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Capítulo 4. Adubando a Plantação

4.1 Etnomatemática

Esse trabalho tem a Etnomatemática como abordagem de pesquisa a qual investiga o uso da Matemática em diferentes grupos culturais e diferentes formas de vida. Para Knijnik (2012), a perspectiva Etnomatemática busca conhecer/estudar a Matemática praticada/produzida por diferentes grupos culturais, como os agricultores, os jovens e os indígenas. O pensar matemático faz parte da constituição humana, vai muito além da Matemática aprendida/ensinada em sala de aula, sendo baseada, na maioria das vezes, na forma como as pessoas classificam, comparam, enumeram e medem coisas e objetos, por exemplo. Além disso, cada pessoa pensa e realiza esses exemplos de acordo com a gramática que sustenta seus jogos de linguagem, inseridos em sua forma de vida, ou seja, a etnomatemática é a forma como um grupo cultural organiza o seu espaço, os seus afazeres cotidianos.

Amâncio (2006, p. 55) expõe em seu trabalho que “uma cultura passa a ser vista como as relações entre a vida, a alma, a natureza, e suas representações, entendidas como sendo ideias, língua, arte e obras, ciências, concepções de mundo”. Ademais, a forma como as pessoas organizam suas ideias, realizam suas obras e têm concepção do mundo é uma maneira de pensar matematicamente, e, com isso, produzem os seus saberes.

A Etnomatemática, ao se propor a tarefa de examinar as produções culturais destes grupos, em particular, destacando seus modos de calcular, medir, estimar, inferir e raciocinar, problematiza o que tem sido considerado como o “conhecimento acumulado pela humanidade” (KNIJNIK, 2006, p. 22).

A Matemática é uma disciplina escolar difícil de ser compreendida por alguns. Essa Matemática tradicional ensinada/aprendida por anos nas escolas de todo o mundo passa a ser considerada pela Etnomatemática como mais uma forma de ser/fazer Matemática, e não aquela única e universal, pois “põe em questão a universalidade de matemática produzida pela academia, salientando que esta não é universal, na medida em que não é independente da cultura” (KNIJNIK, et al, 2012, p. 24). O pensar matemático vai além de fazer contas como aquelas ensinadas na escola, está na forma de vida das pessoas nas suas comunidades A partir disso, percebe-se que a Etnomatemática através do estudo dessas comunidades vem demonstrar esses pensamentos matemáticos, “mostrar a existência de jogos de linguagem em formas de vida não escolares, que, por constituírem semelhanças de

família com aqueles praticados na Matemática da escola, temos chamado de jogos de linguagem matemáticos” (KNIJNIK, et al, 2012, p. 35).

Por mais que seja essa Matemática acadêmica usada como referência para identificar/compreender as demais, existem diversas outras, aquela “praticada por categorias profissionais específicas, [...] a Matemática presente nas brincadeiras infantis e a Matemática praticada pelas mulheres e homens para atender às suas necessidades de sobrevivência” (Ibidem 2012 p.23), por exemplo.

Para a Etnomatemática, a cultura passa a ser compreendida não como algo pronto, fixo e homogêneo, mas como uma produção, tensa e instável. As práticas matemáticas são entendidas não como um conjunto de conhecimentos que seria transmitido como uma “bagagem”, mas que estão constantemente reatualizando-se e adquirindo novos significados, ou seja, são produtos e produtores da cultura (Ibidem, 2012 p.26).

Para essa perspectiva de estudo, diferentes grupos culturais produzem diferentes saberes matemáticos, ou seja, cada um desses grupos produz a sua Matemática, aquela que necessita para realizar as tarefas cotidianas, a fim de utilizá- la para a sua sobrevivência.

Pode-se tomar como exemplo as mulheres rendeiras de bilro, apresentadas no trabalho de Magalhães (2014), as quais fazem uso da Matemática conforme a sua necessidade, para medir a quantidade de linha utilizada, a forma de cada desenho formado ou ainda o valor que será comercializado em cada item. Diferentemente é a Matemática utilizada pelos agricultores estudados no trabalho de Oliveira (2011), em que usam a Matemática aprendida com seus antepassados através da experiência no trabalho do campo, como a braça, soga e varas para fazer medidas.

Esses são exemplos de usos distintos das matemáticas, cada uma utilizada no contexto necessário para a sobrevivência daquele que a utiliza, “são estratégias que se distanciam daquelas praticadas na forma de vida escolar, na qual a escrita e o uso de algoritmos para a realização de cálculos são priorizados” (JUNGES, 2016, p. 92). Cada uma dessas estratégias é uma forma diferente de se utilizar a Matemática e, por muitas vezes, a Matemática de um é estranha e até mesmo incompreendida pelo outro, que apresentaria um novo modo de cálculo.

A perspectiva etnomatemática alia-se às ideias wittgensteinianas, que postulam que não existe uma única linguagem e sim várias linguagens, “assume que

a linguagem tem um caráter contingente e particular, adquirindo sentido mediante seus diversos usos” (KNIJNIK, et al, 2012, p.29). A autora ressalta que a Matemática não é única e universal, é falada e entendida de diferentes formas, por diferentes pessoas, de acordo com as suas formas de vida. Dessa forma, a perspectiva etnomatemática é,

[...] como uma “caixa de ferramentas” que possibilita analisar os discursos que instituem as Matemáticas Acadêmica e Escolar e seus efeitos de verdade e examinar os jogos de linguagem que constituem cada uma das diferentes Matemáticas, analisando suas semelhanças de família (Ibidem, 2012 p.28).’ Seguindo essa ideia exposta no livro intitulado Etnomatemática em Movimento (KNIJNIK et al, 2012), a Etnomatemática norteia-se pelo discurso filosófico do “segundo Wittgenstein” quando “a racionalidade para este filósofo emerge da gramática, das regras presentes nas interações dos jogos de linguagem, das práticas sociais cotidianas presentes em uma dada forma de vida” (DUARTE, FARIA, 2016, p.153). Ou seja, dentro de diferentes formas de vidas existem diferentes jogos de linguagem, diferentes saberes, diferentes racionalidades que são praticados conforme os significados e as necessidades atribuídos por cada grupo cultural.

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