando o que considera problemático para, assim, elaborar sua própria teoria social.

O conceito de eticidade tem por premissa enxergar a sociedade como uma totalidade ética em oposição às premissas atomísticas, segundo a qual “as ações éticas em geral só poderem ser pensadas na qualidade de resultado de operações racionais, purificadas de todas as inclinações e necessidades empíricas da natureza humana.” (HONNETH, 2009, p. 39). Isso porque essa leitura, ancorada no direito natural moderno, reduziria a sociedade a uma associação de indivíduos isolados, ligados por vínculos institucionais desligados de convicções éticas comuns.

A proposta do jovem Hegel retorna às raízes filosóficas da polis e da vida pública proposta por Aristóteles, lócus da verdadeira liberdade. O conceito de eticidade é formulado sob essa base, como o conjunto de formas elementares de convívio intersubjetivo, que estariam desde o início, fazendo com que os sujeitos se movessem juntos, como “uma base natural da socialização humana” (HONNETH, 2009, p. 43). Desta eticidade que, nos escritos de Hegel, surge como natural, ocorrerá a evolução para a sociedade enquanto totalidade ética sugerida em sua filosofia política.

Um segundo aspecto não menos relevante vem da adoção da perspectiva hegeliana de uma evolução moral da sociedade impulsionada pelas relações conflituosas de seus membros. Para Hegel, esta luta não se trata de um ajuste racional em busca da sobrevivência e, portanto, a composição da sociedade não se dá na forma de um “contrato”, necessário ou meramente instrumental. Visto que os sujeitos só se percebem

enquanto tais a partir de uma relação com o outro, tanto a sua identidade como as relações sociais e a própria sociedade se constroem sobre tais alicerces.

A luta nesse sentido ganha um aspecto central na teoria do reconhecimento porque o sujeito somente se percebe em relação quando encontra um obstáculo, alguém em igual condição de vontade e ação e essas vontades resistem uma a outra. A identificação do outro surge como aquilo que não é a própria vontade, mas a ela se equivale a ponto de lhe fazer oposição, de disputar o lugar de prevalência. Nessa luta, o sujeito se individualiza, “sabe de si” porque existe alguém que não é ele, mas que ao mesmo tempo com ele interage. Trata-se de uma construção de identidade intersubjetiva, pois os parceiros de interação só se percebem enquanto sujeitos quando, saídos de sua esfera individual, são confrontados em suas expectativas com um outro, expectativas divergentes.

Por isso, a luta, tanto para Hegel quanto para Honneth, assume um papel normativo (luta moral) que, ao mesmo tempo em que relaciona dois sujeitos que constroem, cada qual, uma expectativa moralmente legítima perante outrem com igual pretensão, buscam o reconhecimento dessa expectativa, razão pela qual a luta moral é também chamada de luta por reconhecimento. No resultado dessa luta temos uma transformação na sociedade como moralidade.

As expectativas são moralmente legítimas porque estão ancoradas nos valores pessoais de cada sujeito, valores estes que, tanto nos escritos hegelianos de Jena como na teoria de Honneth, formam-se historicamente e podem ser entendidos melhor a partir do conceito de eticidade, fundamental para o autor frankfurtiano, sobretudo em sua tentativa de superar uma teoria da justiça que torne inconciliável elementos universalistas e as aspirações de bem viver comunitárias e mesmo individuais.

3.4. BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES PARA O PRÓXIMO CAPÍTULO

A teoria da luta por reconhecimento de Honneth tem no seu centro a ação social, mais precisamente, a ação social coletiva. Em seu livro “Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais”, a pergunta do autor é, sabendo que os

movimentos sociais têm sua gênese em experiências individuais compartilhadas, o que motiva a articulação dos sujeitos em movimentos sociais atualmente?

Os principais conceitos de sua teoria, quais sejam, indignação, articulação e luta moral, se entrelaçam na análise de que os movimentos sociais, sobretudo no que tange à ampliação ou concretização de direitos, não se pautam tão somente numa luta de interesses ou em razão de necessidades materiais. O inicio dessa mobilização se dá no sujeito, em suas relações sociais e como cada um as interpreta. Situações que para o sujeito configurem um desrespeito podem ensejar uma luta por reconhecimento, se houver, da parte daquele que foi moralmente ferido, um sentimento de indignação capaz de mobilizá-lo para além de sua esfera privada de sofrimento e articulá-lo com outros sujeitos a fim de promover uma alteração daquela condição social.

A assunção de que existe um elemento emocional e particular na adesão a uma luta coletiva não a torna menos relevante, ao contrário, permite abordar um maior número de expectativas, inclusive para explicar a não adesão a essas lutas por sujeitos em situação semelhante. Cabe dizer que Honneth não nega nas motivações das lutas sociais o interesse pragmático, mas o submete à análise da eticidade que permitiu constituí-lo. O fato de uma ação coletiva se iniciar num sentimento derivado de uma situação vivida no âmbito individual confirma que também as demandas materiais reportam-se a concepções de bem e, por isso, são permeadas por um elemento moral que orientará a ação de contestação, resistência, subserviência ao que é tido como uma privação. Aquele que se encontra em estado de privação material é atingido em sua identidade, em sua condição de pessoa, e somente compreendendo-se desrespeitado torna-se possível (não determinante) que sua indignação e, quiçá, a articulação diante do não-reconhecimento experimentado se desdobrem em luta social.

Eis porque é importante entender o papel dos valores na formação da identidade (Hegel), bem como estabelecer em que esfera das relações pessoais se daria essa construção (Mead) para então alinhar-se novamente ao proposto pela Teoria Crítica: identificar as patologias do novo tempo e os canais de emancipação dessa condição patológica. Em seguida, discutiremos a teoria honnethiana em suas potencialidades críticas e em seus desafios teórico-empíricos.

4. CRÍTICAS A UMA TEORIA CRÍTICA: PENSANDO O MODELO