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7. RESULTADOS FINAIS APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO

7.2 O CONSTRUTO DO ENGAJAMENTO NA PRÁTICAS MEDIADAS

7.2.1 Eu, Tu, Nós: compartilhando entusiasmo

Enquanto o conceito de disposição está relacionado à espontaneidade dos alunos em se envolver em determinada atividade, o conceito de entusiasmo vai um pouco além, buscando demonstrar o grau de animação, satisfação e envolvimento dos alunos. O conceito de entusiasmo não tem uma definição universalmente aceita pela área da psicologia e carrega conotações diferentes de acordo com a perspectiva de pesquisa adotada. Num contexto educacional, o conceito é frequentemente relacionado a emoções positivas e motivação intrínseca (KUNTER et al., 2011). O que estes construtos têm em comum é um componente de alegria e excitação durante o envolvimento do estudante com as atividades propostas.

Neste sentido, a observação dos alunos permitiu identificar diferentes evidências de seu entusiasmo com as atividades, como em algumas de suas falas aqui transcritas. A aluna C comentou: “[...] esse jogo de futebol é muito legal, aqui eu posso jogá-lo [...]”43

. Neste relado podemos observar a aluna fazendo uma alusão à falta de possibilidade que meninas têm para jogar este

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esporte em particular, nas aulas de Educação Física. Muitas vezes, a modalidade futebol já vem carregada de sentidos e conotações: “esporte para meninos”; “esporte para os mais fortes”; “não é esporte para mulheres”. A figura feminina sempre encontrou dificuldades para sua participação no futebol, desde o início da prática desenvolvida em território nacional. Para Goellner (2005), existem vários argumentos para explicar a pouca visibilidade conferida às mulheres no futebol brasileiro tais como:

A aproximação, por vezes recorrente, entre o futebol e a masculinização da mulher e naturalização de uma representação de feminilidade que estabelece uma relação linear e imperativa entre mulher, feminilidade e beleza. Por estarem profundamente entrelaçados, esses argumentos acabam por reforçar alguns discursos direcionados para a privação da participação das mulheres em algumas modalidades esportivas tais como o futebol e as lutas (p.143).

É também importante salientar que a prática esportiva na maioria das vezes inicia na escola, e em alguns casos o preconceito é iniciado neste meio, no qual professores deixam de dar a devida importância às aulas bem como ministrá-las a fim de proporcionar às meninas um aprendizado da mesma forma que aos meninos. Darido (2004) afirma que:

Na Educação Física Escolar, enquanto o futebol constitui-se no principal, quando não o único, conteúdo das aulas dos meninos, às meninas eram oferecidos jogos e brincadeiras infantis e entre as modalidades esportivas podia-se encontrar o voleibol, o basquetebol e o handebol (DARIDO, 2004, p. 3).

Em relação à questão de gênero o papel do professor, torna-se mais complexo, uma vez que ele deve considerar todas as características do contexto pedagógico para tomar a decisão de unir ou separar os grupos de alunos.

A escola, enquanto espaço de construção de conhecimento, vem contribuindo para que, possivelmente se perdure uma divisão sexista, permitindo a transmissão de valores discriminatórios. No contexto da Educação Física escolar, o futebol é um universo cercado de valores, atrelados às características fundamentais da corporalidade masculina, tais como força, competitividade, agressividade e domínio. A não participação feminina no futebol sempre esteve associada às dimensões da perda da saúde, prejuízo à maternidade, razões estéticas e de feminilidade (FARIA JÚNIOR, 1995).

Assim sendo, o laboratório de exergames pode ser um recurso interessante a ser utilizado em aulas regulares de Educação Física para que algumas barreiras ainda existentes possam ser ultrapassadas e permitindo-se assim, um espaço democrático para a prática de esportes e atividades físicas que podem ser taxadas ou rotuladas tanto por parte de professores de Educação Física quanto pelos próprios alunos. Nesta situação, o entusiasmo da aluna foi identificado como uma inspiração para que ela possa se interessar pela modalidade e assim enfrentar dificuldades e desafios que muitas vezes podem estar presentes em outros componentes curriculares da escola.

Já o aluno D falou efusivamente ao jogar boliche: [...]“Strike! Mais um! Estou realmente bom neste jogo" [...]44. Um pouco mais tarde, o aluno pergunta se ele e seus colegas de classe poderiam jogar novamente. Nesta situação, podemos observar que a transmissão de entusiasmo também é compartilhada entre os demais que estão presentes. É como um efeito dominó: no momento que um aluno consegue mostrar aos demais que é possível e que existiu

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melhora na sua prática, os demais podem se estimular e tentar o mesmo feito conquistado pelo outro.

No ambiente do laboratório de exergames, também foi possível constatar que por se trabalhar em pequenos grupos, contendo somente quatro alunos, os estímulos vindos pelos pares é essencial para a construção do entusiasmo na prática esportiva ou de atividades físicas. Mas além desse compartilhamento constante, a inspiração para as atividades ocorreu também de forma bem acentuada com os estímulos, explicações e correções constantes por parte do instrutor do laboratório. O mesmo desempenhou um papel que se faz necessário para que alunos mostrem maior entusiasmo nas aulas. “[...] tentem se posicionar de maneira mais correta, movimentando os braços ao alto e saltando para executar o bloquei no voleibol [...]”45; “[...] dependendo da

velocidade do movimento no tênis de mesa, a bolinha ganha maior velocidade e mais efeito ao quicar na mesa [...]46”.

A partir destes relatos e falas foi possível constatar que o entusiasmo foi uma importante marca nas práticas no laboratório. Cabe aqui ressaltar, contudo, o papel igualmente importante do instrutor que mediava as práticas e tinha um relacionamento bastante positivo com os estudantes.

Outro fator relevante, que prevaleceu em grande parte das observações realizadas nas vivências do laboratório, foi o da empolgação em participar e organizar atividades entre meninas e meninos. Sobre essa questão, Thorne (1993) afirma que a presença de adultos entre crianças pode diminuir a separação de gênero, pois, ao incentivarem a prática conjunta de meninos e

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Fonte Vídeo 11 - Diário de Campo, 17/01/2015.

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meninas, os comentários pejorativos provenientes dessa interação são minimizados. Esta característica se deu em especial quando os próprios alunos propunham atividades mistas entre os pares, e não somente entre participantes do mesmo sexo. Neste caso, as regras para interagir com os jogos dos exergames se diferenciavam de muitas situações de aula regulares de Educação Física, permitindo assim um novo espaço de interação. Geralmente em aula convencionais, alunos e alunas não compartilham muito de situações conjuntas, se distanciando e não permitindo muitas das vezes um contato mais próximo nas atividades escolares. Já no laboratório, foram constante as sugestões de trabalho em pares mistos, para que as atividades pudessem ter um certo teor competitivo, que foi um ponto que pode ter estimulado também os alunos a participar com maior desempenho das atividades.

Na figura 25, é possível observar a interação da dupla composta por um aluno e uma aluna.

Figura 25: interação em uma das atividades entre um praticante do sexo masculino e do sexo feminino.

Interjeições diversas, seguidas de sorrisos e danças comemorativas eram frequentes no laboratório, demonstrando a percepção positiva dos alunos com o desenvolvimento das atividades com os exergames. Ficou claro desde o início do projeto que os alunos se sentiam entusiasmados com o uso dos jogos, o que está alinhado ao fato de que esses eram alunos que começaram suas primeiras descobertas do mundo já interagindo com tecnologias (SUN, 2013).

Na entrevista com os professores, um deles destacou a importância do emprego de novos artefatos pela Educação Física, principalmente por questões motivacionais. Manley e Whitaker (2011) também reforçam essas ideias ao apontar que o uso de exergames pode ser considerado uma novidade e abordagens de ensino inovadoras podem aumentar o entusiasmo dos alunos pelo conteúdo da disciplina.