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Em entrevista concedida a um jornal on-line (CONEXÃO-TO, 2014) , Ruiter de Pádua, secretário executivo de Agricultura e Pecuária, disse que a expectativa da SEAGRO era de crescimento26 contínuo para a silvicultura no Tocantins. A silvicultura era um dos destaques do agronegócio no estado e foi apresentada como uma “atividade sustentável”, devido à opção de implantação das florestas plantadas em áreas degradadas em conjunto com a pecuária, por meio do sistema agrossilvopastoril27. No entanto, esta mesma matéria revela uma contradição ao divulgar informação da SEAGRO que “[...] apesar de ser considerada uma alternativa de produção para os agricultores, o plantio de eucalipto já é a principal atividade produtiva para alguns produtores do Tocantins [...]” (TOCANTINS, 2014).

Perceba a contradição: se o cultivo do eucalipto é a principal atividade para alguns produtores, o cultivo agrossilvopastoril é restrito para alguns casos e os projetos de grande escala, que operam com a monocultura, é que são a regra. Nesta pesquisa, não obtive informações que confirmem que o sistema agrossilvopastoril tenha sido implantado em larga escala no Tocantins, como sugere o representante do governo estadual ao sustentar que esse negócio seja sustentável. Tampouco há informações acerca da utilização de áreas degradadas. Nesta mesma ocasião, o assunto em pauta era a intenção da Eco Brasil Florestas de implantar uma indústria no município de Araguaína, com a possível geração de dez mil empregos no projeto de celulose e mil na fase florestal (CONEXÃO-TO, 2014). O que não é dito na matéria, é que os empregos gerados na fase florestal são, em sua grande maioria, sazonais. Isto é, em alguns poucos meses do ano, a empresa até pode empregar mil pessoas, mas este número é reduzido drasticamente em alguns dos meses do ano, ficando apenas a mão de obra com maior qualificação empregada durante o ano todo.

Nesta mesma entrevista, o representante da SEAGRO destacou o Programa de Industrialização Direcionada (Próindústria), um programa do governo do Tocantins para este tipo de investimento. O Próindústria é regulamentado pela Lei Estadual nº 1.385 de 09 de julho de 2003(TOCANTINS, 2003) e prevê benefícios fiscais e incentivos para indústrias que se

26 O plantio de eucalipto no Estado cresceu 577% desde 2006, quando a área era de 13.000 hectares, alcançando 75.977 hectares em 2011 (TOCANTINS, 2014).

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instalam no Tocantins28. Dentre eles, estão a isenção do ICMS e também financiamento de capital de giro e da infraestrutura básica necessários aos empreendimentos incentivados (TOCANTINS, 2003). Nada é dito a respeito de possíveis impactos decorrentes da atividade produtiva, tampouco os relaciona com comunidades tradicionais.

No governo federal, dentre as ações que visam o fortalecimento da silvicultura, destacamos o incentivo estatal expresso pelo Decreto 8.375 de 11 de dezembro de 2014, que instituiu a Política Nacional de Florestas Plantadas29. Essa política estimula o plantio do eucalipto e visa o aumento da produção de bens e serviços florestais para o “desenvolvimento social e econômico do país e a redução dos efeitos das mudanças climáticas e versa ainda, sobre a melhoria da qualidade de vida no meio rural” (BRASIL, 2014).

A Política Nacional de Florestas Plantadas, porém, nada diz a respeito do cultivo dessas florestas plantadas em áreas próximas às comunidades tradicionais, sejam elas indígenas/quilombolas ou quaisquer outras que vivem em áreas pretendidas pelo mercado do eucalipto. Verifica-se que há um conflito quanto ao papel do Estado, que deve atuar no reconhecimento e titulação dos remanescentes de comunidades de quilombos (legalização de seu direito consuetudinário), e que, concomitantemente, formula políticas de desenvolvimento que cruzam territórios tradicionais, sem considerar as comunidades em questão.

Com o objetivo de fortalecer a silvicultura no Tocantins, foi apresentado, em 2014, à população do estado, um relatório organizado pela Secretaria do Meio Ambiente Desenvolvimento Sustentável do Tocantins – SEMADES, no qual foi proposta a reformulação da Política Estadual de Florestas e a criação do Plano Estadual de Florestas. O documento faz um diagnóstico do setor florestal no estado, incluindo, além do eucalipto, a seringueira e o extrativismo em florestas nativas30. É estruturado em três eixos estratégicos (social, ambiental- florestal e econômico). A apresentação do eixo social é feita da seguinte forma:

O Eixo Estratégico 1 (Social) está fundamentado no conceito de desenvolvimento sustentável. A sustentabilidade social está relacionada à garantia de qualidade de vida da população. É fundamental haver o efetivo envolvimento, consideração dos

28 De acordo com o artigo 2º da Lei 1.385, a finalidade do Próindústria é de promover: I – a interiorização da atividade industrial; II – a geração de emprego e renda; III – o estímulo à utilização e à transformação de matéria- prima local; IV – o uso sustentado dos recursos naturais; V – a gradativa desoneração da produção.

29 Decreto presidencial Nº 8.375, de 11 de dezembro de 2014.

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interesses e capacidades dos atores chaves envolvidos (governo, setor privado e sociedade civil) (TOCANTINS, 2014, p. 55)

O destaque dado ao envolvimento dos atores no texto Eixo Estratégico, bem como a importância dada à sustentabilidade social que visa a qualidade de vida da população, são aspectos muito importantes a serem analisados. Isto porque, quando se fala em envolvimento dos atores chaves (governo, setor privado e sociedade civil), deve-se averiguar a eficácia de tal afirmação. Isto é, se são apenas palavras usadas para conseguir a aprovação da sociedade, mas tornadas sem efeito em sua aplicação. As notícias veiculadas sobre a formulação e apresentação do documento, nada falam sobre a participação de pessoas de fora do meio empresarial e governamental. O relatório apresenta vários eventos realizados em todo o estado. São visitas técnicas, palestras, debates, oficinas técnicas e até mesmo uma consulta pública junto à sociedade tocantinense.

No entanto, a consulta pública ocorreu apenas virtualmente no site da SEMADES entre os dias 22 de maio e 05 de junho de 2014, um período curto e com divulgação feita no Diário Oficial. Um assunto de tal magnitude, deveria ter sido alvo de maior divulgação visto que o Diário Oficial não possui capacidade de penetração na maioria da população. A minuta do projeto de Lei da Nova Política Estadual de Florestas e o documento do Plano Estadual de Florestas do Tocantins são temas importantes para a população em geral, em especial para aqueles que são afetados, por isso, a divulgação em outros meios de comunicação é imprescindível para permitir o acesso dessas pessoas ao processo.

Um ponto positivo (mas nem tanto) é que no subitem acerca do Meio Biótico31 o relatório faz uma menção às áreas especiais de interesse ambiental. As áreas especiais destacadas no relatório são as Unidades de Conservação, as terras indígenas, os territórios quilombolas e os assentamentos do INCRA, conforme mostra a figura 5 – Áreas especiais no Tocantins:

31 De acordo com o Art. 6º da Resolução CONAMA nº. 001/86, a caracterização do meio biótico inclui a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente.

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Figura 5 - Áreas especiais no estado do Tocantins

Fonte: TOCANTINS, 2014, p. 26

Em análise feita ao documento da SEMADES, percebe-se que o tratamento dado às comunidades quilombolas está equivocado. De acordo com a legenda da figura 5, os itens destacados em roxo representam as comunidades quilombolas do Estado, no entanto, apesar de

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mostrar as comunidades distribuídas pelo Estado, ele somente considera como territórios quilombolas, três delas (SEMADES, 2014): apenas os territórios que estão com processo de demarcação e titulação já adiantado junto ao Incra. As comunidades que estão pleiteando a regularização fundiária, não foram consideradas. Entende-se que um estudo de tal magnitude deve caracterizar corretamente as comunidades tradicionais, visto que o Eixo Social prega melhoria da qualidade de vida e participação da sociedade civil envolvida.

Umas das três comunidades listadas no relatório é a Comunidade remanescente de quilombo do Grotão, localizada no município de Filadélfia-TO, divisa com Palmeirante e objeto desta pesquisa. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE Cidades, 2015), em 2006 não havia plantação de eucalipto no município de Filadélfia, enquanto que em 2015, o município possuía 380 hectares da espécie. No entanto, apesar de a comunidade remanescente de quilombo Grotão estar localizada no município de Filadélfia, a área de plantio de eucalipto que está próxima à comunidade está localizada em Palmeirante, município que faz divisa com o território da comunidade. Os impactos da chegada do eucalipto no entorno da comunidade são discutidos no item 4.4 intitulado “Nós queremos o cerrado, nós queremos o nosso território”.

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