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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.3 O desempenho hospitalar como foco dos programas de garantia da

2.3.1 Eventos adversos, negligência médica e divulgação pública do

Nas últimas duas décadas, fomos testemunhas de mudanças dramáticas no modo como os sistemas de saúde ofertam os serviços médicos e o modo como o público consumidor faz uso desses serviços. O reconhecimento de que os usuários dos serviços de saúde estão expostos a erros evitáveis de processo, que podem ser potencialmente danosos, bem como o aumento crescente dos custos, têm levado à atual efervescência dos sistemas de atenção à saúde, caracterizada pelo incremento na demanda por informação sobre o desempenho hospitalar e a pressão por programas de garantia da qualidade hospitalar, por parte dos órgãos governamentais e do público consumidor (CHASSIN et al., 1998; INSTITUTE OF MEDICINE – IOM, 2001).

Falhas e acidentes no processo assistencial que causam, ou têm o potencial de causar, dano à saúde do paciente fazem parte do cotidiano da assistência à saúde há muito tempo; no entanto, sua verdadeira magnitude só foi reconhecida recentemente. Paralelamente, embora o conceito de mensuração e monitoramento dos eventos clínicos adversos que acontecem nos pacientes hospitalizados, como consequência direta ou indireta da assistência médica, nascesse há mais de 30 anos (IOM, 1998), o termo evento adverso só ganhou popularidade a partir de 1991, com a publicação do chocante estudo Harvard Medical Practice Study 1 (HMPS-1) por Brennan et al. (2004). O HMPS-1 foi o primeiro estudo em grande escala a mensurar e quantificar, com rigor científico, a prevalência de eventos adversos e de negligência médica em pacientes hospitalizados (BRENNAN et al., 2004; BRUCE et al., 2001). No estudo HMPS-1, mais de 30000 prontuários médicos de pacientes não psiquiátricos, que receberam alta de 51 hospitais de agudos do estado de Nova Iorque em 1984, foram aleatoriamente amostrados e revisados para detectar indícios de eventos adversos e de negligência médica. Evento adverso foi definido como qualquer dano à saúde causado pelo manejo médico (e não pela doença de base) e que prolongou a estada hospitalar, provocou incapacidade no momento da alta, ou ambos. Negligência foi definida como cuidados à saúde subótimos de acordo com o recomendado pelo conhecimento médico da época. Os autores identificaram a ocorrência de eventos adversos em 3,7% das hospitalizações, sendo 27,6% deles atribuídos a negligência médica (BRENNAN et al., 2004). Embora 70,5% dos eventos adversos provocassem incapacidade de curta duração com recuperação

funcional completa, 2,6% deles causaram incapacidade permanente e 13,6% conduziram à morte do paciente (BRENNAN et al., 2004).

Uma década mais tarde, a comunidade médica internacional foi novamente comovida pela publicação do relatório To Err is Human (do inglês, errar é humano) pelo IOM dos Estados Unidos (IOM, 2000). Este relatório identificou que erros médicos graves e evitáveis ocorriam com elevada frequência em hospitais estadunidenses e de outras partes do mundo, sendo responsáveis por custos anuais bilionários, prolongamento da permanência hospitalar e sequelas físicas graves e permanentes nos pacientes (IOM, 2000). Este relatório estimou que cerca de 7% dos pacientes internados em hospitais eram acometidos por erros de medicação, e até 17% dos pacientes atendidos em unidades de terapia intensiva podiam sofrer de algum efeito adverso grave (IOM, 2000). Em parte baseado no estudo HMPS-1, o número de mortes atribuíveis a eventos adversos médicos evitáveis em hospitais estadunidenses foi conservadoramente estimado entre 44000 e 98000 ao ano, excedendo o número de mortes resultantes de acidentes de carros, câncer de mama ou AIDS (IOM, 2000). No Brasil, a situação é menos conhecida, mas com toda probabilidade não difere significativamente do relatado em outras partes do mundo. Costa et al. (2006) relataram erros em cerca de 25% das prescrições de medicações em dois hospitais da Bahia, e 23,5% dos pacientes idosos que apresentaram reação adversa a drogas durante internação no Centro Hospitalar Municipal de Santo André, São Paulo, receberam prescrição considerada inadequada (PASSARELLI et al., 2005). Em Belo Horizonte, Lansky et al. (2007) recentemente relataram associação significativa entre taxas de mortalidade perinatal e qualidade da atenção prestada em hospitais privados.

Após a publicação do relatório To Err is Human, recomendações de expandir os sistemas de divulgação de eventos adversos graves e erros médicos, especialmente de forma compulsória, receberam maior atenção (LEAPE, 2002). Na última década, iniciativas de publicação compulsória de indicadores de desempenho hospitalar foram catalisadas pela demanda dos consumidores, que começaram a argumentar que os usuários do sistema de saúde têm o direito de conhecer acerca dos eventos adversos e do desempenho dos prestadores de serviços (LEAPE, 2002). Até 2002, sistemas de divulgação compulsória e periódica de eventos adversos hospitalares encontravam-se em atividade em 20 estados dos Estados Unidos (LEAPE, 2002). Entre 2002 e 2004, os estados de Illinois, Pennsylvania, Missouri e Florida promulgaram legislação que obrigava os hospitais do estado à mensuração e divulgação pública das taxas de IACS,

incluindo as ISC (WONG et al., 2005; McKIBBEN et al., 2005). Em março de 2006, este número havia aumentado para sete (KLEVENS et al., 2007) e, para finais de 2006, já havia atingido 15 estados (APIC, 2007). No Reino Unido, a publicação das taxas de ISC detectadas durante a permanência hospitalar é mandatória para os hospitais do serviço nacional de saúde (REILLY et al., 2006).

O propósito específico desta estratégia não é outro do que a comparação do desempenho entre instituições (WONG et al., 2005). De fato, comparações das taxas de IACS entre países são usadas com frequência crescente para derivar conclusões acerca da qualidade assistencial e da eficácia dos programas de controle das IACS (WILSON et al., 2007). Revisão sistemática conduzida pelos CDC, no entanto, encontrou evidências inconclusivas sobre a efetividade da divulgação pública de indicadores de saúde no desempenho dos hospitais, e nenhum estudo investigou especificamente as taxas de IACS como desfecho dessa divulgação (MCKIBBEN et al., 2006). Revisão sistemática recente sugeriu que a divulgação pública de taxas estimula positivamente atividades de melhora da qualidade dos cuidados nos prestadores de saúde, mas não encontrou associação consistente com melhora nos indicadores de resultados clínicos e de segurança assistencial dos pacientes (FUNG et al., 2008).

2.3.2 As taxas de infecção associada aos cuidados da saúde e de infecção do sítio cirúrgico