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4.2 Trajetória Metodológica

4.2.2 Etnografia

Adotamos o método etnográfico, pois ele propicia um olhar diferenciado para o processo de adoecimento ao levar em consideração as dimensões sociais e culturais para além da biológica.

Geertz compreende a etnografia

[...] como uma descrição densa, [...] é como tentar ler no sentido de construir uma leitura, um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escritos não como os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios do comportamento modelado (1989, p. 20).

Entende-se por descrição densa, não apenas a descrição minuciosa de detalhes, de contextos, de emoções e de nuances de relacionamento social que se fizeram presentes durante a coleta de dados, mas, sobretudo, o esforço intelectual que representa para os pesquisadores a análise dos dados e a interpretação dos significados.

Para Geertz, a etnografia não é somente um método de pesquisa, mas um processo conduzido com uma sensibilidade reflexiva, tomando em conta a própria experiência no campo junto às pessoas com as quais o antropólogo trabalha.

Como um método de pesquisa, a etnografia se caracteriza por ser desenvolvida onde as pessoas vivem e os fatos acontecem; ser face a face num processo dialógico de interação em longo prazo; holístico, por revelar o retrato mais completo possível do grupo estudado e conduzido de modo a usar um acúmulo descritivo de detalhes para construir teorias explicativas (ANGROSINO, 2009).

Na concepção de Magnani (2002), a etnografia permite um olhar de perto e de dentro, diferente de um olhar de fora e distante, o que nos possibilita novas leituras sobre a realidade, revelando a lógica e os desdobramentos de fatos inicialmente percebidos como fragmentados e sem lógica.

A etnografia constitui uma estratégia que informa o trabalho de pesquisa, rica para o estudo dos processos e interações sociais, das práticas e das representações. Possibilita por todas as suas características, acessar a complexidade, a singularidade, e a "arte de fazer." Permite documentar o não documentado, obter sempre uma descrição, como produto de trabalho analítico, permanecer muito tempo no campo, interpretar e integrar conhecimentos locais junto com a descrição, construir conhecimentos, descrever realidades particulares, relacionando-as às inquietações gerais (SATO; SOUZA, 2001).

Constitui um método adequado aos referenciais teóricos propostos neste estudo, pois o acesso ao campo, a posição de não-saber, a procura de um saber que é de outro, o contato, a entrevista com os atores sociais para assimilar o vocabulário e o universo dos sentidos dos informantes, implicam uma forma de análise e de intervenção do tipo fundamentalmente hermenêutico (MARTINÉZ-HERNÁEZ, 2010).

Por meio da hermenêutica, é possível entender como as pessoas no seu cotidiano lidam com suas experiências. A análise da linguagem e das ações que se desenvolvem nesse cotidiano permite definir os códigos que estruturam o pensamento e conferem um significado ao mundo (GEERTZ, 1989)

Estudos nessa perspectiva que elegem a relação "dialógica" e a "fusão de horizontes" como condições do saber, exigem a inclusão, a penetração e o confronto dos horizontes culturais do pesquisador e do pesquisado (COSTA, 2002). A fusão de horizontes requer do pesquisador um constante exercício de autorreflexão e crítica para evitar o relativismo cultural e o etnocentrismo.

A pesquisa etnográfica tem sido desenvolvida com a preocupação principal de entender a visão de mundo e as experiências vividas pelas pessoas no seu cotidiano. Ela traz contribuições relevantes ao campo das pesquisas qualitativas, principalmente, quando se busca compreender a complexidade dos comportamentos relacionados ao processo saúde- doença (MATTOS, 2001).

Para compreender esses comportamentos, é preciso reconhecer a cultura como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e a ação humana, o que possibilita atribuir sentido e significado às coisas do mundo e às nossas ações, pois ela influencia a percepção das pessoas acerca da saúde e da doença e o modo de agir na busca por cuidados.

Esses comportamentos que se relacionam ao processo saúde doença são apreendidos a partir de uma relação dialógica, com base nos “critérios de multidimensionalidade, bidirecionalidade e simetria ou de reciprocidade”, tendo como princípios de causalidade os processos biológicos, sociais e subjetivos (MARTINÉZ-HERNÁEZ, 2010, p.15).

Ao adotar a etnografia como método de pesquisa, tendo como princípios a relação dialógica e prolongada com os informantes, o abrir-se para o conhecimento do senso comum, numa visão de perto e de dentro, nos permitiu decifrar os códigos que dão o sentido à maneira de pensar e de agir dos informantes convivendo com a HAS, numa visão geral e contextualizadora da realidade e, ainda propiciou ao pesquisador e ao informante, a troca, o envolvimento e a transformação de ambos.

No que se refere à coleta de dados, de maneira geral, há um consenso entre os pesquisadores de que ela envolve a participação do pesquisador, cobrindo a vida diária das pessoas por um extenso período de tempo, ouvindo, vendo o que acontece, perguntando questões em entrevista formal e não formal e a busca dos dados em diferentes fontes documentais.

Na perspectiva de Hammersley e Atkinson (2007), o trabalho etnográfico requer que o pesquisador se coloque no campo para analisar a ação das pessoas no seu contexto diário, mais do que as condições criadas pelo pesquisador. Os dados são obtidos de várias fontes e sua coleta não envolve acompanhamento de um desenho de pesquisa detalhado.

O pesquisador entra para a entrevista com uma lista de assuntos a serem investigados, adota a mais flexível abordagem, o que permite a discussão fluir em um caminho que parece natural. Em diferentes momentos da entrevista, a abordagem pode ser diretiva ou não diretiva, dependendo da função pretendida pela questão.

De acordo com esses autores, cumprimos as seguintes etapas: a escolha do contexto social, o trabalho de campo e a análise dos dados.