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Eugénio IV (Gabriel Condulmer), a estrutura institucional e a construção

Eugénio IV

Gabriel Condulmer, Cardeal presbítero do título de São Clemente, no dia 3 de Março ano de 1431, no mosteiro de Santa Maria Sopra Minerva de Roma foi eleito em Sumo Pontífice, dia XI desse mês frente à Basílica de São Pedro foi coroado, cerca da aurora do dia 23 de Fevereiro do ano de 1447, no palácio Vaticano partiu para o Senhor552.

Assim se exprime um códice da Biblioteca Vaticana para registar os dados extremos do pontificado de Eugénio IV.

Por sua vez, os Diaria de Roma, em que a Cúria foi registando ao longo de séculos os acontecimentos principais da cidade Eterna, informam-nos que a 19 de Fevereiro de 1431 Martinho V sofre uma apoplexia; morre no dia seguinte. A 1 de Março os cardeais reúnem- se em conclave em Santa Maria sopra Minerva, onde dois dias depois Gabriel, Cardeal Condulmer, é eleito Papa, tomando o nome de Eugénio IV. O Diário Romano regista ainda que a 11 desse mês o Papa é coroado na sua Sé, a basílica de S. João de Latrão553.

O novo pontífice, como vimos, não é estranho ao sólio pontifício, onde antes dele, e no meio da enorme controvérsia do período final do Cisma, pontificou o seu tio Gregório XII. O seu pontificado não estará isento de controvérsias, e será igualmente assombrado pelo fantasma do cisma, na pessoa do Duque Amadeu de Sabóia, que o concílio de Basileia, em aberta oposição a Eugénio IV, elegerá Papa Félix V, o último antipapa da Igreja554.

Não deixa de ser paradigmático que a principal luta do pontificado de Eugénio seja contra o concílio e contra a ideia de uma Igreja conciliarista, a mesma que manejada habilmente pelos participantes do concílio de Constança tinha dado resolução à crise cismática.

Sobrinho de um Papa que renunciou perante o concílio, Eugénio IV procura restaurar a plenitude da potestade pontifícia perante a mesma instituição, e o resultado será uma

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Traduzido livremente do latim original: “Eugenius IV. Gabriel Condolmerius presb. Card. Tit. Sancti Clementis die 3 Martii anno 1431 in Monasterio Sanctae Mariae supra Minervam Romae in Summum Pontificem eligitur, die XI eiusdem mensis antefores Basilicae Beati Petri coronatur, die 23 februarii circa auroram anno 1447 in Palatio Vaticano migravit ad Dominum.”. Cf. BAV- Manoscritti, VAT.LAT.12131.

553 BAV- Manoscritti, VAT.LAT.7167 – Diaria seu acta [Romanorum Pontificum] ab anno 1378 usque

ad 1596. Difere assim do documento anterior que afirma ter sido o Papa coroado frente à basílica de São Pedro.

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inversão de tendências: do concílio dos três Papas a Igreja passa ao Papa com dois concílios555. Mas sobre esta questão o ponto 1.3.3 deixou já uma visão clara.

As complexidades do pontificado de Eugénio IV, que parece a muitos títulos ter sido um pontificado difícil, são relevantes para perceber o modo como um homem austero, com um percurso associado a uma determinada ideia de reforma da Igreja, acabará por não conseguir, atingido o vértice da pirâmide eclesiástica, empreender uma reforma mais alargada do que aqueles esforços reformistas que se conseguem identificar no seu pontificado, e de que o apoio às Congregações de Alga e de Vilar de Frades (que de S. João Evangelista só a partir de 1461) é um dos mais relevantes exemplos.

2.3.1 - Gabriel Condulmer - Cónego, Bispo e Cardeal: perfil de

um jovem reformador

Gabriel Condulmer terá nascido em Veneza em 1383556, filho de Ângelo Condulmer, um mercador veneziano cuja pertença à nobreza não é muito certa557, e de Beriola Correr, ela sim de indiscutível extração patrícia, e irmã do então bispo de Castelo, Ângelo Correr, o “nosso” Gregório XII.

Os diversos autores que se debruçam sobre a sua vida, desde os cronistas mais antigos558 aos biógrafos contemporâneos559, acentuam que o evento determinante da sua infância e juventude foi a morte precoce do seu pai. O desaparecimento de Ângelo Condulmer permite a Ângelo Correr, então já um prelado em via ascendente na carreira eclesiástica, ocupar o lugar da figura paterna na vida do seu sobrinho.

À semelhança do que fizera com o seu sobrinho António, Ângelo Correr vai lançar cedo as bases da carreira eclesiástica de Gabriel.

555 Entenda-se, do concílio de Constança com três obediências papais (Gregório XII Correr de Roma,

Bento XIII de Luna de Avinhão e João XXIII Cossa de Pisa), passa-se no pontificado de Eugénio IV a ter os dois concílios simultâneos, o de Basileia que fora ainda convocado por Martinho V, e o concílio de Ferrara- Florença que o próprio Eugénio convoca, como transferência do de Basileia.

556 Esta tem sido a data mais tradionalmente aduzida, nomeadamente pelo mais recente biógrafo, HAY

(2000). SARTORELLI (1988) inclina-se para 1381, argumentando com a convicção pessoal de que o facto de ser presbítero em 1404 obrigaria a que, caso fosse nascido em 1383, tivesse sido ordenado muito antes dos 25 anos prescritos pelo Concílio de Viena. Esta convicção estará incorrecta, na medida em que, como relembra Hay, quando nomeado bispo de Siena pelo tio Gregório XII em 1407, Gabriel Condulmer teve de ser dispensado pelo facto de ainda não ter os 25 anos de idade necessários para alcançar esta dignidade, concluindo-se que o ano de 1383 é, com toda a probabilidade, o ano efectivo do seu nascimento.

557 HAY (2000) diz claramente que era um nobre veneziano, já SARTORELLI (1988) diz que os

Condulmer eram uma família distinta já na Veneza tribunícia, e de que um ramo seria elevado ao patriciado em 1381, sendo que no entanto Gabriel pertenceria a um ramo que só em atingiria este patamar superior da sociedade da Sereníssima em 1554.

558 Caso do seu contemporâneo Giovanni da Bisticci, BISTICCI (1859), pág. 6, ou o cardeal Querini,

QUERINI (1761), pág. 6.

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Estudará Filosofia e Teologia560, em data incerta, na Universidade de Pádua, seguindo a tradição da família e da elite veneziana, na mesma zona onde se pensa que possa ter nascido561, já que a região de Pádua era uma das escolhidas pela elite veneziana para as suas propriedades na terra ferma.

Em 1400, e como aconteceu com seu primo António Correr, Gabriel obtêm da influência do tio Ângelo Correr, então já Patriarca de Constantinopla, o primeiro degrau da sua carreira eclesiástica, com a concessão pelo Papa Bonifácio IX de um canonicato na Sé de Verona, a que se somará no ano seguinte a comenda do mosteiro de St.º Agostinho de Vicenza562.

A sua participação ativa na fundação de Alga, cujo processo já se abordou nos pontos anteriores, faz-se ainda muito jovem, pois encontramo-lo na passagem de século e no seu primeiro benefício eclesiástico entre os 16 e 17 anos de idade.

Se a António Correr tem-se reconhecido, como visto, a opção de vida clerical como uma decisão tomada numa idade mais madura, a de seu primo Gabriel, com quem parece ter estado mais ou menos emparelhado, é uma opção de fundo que se pode atribuir não só à influência do tio Ângelo mas também a uma inclinação juvenil que já Bisticci deixou registada563 e de que dá testemunho, certamente mais autorizado, Luís Barbo, que do futuro Papa escreveu “quid ab infantia reformare deformata anxie concupivit”564

.

Com António Correr, e depois com os outros fundadores de Alga, sob a figura tutelar de seu tio o patriarca Ângelo Correr, o jovem Gabriel Condulmer participa ativamente na formação da nova comunidade canonical, semente da Congregação.

Clérigo secular, consciente (apesar da juventude) da crise da Igreja e da necessidade de reforma, Gabriel era participante dos debates dos círculos reformistas, não só daqueles em que participavam os membros da sua família e que resultariam na fundação da comunidade de Alga, mas também pela proximidade que terá tido a uma outra figura reformista, Bartolomeu de Roma565.

560 PAPADOPOLI (1726), pág. 167. 561

Idem, ibidem; SARTORELLI (1988).

562 TOMASINI (1642), pág. 6; TASSI (1952), pág. 14.

563 “Mori il padri, sendo lui molto giovane, e lasciollo molto ricco di beni temporali; in modo che,

conosciuta a buon’ ora la miseria di questa vita, volle solvere i tenaci legami de beni temporali delle ricchezze di questo infelice mondo, e dette per amor di Dio Ducati venti mila. Dispensati i beni temporali, determino volere essere erede di beni eternali […] Entrati in questo luogo [S. Jorge em Alga] attesono a farsi perfetti nella vita spirituale…” cf. BISTICCI (1859)

564 Passagem do seu “De initiis Congregationis Sanctae Justinae de Padua», citado em TASSI (1952),

pág. 15.

565 Assim o afirma o biógrafo de Bartolomeu de Roma ZAFARANA (1964); já TASSI (1952), chamara a

atenção para a importância das relações entre António Correr, Gabriel Condulmer e Ludovico Barbo com Bartolomeu de Roma, que seria uma das fontes de inspiração para a fundação da Congregação de S. Jorge em Alga e depois para a reforma de St.ª Justina de Pádua.

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Bartolomeu de Roma (n. ca. 1350, + 22/09/1430), iniciou a sua vida religiosa como clérigo secular. Pensa-se que pouco depois da sua ordenação presbiteral tornou-se um pregador itinerante, área em que se irá notabilizar, centrando-se particularmente na região lombardo-veneta, onde parece ter tido forte influência em meios reformistas, particularmente os que já se mencionaram566.

A pregação de Bartolomeu centrar-se-ia principalmente na reforma da Igreja, particularmente a do universo eclesiástico, não poupando nem os pontífices às suas censuras. Pregador e reformador, foi igualmente asceta e místico e um influenciador importante daquele grupo de jovens clérigos que em Alga iniciavam um novo modo de vida567.

A ligação de Gabriel Condulmer, bem como de António Correr e de Luís Barbo, com Bartolomeu de Roma é atestada em crónica que descreve a sua vida, e que os elege como principais exemplos (pela ordem aqui usada) das conversões obtidas pela sua pregação568.

Um exemplo da proximidade entre Bartolomeu e Gabriel encontra-se no mosteiro de St.º Agostinho de Vicenza, que em 30 de Junho de 1399 é transformado em paróquia pelo bispo diocesano e entregue como benefício com obrigação de cura de almas a Bartolomeu de Roma, benefício que no entanto só manterá brevemente569. Em 1401 o benefício é entregue a Gabriel Condulmer, que apesar de essencialmente absente da sua igreja terá no entanto utilizado os seus rendimentos para financiar a comunidade de S. Jorge em Alga. Após a sua partida para Roma e nomeação para o colégio de Cardeais, Gabriel irá, em 1408, entregar este benefício ao cónego de Alga Lourenço Justiniano, com objetivo (cumprido) de o transformar em comunidade da Congregação570.

Sabendo nós que a sucessão de Condulmer por Justiniano se dá objetivamente com o fito (agora que Condulmer está em Roma e inteiramente dedicado aos assuntos curiais de que é um dos principais cardeais) de manter St.º Agostinho e os seus rendimentos na órbita de Alga (e com o objetivo último de aí instalar uma comunidade canonical), poderemos colocar a questão se a sucessão de Bartolomeu de Roma por Condulmer, em 1401, terá tido objetivos similares.

Será que Bartolomeu de Roma tem um papel na sucessão do seu benefício de St.º Agostinho de Vicenza por um jovem clérigo reformista e pelo grupo de seus pares que então apenas se começava a desenhar, e em que se destacam as três figuras que a crónica

566 ZAFARANA (1964). 567

TASSI (1952), pág. 23 e 24.

568 Trata-se da “Cronaca Antiqua” dos Cónegos Regulares de St.ª Maria de Frigionaia (hoje Cónegos

Regulares Lateraneneses), citada em FONSECA (1984), pág. 298.

569 Já não o deterá em 3/01/1400. Cf. Idem, ibidem. 570

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dos cónegos regulares virá a indicar como as primeiras e principais figuras influenciadas pela sua pastoral?

Uma possibilidade, já que o percurso deste priorado vicentino parece-se desenhar-se, nas primeiras décadas do séc. XV, nas relações destes seus três beneficiados que o colocarão no caminho da reforma, ou como afirma Cracco: “Bartolomeo da Roma,

Gabriele Condulmer e Lorenzo Giustiniani nel giro di circa trent’anni non soltanto riformarono il monastero di S. Agostino, ma consizionarono anche larghi strati della vita religiosa italiana.571”.

Podemos imaginar o peso que a pregação de Bartolomeu de Roma, toda centrada na reforma da Igreja e do clero, poderá ter tido no jovem Gabriel, que segundo o testemunho de Barbo estaria desde cedo atento a estas questões.

Nos mesmos anos em que o grupo de clérigos seculares fundava a comunidade de Alga, Bartolomeu de Roma empreendia a reforma dos cónegos regulares agostinhos, a partir do priorado de St.ª Maria de Frigionaia, em Luca, onde atua a partir de 1401 (coincidindo com a transferência do benefício vicentino para Condulmer), e onde instaura uma reforma cujas linhas mestras, como já se fez notar572, se parece mesclar com as de S. Jorge em Alga: vida comum, solenidade litúrgica, apostolado e exigente vida espiritual. Duas formas de vida canonical, coetâneas, dirigidas por figuras com percursos interligados, num ideal reformista comum.

A reforma dos cónegos regulares empreendida por Bartolomeu de Roma terá um avanço mais rápido que a de S. Jorge em Alga573, no número de casas religiosas que reforma, mas também no plano institucional, antecipando-se aos cónegos de Alga na organização da sua Congregação e na obtenção do Pontífice Romano de um conjunto de confirmações e privilégios que solidificassem a reforma, processo que com os cónegos regulares de Frigionaia se dá essencialmente durante o pontificado de Martinho V (ainda que os seus primeiros privilégios sejam de Gregório XII), e que na Congregação de Alga será (como veremos) um processo do pontificado de Eugénio IV574.

Da ligação e proximidade carismática dos cónegos regulares a Gabriel Condulmer podem-se ainda encontrar exemplos posteriores à sua eleição a Papa, o biógrafo salienta

571 Idem, ibidem.

572 FONSECA (1984), pág. 299 e segs. 573

Neste ponto discorda-se de PINA (2011), pág. 212, que defende que institucionalmente a Congregação de Alga avança mais rapidamente do que a observância dos cónegos regulares agostinhos. Como se verá no ponto 2.4.1, a executória de 1404 marca a constituição de uma colegiada, não da Congregação, que será de ca. 1424, depois da institucionalização da Congregação de Frigionaia, que em 1421 é aprovada por Martinho V. Um confronto com o processo de aprovações e concessões de privilégios pela Santa Sé (que em relação a Alga se fará no ponto 2.3.3) demonstra bem que esta construção, que para Frigionaia foi feita por Martinho V, para Alga é obra de Eugénio IV.

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dois bastante relevantes575: a entrega da antiga abadia camaldulense de Fiesole aos cónegos regulares durante a estadia do Papa em Florença e, em 1445, a escolha dos cónegos regulares para proceder à reforma da comunidade encarregue de velar e de manter o culto divino na mais importante basílica de Roma, S. João de Latrão, o que suscitou a nova designação da congregação que doravante será dos Cónegos Regulares Lateranenses.

A entrada dos cónegos regulares em Latrão (onde estarão apenas até à década de 1470), bem como as tentativas goradas do Papa de os fazer entrar em S. Pedro, demonstram o apreço de Eugénio IV por esta congregação, colocando-a como escolha para reformadora das duas principais igrejas do universo cristão ocidental.

Nota-se assim que os anos iniciais da vida eclesiástica de Gabriel Condulmer, mesmo antes de iniciar a fulgurante carreira curial, foram muito fortes na formação do espírito do jovem clérigo.

As influências do jovem Condulmer foram na prática as mesmas que Tassi576 (no que concorda Cracco577) identifica para a Congregação de Alga: Ângelo Correr, Bartolomeu de Roma, e Giovanni Dominici, ou deixando a individuação podemos dizer que Gabriel e os seus companheiros foram influenciados pelos ciclos reformistas que se desenhavam na Veneza de finais do séc. XIV, centrada em figuras do clero e das prelaturas seculares, mas também (e principalmente) nas observâncias das ordens e congregações religiosas, em que no caso presente se destacam as dos Dominicanos e dos cónegos regulares Agostinhos, mas em que, na opinião de Cracco578, poderá estar também presente a observância franciscana, cujas características nota no ideal de vida perseguido pelos cónegos de Alga, e à qual Gabriel estará ligado particularmente depois da sua eleição para o sólio de S. Pedro579.

Com esta reflexão sobre as influências e as relações do jovem Gabriel Condulmer pretende-se salientar dois importantes factos: o facto de Condulmer estar desde cedo

575 HAY (2000). Note-se no entanto que neste ponto Denys Hay erra ao afirmar que o interesse de

Eugénio IV pelos cónegos regulares agostinhos se deve ao facto de o Papa ter sido um deles, o que de facto não foi.

576

TASSI (1952), pág. 10 e segs., 22 e segs.

577 CRACCO (1959), pág. 70 e segs. 578 Idem, ibidem.

579 Observância é um conceito que etimologicamente aponta para a atenção particular e rigorosa de um

determinado referencial, que no caso das ordens e congregações religiosas se entende ser o cumprimento estrito e rigoroso do carisma e das regras fundacionais da instituição, entendendo-se deste modo que se recupera a pureza e a originalidade carismática que se perdera ou degradara no decurso do tempo. A observância é por isso um movimento de reforma dentro do conceito estabelecido por Ladner, ao reafirmar os valores pré-estabelecidos, a que acresce naturalmente a evolução dos tempos, já que uma observância não negará à partida a experiência comunitária adquirida no percurso histórico da sua ordem ou congregação, mas antes procura o reafirmar dos elementos identitários originais, normalmente identificados. Sob a questão genérica das observâncias veja-se o resumo estabelecido por Isabel Castro Pina na sua tese, PINA (2011), pág. 42 e segs.

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associado a círculos reformistas, em que ele próprio participou como fundador da Congregação de Alga, e o facto desta sua ligação não ser circunstancial mas estrutural, mantendo-se para além da sua juventude, nos anos de estadia na Cúria Romana como cardeal (1408-1431) e durante o seu difícil pontificado (1431-1447), podendo-se descortinar num conjunto de medidas e apoios que o Papa deu aos círculos reformistas em que participou.

A demonstração destes dois factos permitirá uma leitura mais rica e complexa da entrada do carisma de Alga na Congregação de S. João Evangelista, operada essencialmente a partir das relações de Eugénio IV com D. João Vicente, que deixa assim de poder ser entendida de modo isolado e fortuito e passa a inserir-se num contexto complexo de redes reformistas, em que por processos de (re)conhecimento os fundadores portugueses vão agregar-se a um movimento similar italiano, participando do enorme capital que o carisma de Alga lhes pode trazer institucional e espiritualmente.

Apesar da sua ligação permanente à comunidade de S. Jorge em Alga e à Congregação que dela derivará, Gabriel Condulmer (tal como seu primo António, como ficou visto) residirá nos seus claustros num período muito limitado de tempo, presença que é interrompida com a eleição de seu tio ao papado.

Na sequência do conclave de 1407, Gregório XII chama os dois sobrinhos a Roma, Gabriel ainda cónego da Sé de Verona é nomeado protonotário apostólico e tesoureiro pontifício, a que pouco depois acrescenta o bispado de Siena para que o tio o elege, com dispensa por não ter a idade mínima de 25 anos de idade580.

Gabriel Condulmer é elevado ao cardinalato, como cardeal de S. Clemente (título que manterá até à sua eleição a Papa, 23 anos depois) no primeiro consistório que seu tio celebra para criar cardeais.

Após a sua elevação ao cardinalato, e apesar de o seu comprometimento com as obrigações curiais, Gabriel Condulmer não deixa de estar ligado à comunidade de Alga e ao que a circundava.

Logo nesse ano de 1408 em que é feito cardeal, segundo afirma Tassi na senda do que deixou escrito o próprio Luís Barbo581, e no meio da dificuldade encontrada pelo seu tio Gregório XII e pelo primo cardeal António Correr de encontrar quem levasse a cabo eficazmente a reforma da abadia beneditina de St.ª Justina de Pádua (de que o último, como visto, era comendatário), será Gabriel Condulmer a sugerir Luís Barbo como a figura indicada para, professando na ordem beneditina e sendo eleito abade da comunidade, levar

580 HAY (2000). 581

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a cabo a reforma que a abadia, importante espaço de devoção como centro agregador de diversas relíquias importantes, necessitava.

Como Tassi nota582, trata-se não só de uma escolha motivada pelo conhecimento mútuo dos tempos de S. Jorge em Alga e da relação próxima que Barbo parece ter sempre mantido com os dois primos Condulmer e Correr583, mas o reconhecimento das qualidades de Barbo como reformador, das quais irá sustentadamente dando conta ao longo da sua vida, e que fará com que Condulmer venha a ter nele, após a sua eleição ao pontificado, um importante colaborador.

Além da escolha de Barbo ter tido a intervenção direta e pessoal de Condulmer, está também intrinsecamente ligada à comunidade de S. Jorge em Alga, de onde Luís Barbo era ainda prior titular, de onde sai para receber o seu novo encargo e de onde o acompanham

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