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4 ANÁLISE SEMIÓTICA E COMPARATIVA DOS TEXTOS DOS CANTORES E COMPOSITORES “LUIZ GONZAGA” E “ADONIRAN BARBOSA”

2. Eu sou Penha garbosa e altiva De areias alvas ao pé do mar

Meu peito airoso todos cativa, Na branca espuma do meu penhar

3. Eu sou a glória das praias belas, Sou também régio de lindas vagas Minhas paisagens são aquarelas Primores raios de minhas plagas,

4. Surjo bailado, cantando agora Sou sempre Bessa formoso, assim Tenho a fulgência da eterna aurora Os pescadores morrem por mim.

Nesta canção, o enunciador fala do orgulho de ser paraibano:

Eu Sou Filho do Brejo de Areia (245)81

3. Eu sou filho do Brejo de Areia Paraíba onde me criei

Eu sou filho do Brejo de Areia Paraíba onde me criei.

1. Eu só quero que a sorte me proteja Nem que seja uma vez na vida Deixei pai, deixei mãe, deixei tudo Dá-me um adeus minha noiva querida

2. Eu sou filho das margens do rio São Francisco ele é meu padrinho Eu sou filho das margens do rio São Francisco ele é meu padrinho.

80 Cantado por Josefa Araújo da Silva, 54 anos, Mamanguape. Gravado em 26/08/84 por Fátima

Almeida.

81 Cantado por Manuel Inácio da Silva, 67 anos, Areia. Gravado em 11/05/84 por Anna Cecília

Na seguinte canção, o enunciador exalta a pessoa do então Presidente do Estado da Paraíba fala sobre suas realizações como gestor e faz uma síntese da história de vida do homenageado:

O Presidente João Pessoa (245)82

Refrão:

Paraíba, Paraíba Do Brasil és a coroa Tens o nome imortal De teu filho João Pessoa

3. O presidente Dr. João Pessoa Está gravado em toda memória É no Brasil, é no estrangeiro E no mundo inteiro

Ficou na história (refrão) 1. O presidente João Pessoa

Sua vida sacrificou

Por Paraíba seu lar querido Foi um homem destemido E assim provou

2. Não trabalhava só por sua terra Queria ele salvar o país

Covardemente foi assassinado Os seus planos invejados Por Washington Luís

(refrão)

A próxima canção também se refere ao então Presidente do Estado, João Pessoa. O enunciador fala sobre a formação da Aliança Liberal composta pelos representantes dos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. A Aliança Liberal apoiava a candidatura de Getúlio Vargas à Presidência da República, tendo como candidato a Vice-Presidente João Pessoa, em oposição à chapa de Júlio Prestes.

Reaja (246)83

82 Cantado por Alaíde Cordeiro Barbosa, 66 anos, Cabaceiras. Gravado em 16/06/84 por M. de

Fátima Batista.

83 Cantado por Alaíde Cordeiro Barbosa, 66 anos, Cabaceiras. Gravado em 16/06/84 por M. de

Fátima Batista.

1. Heróico povo do Brasil amado Contra o Catete fique preparado Se for preciso fazer reação,

É confiar em Juarez e na Revolução

Refrão

Reaja, reaja

Não se deixe vencer Que o povo do Catete Tem a pulso que perder

2. Getúlio Vargas, oh! que gaúcho forte! E João Pessoa, o herói do Norte

Hão de mostrar ao Macaé de Fraque (*) Que aquele Cavanhaque nunca teve sorte

(refrão) (*) Washington Luís.

É oportuno observar a exatidão da estrutura dos versos, como também os discursos que emanam dos textos e a forma como esses discursos são condensados, verificando-se, ainda, a criatividade e o lirismo das composições.

Nas estruturas do nível fundamental, encontra-se a oposição semântica binária básica presença X ausência. O percurso que se estabelece entre os termos ocorre da seguinte forma:

não-presença → não-ausência → presença (disforia) (não-disforia) (euforia)

A representação desse percurso é demonstrada da seguinte forma, no octógono semiótico:

Tensão Dialética

presença ausência

abraço saudade

não-ausência não-presença

Ø

Presença implica não-ausência e ausência implica não-presença. Presença e não-ausência apontam para o fato de, através de uma canção, o eu-enunciador poder mandar um abraço para a Paraíba e, nessa mesma canção, exaltar a sua terra e os seus conterrâneos. Presença é uma categoria semântica eufórica.

Ausência e não-presença significam a saudade que o eu-enunciador sente da Paraíba porque teve de fugir da seca e ir embora, à busca de uma vida melhor. A ausência é uma categoria semântica disfórica.

4.1.1 IRACEMA – ADONIRAN BARBOSA (Anexo 7.1.1)

No nível narrativo, são observados dois momentos do Sujeito Semiótico 1 (S1). No primeiro momento, o S1 (eu-enunciador) tem como Objeto de Valor (OV1)

ficar com Iracema. Impulsionado pelo desejo, que funciona como Destinador (Dor), o S1 aguarda ansioso pelo dia do casamento, tendo como Oponente a morte.

O Programa Narrativo do primeiro momento do S1 é representado neste

diagrama:

Dario Dor (desejo)

S1 OV1

(eu-enunciador) Oponente: morte (ficar)

Para alcançar o seu Objeto de Valor (OV1), ficar com a noiva, o S1 precisa

casar com ela (OV2), mas, para isso é necessário esperar pelo dia do casamento

(OV3). Veja-se o percurso completo do S1 nesse momento:

S1 OV1 (ficar) S1 OV2 (casar) S1 OV3 (esperar)

Nesse primeiro momento, o S1 é sujeito de um querer-ficar com a noiva, o

que o instaura como sujeito semiótico. Para ficar com ela, é preciso que eles se casem. Porém, a morte (Oponente) leva sua amada para o plano espiritual, ficando o S1, disjunto do seu Objeto de Valor (OV1), como se encontra no seguinte

esquema:

Ft →S1 U → OV1 → S1 U → OV1.

No segundo momento, o sujeito semiótico 1 (S1) tem como Objeto de Valor

(OV1) rever o rosto da noiva, Iracema. Ele é motivado pela saudade que é o

Destinador (Dor). Tem como Adjuvante as meias e os sapatos dela e, como Oponente, a perda do retrato. O Programa Narrativo do segundo momento do S1 é

demonstrado no seguinte diagrama:

Dario Dor Adjuvante: meias e sapatos

S1 OV1

(eu-enunciador) Oponente: perda (rever Iracema) do retrato

Para rever a noiva, é preciso que o Sujeito Semiótico 1 (S1) olhe o retrato

de Iracema (OV2) e, para tanto, é necessário que ele esteja com o retrato em

S1 OV1 (rever Iracema) S1 OV2 (olhar o retrato S1 OV3 (ter o retrato)

O S1 é sujeito de um querer-fazer, ou seja, querer rever a noiva, o que o

instaura como sujeito semiótico. Contudo, a perda do retrato dela (Oponente) o impede de atingir o seu Objeto de Valor (OV1), deixando-o em estado de disjunção

com esse objeto, o que se pode representar no seguinte esquema:

Ft → S1 U → OV1 → S1 U → OV1.

O Sujeito Semiótico 2 (S2) é representado por Iracema. Movido pela

necessidade (Destinador), o seu Objeto de Valor (OV1) é atravessar a rua. O S2

tem como Oponente a morte. Eis o seu Programa Narrativo:

Dario Dor

(necessidade)

S1 OV1

(Iracema) Oponente: morte (atravessar a rua)

Para alcançar o seu Objeto de Valor (OV1), o S2 deve ter cuidado (OV2) e,

que não há carros que lhe impeçam a travessia, como se pode ver neste diagrama:

S1 OV1

(Iracema) (atravessar a rua)

S1 OV2

(ter cuidado)

S1 (OV3)

(direção certa)

Instaurado como sujeito semiótico por um dever-fazer e um querer-fazer, o S2 inicia e finda a narrativa disjunto do seu Objeto de Valor (OV1), porque morreu

atropelado e não completou a travessia, não alterando o seu fazer transformador (Ft), como demonstra esquema:

Ft → S2 U → OV1 → S2 U → OV1.

Impulsionado pelo Destinador (Dor) necessidade, o Sujeito Semiótico 3 (S3), representado pelo chofer, tem como Objeto de Valor (OV1) chegar a um

destino. Ele tem como Oponente, Iracema. O Programa Narrativo do S3 é o

seguinte:

Dario Dor

S3 OV1

Para chegar a esse destino, o S3 precisa dirigir o carro (OV2) e a fim de

dirigir o carro, é preciso que o S3 vença os obstáculos (OV3). O seu percurso

completo é este: S3 OV1 (destino) S3 OV2 (dirigir o carro) S3 OV3 (vencer obstáculos)

O S3 detém um dever-fazer e um querer-fazer seu destino que o instauram

como sujeito semiótico. Ele inicia a narrativa disjunto do seu Objeto de Valor (OV1)

e assim permanece até o final porque foi impedido pelo Oponente (Iracema) o que resultou em atropelamento, como demonstrado no esquema:

Ft → S3 U → OV1 → S3 U → OV1.

No nível discursivo, a narrativa do texto Iracema estrutura-se na 1ª pessoa marcada pelos pronomes eu, meu, me e nóis (nós) que indicam a presença do eu- enunciador, caracterizando uma embreagem espácio-temporal sincrética. Verifica- se a 2ª pessoa no pronome te e, também, no pronome você, assim como no nome Iracema que é o interlocutário do eu-enunciador. A 3ª pessoa vem marcada nos nomes Nosso Senhor, chofer, na expressão meu grande amor e nos pronomes ela, suas e seus. Os atores situam-se nas três zonas antrópicas: o eu-enunciador

na zona identitária, o interlocutário (Iracema) na zona proximal e, na zona distal, o chofer, Nosso Senhor, ela, suas e seus.

O tempo se alterna entre passado, presente e futuro, marcado nas formas verbais do pretérito perfeito e imperfeito – vi, foi (ir), chorei, foi (ser), dizia, falava, escuitava (escutava), travessou (atravessou), perdi, fartava (faltava), ia (íamos), vem (presente histórico‹=› veio), pincha84

84 Pinchar. [Do esp. pinchar.] V. t. d. e i. – 1. Impelir fazendo saltar; empurrar, derrubar. Ferreira

(1975, p. 1086)

(presente histórico‹=›pinchou). no advérbio nunca, reforçando o sentido do verbo ver, em Eu nunca mais eu te vi, isto é, faz muito tempo, caracterizando uma debreagem espácio-temporal do enunciador em relação ao momento da enunciação. Observe-se, também, que os verbos empregados no pretérito imperfeito – dizia, falava, escuitava –, demonstrando a propriedade aspectual de continuidade da ação, exprimem a constante preocupação do enunciador em alertar a noiva sobre as consequências de um descuido ao transitar pelas ruas. O presente está no advérbio hoje e nas formas verbais vive e guardo, apontando para uma embreagem temporal do enunciador com a enunciação. O futuro está na forma subjuntiva em ao travessar que equivale a quando for atravessar, como também na expressão vinte dias, na frase Fartava vinte dias pro nosso casamento.

O espaço é definido em rua, céu, juntinho de Nosso Senhor, Rua São João e no chão, com relação a Iracema, e é indefinido quanto ao eu-enunciador, entendendo-se como um espaço qualquer onde ele estava no momento em que compôs o texto.

Rua e chão são espaços disfóricos, pois representam perigo, desastre e morte. Céu e juntinho de Nosso Senhor são espaços eufóricos que significam o consolo e a esperança de reencontrar o ser amado na eternidade.

O progresso significa mudanças às quais o ser humano deve se adaptar. No entanto, essa adaptação precisa acompanhar o ritmo do progresso, que quase sempre é rápido e, de modo geral, embora ocorra para proporcionar benefícios, a inobservância a esse ritmo, bem como ao que se preconiza quanto às limitações das invenções concebidas em favor do progresso, podem gerar consequências trágicas – sem exagero – em poucos segundos.

É o caso dos acidentes de trânsito que, infelizmente, passaram a fazer parte do cotidiano, principalmente das grandes cidades, apesar das advertências e campanhas dirigidas tanto aos motoristas quanto aos pedestres. Quando transitam nas ruas, os pedestres, por ingenuidade ou ousadia, cometem certas imprudências que, muitas vezes, resultam em um acidente fatal, ou seja, interrompe-se uma vida, um futuro, devido a uma falta de atenção, ou a uma pressa desnecessária. Foi esse o motivo que desencadeou o sofrimento do eu- enunciador na narrativa do texto Iracema.

Os versos que abrem a primeira estrofe – Iracema, eu nunca mais eu ti vi/Iracema, meu grande amor, foi embora – figurativizam os sentimentos de saudade e abandono do eu-enunciador pela ausência de Iracema enquanto os versos seguintes – Eu chorei,/Eu chorei de dor porque/Iracema, meu grande amor foi você – discursivizam a intensidade desses sentimentos, ao mesmo tempo em que justificam o estado emocional dele.

A segunda estrofe discursiviza o motivo pelo qual o eu-enunciador se sente abandonado por Iracema. Foi justamente de que se falou no início desta análise: a imprudência ao transitar pelas ruas. Ele a advertia – Iracema, eu sempre dizia/ Cuidado ao ‘travessar essas rua, mas Iracema não dava importância aos conselhos dele, como se vê na discursivização em Eu falava,/ Mas você não me escuitava não, e continuou a atravessar as ruas sem o devido cuidado – Iracema, você travessou contramão –, teimosia que lhe custou a vida. Ocorre que, àquela época, início da década de 1950, o povo ainda não era educado para o trânsito e os conselhos eram muito frágeis. Frases como Olhe para os dois lados! Veja se vem carro! Tenha cuidado! eram proferidas sem mostrar uma verdadeira dimensão de perigo. De fato, em 1951, mesmo já tendo um fluxo razoável de

veículos, onde conviviam bondes, ônibus e automóveis, na cidade de São Paulo, é provável que os pedestres não tomassem certas precauções na travessia de ruas. Dessa forma, ocorreu a morte de Iracema.

De início, tem-se a impressão de que o rompimento fora causado por motivos que comumente põem termo a uma relação e Iracema teria abandonado o eu-enunciador. Contudo, a morte não deixa de ser uma espécie de abandono, pois, quando se perde um ente querido, as pessoas se sentem de certa forma abandonadas porque, citando um lugar-comum, o indivíduo nasce e morre sozinho.

Os três primeiros versos da terceira e última estrofe – E hoje,/ Ela vive lá no céu/ E ela vive bem juntinho de Nosso Senhor – figurativizam o sentimento de conformação fundamentado em uma formação religiosa, onde se encontra o conforto para a aceitação da morte porque se acredita na eternidade da alma. Contudo, a dor de ter perdido Iracema torna-se mais intensa, pois o desejo de revê-la não poderá ser realizado pelo eu-enunciador, nem mesmo através de uma fotografia porque ele perdeu o único retrato dela, restando-lhe como recordação somente as meias e os sapatos, provavelmente os que ela usava no momento em que morreu, fatos que vêm discursivizados nos versos De lembrança guardo somente/ Suas meias e seus sapatos,/ Iracema, eu perdi o seu retrato. Iracema era uma mulher que se vestia bem, pois usava meias, e era também voluntariosa. Devia ser bonita porque o enunciador sente a falta de olhá-la, mesmo que seja através de um retrato. Observe-se, ainda, que o enunciador profere oito vezes, o vocativo Iracema, figurativizando o desejo que ele sente de trazê-la para junto de si.

A discursivização no texto em prosa que vem depois da última estrofe esclarece e reforça a queixa do eu-enunciador sobre a morte da mulher amada. Eles estavam noivos e o casamento seria realizado dali a vinte dias, mas a teimosia da noiva resultara em sua morte, impedindo-os de desfrutar a oportunidade de viverem juntos para constituir uma família, selando o amor que os unia, como se vê nas frases Iracema, fartava vinte dias pro nosso casamento,/ Que nóis ia se casar... Você atravessou a Rua São João,/ Vem um carro, te pega

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