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Etiologia das Dificuldades de Aprendizagem Específicas

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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Capítulo 3 Etiologia das Dificuldades de Aprendizagem Específicas

Uma vez analisados os critérios de diagnóstico das DAE convém reflectirmos de imediato sobre as causas destas.

Apesar de as DAE afectarem uma significativa percentagem dos alunos que falham nas suas aprendizagens escolares, a verdade é que ainda pouco se sabe relativamente à sua etiologia, pelo facto de existir uma discrepância entre os autores quanto à mesma, defendendo cada um a sua perspectiva.

Além disso, a complexidade inerente à aprendizagem escolar implica a conjugação de um grande número de factores na sua aquisição e domínio.

Desta forma, e atendendo à heterogeneidade das DAE, tanto na sua etiologia como na sua apresentação clínica e desenvolvimento, pode-se afirmar, actualmente, que a concepção que domina sobre a etiologia no campo das DAE é a multifactorial. Isto quer dizer que, embora cada investigador acentue a sua teoria etiológica, cada um admite a existência de múltiplos factores na etiologia das DAE, mas valoriza alguns desses factores em função da sua orientação e formação, podendo deste modo verificar-se que alguns sejam esquecidos ou negligenciados.

De acordo com Martín (1994), as três teorias mais explicativas, mais representativas e universalmente aceites são as que se seguem: 1) teorias baseadas num enfoque neurofisiológico; 2) teorias perceptivo-motoras; 3) teorias psicolinguísticas e cognitivas.

As teorias baseadas num enfoque neurofisiológico tentam encontrar uma relação entre os diversos problemas ou DAE e disfunções ou lesões do sistema nervoso central, isto é, entendem o comportamento humano em função do funcionamento neurológico e cerebral do indivíduo.

Dado que o desenvolvimento motor e perceptivo antecede e é um requisito prévio para o desenvolvimento conceptual e cognitivo, as teorias perceptivo-motoras procuram relacionar as DAE com uma série de deficiências de tipo motor e perceptivo que existem nos sujeitos.

Por sua vez, as teorias psicolinguísticas e cognitivas consideram que as DAE se devem a deficiências nas funções de processamento psicológico, ou seja, a insuficiências referentes aos processos pelos quais a informação sensorial é codificada, armazenada, elaborada e recuperada.

Estas mesmas teorias consideram, assim, três causas para as DAE: i) as que aparecem devido a falhas na recepção da informação adequada; ii) as que ocorrem como resultado de falhas na produção adequada de informação; iii) as que surgem como consequência dos conteúdos irrelevantes que existem na informação a aprender, visto que é com base nestes que se desordena a informação impedindo, portanto, o indivíduo de poder efectuar uma adequada codificação da mesma.

A classificação proposta por Citoler (1996), Casas (1994) e Martín (1994) sugere três categorias de factores: i) fisiológicos; ii) socioculturais; iii) institucionais.

Relativamente aos factores i.) fisiológicos são apontadas quatro causas: disfunção neurológica ou lesão cerebral; determinantes genéticas ou hereditárias; factores bioquímicos e factores endócrinos.

As aprendizagens escolares poderão fracassar se existir qualquer falha ao nível do sistema nervoso central, sistema este que mediatiza a aprendizagem. Inicialmente, estas falhas no sistema nervoso central denominavam-se de “lesão cerebral”, passando, posteriormente, a serem referidas como “disfunção cerebral”, a que depois se acrescentou o atributo “mínima”. Nos últimos anos, o termo “cerebral” foi substituído por “neurológica” para indicar a sua muito difícil localização cerebral, como refere Rebelo (1993).

O mesmo autor sugere, portanto, que o termo a ser actualmente mais utilizado seja o de disfunção neurológica mínima. Sendo assim uma das maiores causas para as DAE, as disfunções neurológicas mínimas podem surgir antes, durante ou depois do nascimento, quer dizer, que podem ter uma origem pré-natal, perinatal ou pós-natal.

No que respeita às causas pré-natais, estas têm sido relacionadas com os problemas de aprendizagem, tendo sido mesmo encontradas correlações entre situações de consumo de álcool e de drogas por parte da mãe durante a gravidez e situações posteriores de DAE por parte das crianças.

Além disso, as deficiências nutricionais e infecções como a rubéola e a toxoplasmose são outros aspectos que podem originar malformações ou disfunções do sistema nervoso central da criança, com consequentes alterações na sua aprendizagem.

Como causas perinatais, consideram-se as que ocorrem durante o parto ou nos 28 dias seguintes ao nascimento por questões directamente relacionadas com o mesmo. Dentro destas encontraremos a prematuridade, a anóxia (falta de oxigénio durante o nascimento), e as lesões devidas a danos com instrumentos médicos (por exemplo, fórceps), bem como as situações de parto prolongado, os partos induzidos e o baixo peso à nascença.

Restam as causas pós-natais que são aquelas que ocorrem depois do nascimento e incluem os traumatismos e acidentes que podem deixar sequelas neurológicas e ainda toda uma série de enfermidades infecciosas (meningites, encefalites...) que podem afectar também o cérebro ou outras partes do sistema nervoso central.

Referindo-nos, agora, às determinantes genéticas ou hereditárias, Rebelo (1993) salienta que as DAE, e mais especificamente,as da leitura e escrita não são nunca causa directa das determinantes genéticas ou hereditárias, uma vez que as DAE dizem respeito a comportamentos que enquanto tal não existem nos genes. Deste modo, quando se estudam os factores hereditários, o que se está a procurar fazer é saber que influências têm as estruturas biológicas (geneticamente determinadas) sobre a aprendizagem.

Com base nos estudos realizados para examinar a relação entre a genética e as DAE, parecem existir evidências que suportam a ocorrência de influências genéticas nas DAE, nomeadamente, ao nível da dislexia, permanecendo, no entanto, pouco clara a extensão dessa relação. Muito

recentemente, e de acordo com investigadores finlandeses, a descoberta de um defeito no gene DYX1C1 poderá explicar algumas dislexias. Astrid Vicente, investigadora em genética humana do Instituto Gulbenkian de Ciência, refere que a base genética da dislexia já havia sido sugerida pela observação de famílias em que o problema existia, bem como na frequência com que surge em gémeos idênticos. A mesma investigadora afirma que a complexidade do distúrbio sugere a existência de variantes genéticas múltiplas que contribuirão para o risco. Poderão, assim, existir alterações na sequência do DNA de determinados genes mas, de indivíduo para indivíduo, os genes implicados poderão ser diferentes (Jornal de Notícias de 22 de Setembro de 2003).

Os vários estudos até então realizados vieram assim reforçar a influência da genética nas DAE, mas como afirma Fonseca (1984), não se pode também minimizar o papel dos factores do envolvimento.

No que toca a factores bioquímicos, é necessária ainda a realização de vários estudos que permitam determinar os perigos e valores inerentes a tais teorias e tratamentos. No entanto, Casas (1994) e Mercer (1994) referem que as linhas básicas propostas dentro da investigação realizada sobre a possível relação entre as DAE e alterações de carácter bioquímico são: alergia aos alimentos; sensibilidade aos salicilatos e deficiências vitamínicas.

Um outro elemento fisiológico tem a ver com os factores endócrinos, segundo os quais, as DAE podem ser causadas por desequilíbrios que ocorrem nas glândulas endócrinas e que consistem num excesso ou num defeito das secreções químicas das glândulas que integram este sistema de interacção (Casas, 1994).

Aqui destaca-se o hipertiroidismo que consiste numa produção exagerada de tiroxina, que é uma hormona segregada pela glândula tiróide situada no pescoço. Segundo o referido autor, esta situação pode provocar hiperactividade, irritabilidade, perda de peso e dificuldades na atenção selectiva, estando este último aspecto muito relacionado com as DAE. Do mesmo modo, o hipotiroidismo, em que a glândula tiróide é menos activa do

que o normal, pode também causar dificuldades específicas de aprendizagem quando o problema surge na primeira infância e não é resolvido a tempo.

De acordo com Casas (1994), uma outra síndrome que poderá também produzir DAE é o hipofisário, no qual as anomalias no crescimento se associam a fadiga geral, a apatia e a lentidão. Finalmente, resta referir a disfunção pancreática, onde a produção de um nível anormal de açúcar no sangue pode provocar alterações no processo normal de aprendizagem (dificuldades na denominação, erros na soletração e outros problemas de competência linguística) e problemas de comportamento.

Passando agora aos factores ii.) socioculturais, convém desde já referir que a influência dos mesmos não se limita apenas às DAE, mas se alarga a toda e qualquer situação educativa. Entre estes factores são referidos alguns aspectos mais pertinentes, nomeadamente, a má nutrição, a privação de experiências precoces, os códigos linguísticos familiares restritos e ainda os valores e estratégias educativas inadequadas.

É sabido que uma nutrição inadequada ou deficitária altera o desenvolvimento mental podendo, por isso, ser um motivo para o aparecimento de DAE. Todavia, não há informação necessária sobre a relação existente entre a nutrição, o funcionamento intelectual e as DAE.

Embora se saiba que o período crítico para o aparecimento de consequências negativas por carências nutritivas vá desde o nascimento até aos dois anos, a verdade é que também nas primeira e segunda infâncias a carência alimentar tem efeitos nocivos ao nível das funções orgânicas, e por isso, os efeitos mais evidentes são a redução da actividade dos sistemas orgânicos principais, da actividade motora, da capacidade de iniciativa e do nível de atenção, cujo nível funcional óptimo é absolutamente fundamental para que as aprendizagens escolares tenham sucesso.

Um outro elemento importante a considerar e que influencia negativamente a capacidade do indivíduo para aprender é a falta de experiências precoces. Deste modo, quer os aspectos sensório-motores quer os de índole linguística podem ser afectados pelas experiências concretas de

que as crianças têm acesso antes de frequentarem a escola. Para lá da carência de experiências precoces, também um estilo disciplinar impositivo e um ambiente de tensão familiar poderão afectar o posterior desempenho académico da criança de forma negativa.

Um outro factor com forte carga sociocultural relacionado com o anterior e, que segundo Vellutino (1980) e outros autores pode determinar o surgimento de DAE, é a presença de um código linguístico familiar restrito que se reflecte em algumas deficiências verbais, porque temos de ter em conta que a linguagem inicialmente se adquire e aprende na família. Casas (1994) sugere que, em geral, as crianças provenientes de meios socioeconómicos desfavorecidos estão numa situação mais desvantajosa relativamente aos colegas oriundos de meios socioeconómicos mais favorecidos quando é necessário atingir os objectivos propostos para o contexto escolar. Apesar desta limitação, há no entanto, a possibilidade de melhorar o nível linguístico destas crianças quando ingressam na escola mediante a aplicação de programas linguísticos adequados a tal objectivo.

Por último, há a referir ainda um outro factor sociocultural que se prende com os valores e procedimentos de educação mantidos por diferentes classes sociais, os quais podem interferir na geração das DAE pela sua mediatização do processo de estimulação que a criança recebe. Mais uma vez, existem dados que permitem dizer que as estratégias e valores educativos assegurados por classes socioeconómicas baixas não favorecem o desenvolvimento cognitivo, linguístico e pessoal exigido pela escola.

O terceiro grupo de factores sugerido por Citoler (1996), Casas (1994) e Martín (1994) são os iii.) factores institucionais, de entre os quais, Citoler refere as condições materiais em que se dão os processos de ensino-aprendizagem, as metodologias de ensino e o grau de adequação do programa às características do indivíduo.

Por seu lado, Casas (1994) e Martín (1994), embora podendo dever-se a causas diversas, sugerem que os factores institucionais podem ser divididos basicamente em dois tipos de causas, nomeadamente, como sendo o resultado

de deficiências nas condições materiais em que decorre o processo de ensino- aprendizagem e ainda como resultado de um inadequado planeamento do sistema educativo.

Relativamente às deficiências nas condições materiais em que decorre o processo de ensino-aprendizagem, é importante considerar o envolvimento no comportamento do sujeito, pois em qualquer processo de aprendizagem o contexto em que ele ocorre influi de modo determinante nesse processo de aprendizagem.

Por outro lado, as características materiais do estabelecimento de ensino poderão dificultar também o processo de ensino-aprendizagem e favorecer o surgimento de dificuldades. As deficiências materiais que com mais frequência se encontram na instituição escolar são, segundo Casas (1994), as seguintes: turmas saturadas com um número elevado de alunos levando a um rendimento mais reduzido quer por parte do aluno quer por parte do professor, uma vez que não consegue atender a todos os problemas surgidos na turma; condições físicas inadequadas, tais como falta de luminosidade, excesso de barulho, escassa ventilação, excesso de calor ou frio... e ainda a falta de meios e de materiais adequados nas salas de aula, quer a nível do mobiliário quer a nível do material didáctico.

Estas deficiências contribuem, sem dúvida, para o aparecimento de comportamentos como a falta de atenção, o desinteresse, a desmotivação e outros que são incompatíveis com uma aprendizagem adequada.

O inadequado planeamento do sistema educativo prende-se com o facto de o professor não respeitar o ritmo de aprendizagem dos alunos, não respeitar as suas diferenças e, portanto, não aplicar um programa adequado aos seus alunos.

Um outro factor a considerar ainda é a variável professor, no que toca à sua personalidade e às suas atitudes pedagógicas e interacção com os alunos.

Existe, portanto, uma série enorme de factores institucionais que pode contribuir para o aparecimento de determinadas dificuldades na aprendizagem e no rendimento escolar dos alunos como as já atrás mencionadas e ainda a falta de professores especializados pelo que é urgente e necessário fazer mais

formação e especialização de professores para ensinarem e lidarem com crianças que possuem DAE.

Capítulo 4 – Algumas características das crianças com

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