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2.1 Breve percurso histórico: a importância dos números primos para a Matemática

2.1.2 Euclides

A primeira apresentação sistematizada do que viria a ser a Teoria dos Números aparece nos Elementos de Euclides (360-295 a.C). Os livros VII-IX são dedicados a este tema, por meio de tópicos como a divisibilidade de inteiros, a adição de séries geométricas, algumas propriedades dos números primos e a prova da irracionalidade do número 2. Aí se encontra tanto o “algoritmo de Euclides”, para achar o máximo divisor comum entre dois números, como o “teorema de Euclides”, segundo o qual existe uma infinidade de números primos (EUCLIDES, livro IX, proposição 20, 2009).

De fato, inicialmente, os conceitos de mdc e mmc devem estar bem estabelecidos para que o Crivo de Eratosthenes e o Algoritmo de Euclides possam ser compreendidos. Hefez (2006) lembra que esses conceitos se encontram no Livro VII dos Elementos e, apesar de mais de dois mil anos desde sua escrita, eles continuam atuais.

Dados dois números naturais a e b, não simultaneamente nulos, diremos que o número natural d IN* é um divisor comum de a e b se d|a e d|b.

Diremos que d é um máximo divisor comum (mdc) de a e b se possuir as seguintes propriedades:

i) d é um divisor comum de a e de b, e

ii) d é divisível por todo divisor comum de a e b (HEFEZ, p. 53, 2006) Aventa-se, neste ponto, por exemplo, que os futuros professores conheçam o Algoritmo de Euclides. Além da importância imediata para o cálculo do mdc, ele é o método mais usual para determinar uma solução inteira da equação difantina linear ax + by = c, onde mdc(a,b) divide c e a, com b e c inteiros.

O algoritmo de Euclides demonstra, de forma construtiva, a existência do mdc. Sobre esse algoritmo, Hefez observa que “o método, chamado de Algoritmo de Euclides, é um

primor do ponto de vista computacional e pouco conseguiu-se aperfeiçoá-lo em mais de dois milênios” (HEFEZ, p. 56, 2006).

As muitas definições, propriedades, teoremas e corolários presentes nesses assuntos se constituem um momento único na formação dos futuros professores com relação a conteúdos que estão muito presentes na educação básica. Em nenhuma outra disciplina o futuro professor terá a oportunidade de discutir matematicamente essas questões da Aritmética. Como Resende (2007) apontou, a Teoria dos Números deve ser vista como um saber a ensinar voltado para a formação inicial do professor da escola básica, procurando levantar possibilidades para ressignificar essa área nos currículos da licenciatura em matemática.

Cabe, entretanto, discutir outros conceitos importantes relacionados à teoria dos números e aos primos, e opta-se aqui por fazê-lo em um contexto histórico. Assim, como se disse, os livros VII a IX são dedicados a conceitos sobre teoria dos números. Destaca-se alguns resultados importantes nos quadros 1 e 2 (EUCLIDES, 2009).

Quadro 1 – Euclides e a teoria dos números (livro VII) Livro VII

VII.1-2: Algoritmo de Euclides

VII.30 : Se um primo p divide ab, então p | a ou p | b

VII.31 : Todo número composto é divisível por um número primo Livro VII – Teoria das Proporções

Fonte: O autor

Quadro 2 – Euclides e a teoria dos números (livro IX)

IX.14: Teorema fundamental da aritmética (todo número inteiro maior que 1, decompõem-se de forma única, exceto pela ordem dos fatores, em produto de fatores primos)

IX. 20: (Teorema da infinidade dos Primos): Não existe o maior número primo IX.35: A soma dos termos de uma progressão geométrica

IX.36: Teorema sobre os números perfeitos

Os quadros 1 e 2 destacam importantes proposições contidas nos Elementos (EUCLIDES, 2009). Sendo os números primos o objeto principal desta pesquisa, mostra-se a seguir quatro demonstrações sobre a infinidade dos números primos (IX 20) que ilustram muito bem os grandes avanços que esse conceito vem produzindo na matemática há milhares de anos.

A primeira demonstração, com atualizações na linguagem, é a mesma que se encontra em “Os Elementos”. Ela é considerada universalmente pelos matemáticos como um modelo de elegância matemática. Euclides emprega o método conhecido como redução ao absurdo (EVES, 2011).

A segunda demonstração reescreve a primeira utilizando as notações e linguagem matemática atuais.

A terceira demonstração, trazida aqui em caráter ilustrativo, é devida a Leonhard Euler (1707-1783) e mostra uma transição importante pela qual passou a teoria dos números. Métodos da análise matemática começaram a ser usados para dar respostas aos seus problemas. Os métodos usados por Euler iniciaram um novo ramo na matemática chamado Teoria Analítica dos Números.

A quarta demonstração, também de caráter apenas ilustrativo, é devida a Hillel Fürstenberg e foi publicada pela primeira vez em 1955. É a quinta das seis demonstrações sobre a infinidade dos números primos que aparecem no livro Proofs from THE BOOK (AIGNER, ZIEGLER, 2010). Ficou famosa por ser chamada de “demonstração topológica”. Os conceitos subjacentes à demonstração podem ser vistos em Lipschutz (1971).

Demonstração 1. Teorema de Euclides (Proposição 20, livro IX), propõe que os números primos são mais numerosos do que qualquer quantidade que se tenha de números primos.

Sejam, então, A, B e C os números primos propostos. Diga-se que há mais números primos que A, B e C.

Figura 2 – Representações sobre primos

Fonte: Euclides, 2009 (adaptado)

Para tanto, tome-se o menor número medido por A, B, C, chamando-o de DE, e acrescentando-se a DE a unidade EF, como indica a figura 2. Então, DF é primo ou não. Supondo que seja primo, então terão sido encontrados os números primos A, B, C e EF, que são mais que A, B, e C.

Suponha-se, entretanto, que EF não seja primo; então, é medido por algum número primo: seja, assim, medido por um número primo G. Diga-se que G não é o mesmo que nenhum dos números A, B, C, pois, se fosse possível, seria. Mas A, B, C, medem o DE, então G medirá também o DE. E também mede o EF; e G, sendo um número, medirá também a unidade restante DF; o que é um absurdo. Logo, G não é o mesmo que nenhum dos números anteriores A, B, C. E foi suposto que era primo. Por conseguinte, hão sido achados mais números primos do que a quantidade proposta dos números A, B e C.

Demonstração 2. A segunda demonstração para o Teorema de Euclides, entendido como “existem infinitos números primos”, utiliza um raciocínio indutivo: considerando que a afirmação seja verdadeira, então, basta mostrar que, sendo p um primo qualquer dado, então sempre vai existir um primo maior que p. Seja 2, 3, 5, ..., p a lista completa de todos os primos até p. Forma-se o númeroP      2 3 5 7 ... p 1. Fica claro que p < P e também que P não é divisível por quaisquer dos primos 2, 3, 5, ..., p. Entretanto, P ou é primo ou é divisível por algum primo q < P. No último caso, a observação anterior implica que q > p. Assim, em qualquer caso, existe um primo maior que p (RIMBENBOIM, 2012).

Demonstração 3. A terceira demonstração, desenvolvida por Euler, considera a identidade (I), provada por ele mesmo, que liga a função zeta com os números primos:

1 1 1 1 s s n n p p     

(I)

Onde:  1 1 1 1 1 1 1 ... 2 3 4 5 s s s s s n n        

, é a função zeta que converge para s >1.

 1 1 . 1 . 1 ...

1 s 1 2 1 3 1 5s s s

p p   

   

, produto com todos os números primos.

Se houvesse apenas um número finito de primos, então o produto do segundo membro de (I) seria um produto finito e teria um valor finito para s>0, inclusive para s=1.

Faça-se, em (I), s = 1: 1 1 1 1 1 n n p p     

 

(II)

O primeiro membro de (II) é a série harmônica

1

1

n n

que diverge a infinito. Essa contradição mostra que existe um número infinito de primos (SIMMONS, 1988)

Demonstração 4. Considere-se a quarta demonstração devida a Fürstenberg: seja a seguinte topologia no conjunto Zdos inteiros: para a b, Z, b , tem-se: 0

, { : }

a b

Na nb n Z

Cada conjunto Na b, é uma dupla progressão aritmética infinita, uma vez que,

ordenando seus elementos x b , obtém-se uma progressão aritmética de termo inicial b e razão a ; a outra ordenação dos elementos x b nos dá uma progressão aritmética de termo inicial também b, mas de razão - a .

Seja o conjunto   Zaberto se cada  é vazio, ou se para todo a   existe algum 0

b com Na b,  . E a união de conjuntos aberto é aberta. Se   são abertos, e 1, 2

1 2

a  com Na b,  1 e Na b,  2, então a Na b b, ,1 2    1 2.

Assim, pode-se concluir que qualquer interseção finita de conjuntos abertos é novamente aberta. Logo, essa família de conjuntos abertos fornece uma interessante topologia em Z.

Seguem, ainda, dois fatos:

(A) Qualquer conjunto aberto não vazio é infinito. (B) Qualquer conjunto Na b, é fechado também.

Na verdade, o primeiro fato decorre da definição. Para o segundo, observa-se que

1 , , 1 / b a b a i b i N N     Z ,

o que prova que N é o complementar de um conjunto aberto e, portanto, fechado.

Uma vez que qualquer número n 1, 1 tem um divisor primo p, e, portanto, está contido em N0, p, concluímos 0, . /{ 1,1} p p P N    Z

Agora, se P for finito, então 0, .p p P

N

seria uma união finita de conjuntos fechados (pela condição B), e, portanto fechado. Consequentemente, {-1, 1} seria um conjunto aberto, uma violação da condição A (AIGNER; ZIEGLER, 2010).

Ribenboim (2012) apresenta outras provas além das apresentadas aqui, e comenta aspectos e curiosidades interessantes sobre determinadas demonstrações.

Igualmente importante no âmbito deste trabalho é o TFA. De fato, dentre todos os teoremas que devem fazer parte da bagagem matemática do futuro professor, este é indispensável. Por meio dele, deve-se compreender que todo número natural maior que 1 ou é primo ou se escreve de modo único (a menos da ordem dos seus fatores) como um produto de números primos. A compreensão deste teorema, como já indicado no capítulo anterior, deveria permitir conexões envolvendo os conceitos de fatoração, divisibilidade, primalidade, entre outros.

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