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CAPÍTULO 1 – Everardo Backheuser: formação familiar e acadêmica

1.3 Everardo Backheuser: professor, jornalista e engenheiro

Backheuser considerou que sua vida como professor iniciou aos 14 anos de idade, quando começou a ministrar aulas particulares para alunos do Liceu Popular Niteroiense e da Escola Normal de Niterói, nada formal, conforme seu relato:

Apesar de ter feito meu curso de preparatório no Ginásio Nacional (Colégio Pedro II), no Rio, acompanhei de perto a vida escolar daquele canto de Niterói. Meus melhores amigos frequentavam o Liceu, e às alunas da Escola Normal meu coração se prendeu um bom número de vezes. De ambos tive alunos particulares. Devo mesmo dizer que meu primeiro ensaio no professorado foi exatamente como “explicador” de uma aluna de aritmética da Escola Normal. Orçava meus escassos quatorze anos, e a aluna alçaria seus vinte de idade. (BACKHEUSER, 1994, p. 116).

Diante disso, nota-se que Everardo era um bom aluno, já que ministrava aulas particulares para alunos mais velhos que ele, pois conforme relata, ainda cursava o ensino secundário quando ministrava aulas de aritmética para alunos do Liceu e da Escola Normal. Talvez essa sua experiência como professor explicador de aritmética, como ele mesmo se considerava, pode ter sido um dos motivos que o estimularam a escrever seu manual Aritmética na Escola Nova anos mais tarde, em 1933, ao qual agregou os estudos da nova Pedagogia.

Aos dezessete anos de idade, Backheuser e mais quatro amigos, Jônatas Botelho, Otávio Carneiro e Muniz Maia, formaram um grêmio literário com o objetivo de planejar e ministrar aulas preparatórias para exames de validação dos cursos secundários. Passaram a chamar o grêmio de “A Matilha” devido ao local por eles

escolhido estar situado em um anexo da casa de Jônatas, que parecia um grande “Canil” (como ficou conhecido). Segundo Backheuser, as aulas foram um sucesso:

Quando, ao final do primeiro ano de trabalho, levamos nossa turma (eram uns dez alunos) às bancas oficiais, tivemos o esforço coroado por enorme sucesso. Todos aprovados, e com boas notas. A fama cresceu, consolidou- se e os “explicadores” tradicionais tremeram em face daquele punhado de “meninos” (orçávamos entre os 17 e os 19 anos) que lhes arrancavam os alunos dos seus bancos ultraprogramatistas. (BACKHEUSER, 1994, p. 128).

Suas experiências com o passar do tempo se estenderam nas diferentes modalidades de ensino. Segundo Santos (1989), depois de formado Backheuser foi professor no nível secundário, ensinava Ciências Físicas e Naturais, em Niterói entre os anos de 1899 e 1923. Também ocupou o cargo de diretor e de professor do Curso Superior de Geografia no Rio de Janeiro em 1926. No ano de 1933 lecionou no Instituto Católico, no qual foi: “[...] catedrático de Geografia Humana e Administração Escolar na Faculdade Católica de Filosofia de 1941 a 1948, e catedrático de Geografia do Brasil na Faculdade de Filosofia Santa Úrsula de 1941 a 1948”. (SANTOS, 1989, p. 63). Anteriormente, em 1914, já havia sido catedrático em Mineralogia e Geologia,

na Politécnica, como um desdobramento de ter sido preparador12 de Mineralogia,

inicialmente provisório em 1896, quando ainda era aluno da instituição, e depois em posição efetiva, no ano de 1903.

Para ingressar no quadro de auxiliares da Escola Politécnica, Backheuser contou com a indicação do professor Nerval de Gouveia, que, segundo seus relados, muito admirava. De preparador passou para professor assistente, e em seguida para professor efetivo – como catedrático. Na condição de professor bacharel, Backheuser admitiu a falta de disciplinas mais específicas para ministrar as aulas no ensino superior, disciplinas que passaram a integrar os cursos de licenciatura anos mais tarde:

Apesar da prática, adquirida durante os dilatados anos de preparador e de professor substituto (nova designação do professor extraordinário13), não

possuía (como até hoje não a possui nenhum professor superior) conhecimentos de psicologia educacional, de metodologia, em palavra uma palavra, de pedagogia. Tudo para mim, ao empreender o curso anual, na qualidade de catedrático efetivo, era novidade. Novidade e surpresa. Nenhuma noção pedagógica. Donde indecisões, titubeios, hesitações. (BACKHEUSER, 1946, p. 99-100).

O autor afirmou que mesmo sem ter tido na sua formação a Pedagogia, nunca deixou de estudar para estar atualizado e contribuir com a educação nos aspectos

12 Era um misto de funções administrativas e técnicas, como se fosse um assistente. 13 Eram chamados de professores extraordinários os professores assistentes.

que sentia falta. Suas obras e participações em formação de professores são um exemplo da sua dedicação à área da educação. (BACKHEUSER, 1946). Em seu tempo de estudante ainda não existiam estudos superiores nas áreas de humanas, ciências e letras, conforme explica a Núria Hanglei Cacete (2014). A autora aponta que intelectuais da educação como Anísio Teixeira e Francisco Campos reconheciam que a formação que estava sendo realizada tornava precária a formação de professores e com isso poderia prejudicar o ensino. Havia necessidade de escolas superiores voltadas para formação de professores do ensino secundário, mas que na realidade demoraram para mudar. A licenciatura e o bacharelado, por exemplo, passaram a se diferenciar em graus distintos só a partir da década de 1960, por meio do Parecer 292/62, instituído pelo Conselho Federal de Educação, quando estabeleceu matérias pedagógicas próprias para as licenciaturas.

De acordo com Saviani (2009), por meio do decreto-lei n. 1.190, de abril de 1939, houve as primeiras mudanças na formação de professores de nível secundário, quando os Institutos de Educação do Distrito Federal e de São Paulo foram incorporados às Universidades, tornando-se Estudos Superiores de Educação, organizados definitivamente na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, que se tornou referência na formação de professores no país. Era o esquema “3 mais 1”, como ficou conhecido, ou seja, três anos destinados para o estudo de disciplinas específicas e mais um ano para a formação didática. Então, até o final da década de 1930, o bacharelado era um requisito para obter uma licenciatura, que seria como uma complementação do curso. As licenciaturas demoram a aparecer e se diferenciar mais claramente dos cursos de bacharéis no contexto brasileiro de formação, apesar do sentimento de falta de disciplinas mais específicas para a prática docente, inclusive apontados constantemente nos livros de Backheuser.

De acordo com Santos (1989), logo ao assumir a cátedra de Mineralogia e Geologia, Backheuser iniciou suas publicações sobre os diversos assuntos que faziam parte do curso, textos que se tornaram valiosas contribuições na área específica. Os estudos de Miyamoto (1981), Anselmo e Bray (2002), e Lima et al (2017) destacam Backheuser como um dos pioneiros nos estudos de geopolítica no Brasil, efetivamente, considerado um autor de referência para as pesquisas desenvolvidas na área, inclusive, suas pesquisas foram continuadas após sua morte por outros pesquisadores. A partir da Geopolítica, se aproximou da Geografia e da Antropogeografia, o que contribuiu para o avanço e para a ampliação do escopo de

suas pesquisas. Segundo Santos (1989), após as leituras de Friedrich Ratzel14,

Backheuser aumentou seu interesse pelas ciências sociais e políticas, o que também contribuiu para impulsionar suas pesquisas na área da Geopolítica.

Mesmo após ter se aposentado em 1925 não deixou de estudar e produzir conhecimento, tanto é que, foi convidado pelo então diretor de Instrução Pública, Fernando de Azevedo, para colaborar com os estudos sobre a Escola Nova, pois de acordo com Santos, visavam implementar novas propostas para o ensino primário nas escolas municipais do Rio de Janeiro. Segundo o mesmo autor, Backheuser: “[...] se empolgou pelo assunto, a que dedicou estudos excepcionais, com empenho inclusive em cargos de direção: diretor do Museu Pedagógico Central (1929-1930) e diretor do Instituto de Pesquisas educacionais (1936-1937)”. (SANTOS, 1989, p. 352).

De acordo com Carvalho (1998), o movimento renovador da educação se iniciou na década de 1920, quando se começou a conceber reformas nos sistemas escolares em alguns estados brasileiros, movimento notadamente expandido pela Associação Brasileira de Educação. Para ganhar visibilidade púbica, o contexto de reformas contou com Conferências, Congressos e cursos que envolviam os profissionais da educação, assim como os círculos de pais e mestres para a participação das famílias. Na Figura 5, é possível ver membros do Conselho do Ensino Primário, entre os quais estão Lourenço Filho, segundo da esquerda para direita, e Gustavo Capanema, ao centro, ladeado por Backheuser. Na Figura 6, Backheuser aparece com Lourenço Filho (6º da esquerda para a direita) e Coelho Souza ao seu lado, em uma viagem para o Rio Grande do Sul.

14 Friedrich Ratzel (1844-1904) foi um dos principais autores clássicos da Geografia e fundador do sub-

Figura 5: Membros do Conselho do Ensino Primário

Fonte: EVERARDO Backheuser. Disponível em:

<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo?busca=Everardo+Backheuser&TipoUD=0&MacroTipoUD=0 &nItens=30>. Acesso em: 20 abr. 2019.

Figura 6: Backheuser no Rio Grande do Sul

Fonte: EVERARDO Backheuser. Disponível em:

<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo?busca=Everardo+Backheuser&TipoUD=0&MacroTipoUD=0 &nItens=30>. Acesso em: 20 abr. 2019.

Segundo Martins (2013), as reformas educacionais visavam reestruturar as práticas nas escolas oficiais com novidades metodológicas, que pretendiam ir além do saber ler, escrever e contar, ou seja, visavam uma nova formação do ser humano para a sociedade moderna, conforme afirmavam Lourenço Filho e Anísio Teixeira. Portanto, foram além dos discursos proferidos na ABE:

As reformas aconteceram nos estados de São Paulo (Sampaio Dória, 1920- 1925, Lourenço Filho, 1930-1931, Fernando de Azevedo, 1933 e Almeida Junior em 1935-1936) Pernambuco (Carneiro Leão, 1928-1930), Minas Gerais (Francisco Campos, 1927-1930). Ceará (Lourenço Filho, 1922-1923); Bahia (Anísio Teixeira, 1925-1927) e no Rio de Janeiro (Carneiro Leão, 1922- 1926, Fernando de Azevedo, 1927-1930 e Anísio Teixeira, 1931-1935). (MARTINS, 2013, p. 43).

Como colaborador de Fernando de Azevedo, Backheuser passou a dedicar- se também aos estudos de Pedagogia, Educação, Biotipologia e Sociologia, como conclui Santos (1989), Backheuser possuía uma “cultura opulenta”, como poucos intelectuais brasileiros tiveram, afinal, contribuiu com suas pesquisas científicas em variadas áreas do conhecimento. Por dominar a língua alemã, traduzia textos que até então eram desconhecidos no Brasil, seu capital cultural articulava-se ao seu capital simbólico, pois teria passado por instituições de destaque no campo educacional, formando assim sua rede de sociabilidade.

Buscamos entender como se deu sua relação de amizade com Fernando de Azevedo, a ponto de tê-lo convidado para colaborar na reforma de ensino. Encontramos informações relativas ao assunto na tese de Maristela da Rosa (2017),

no questionário com perguntas elaboradas por ela para Miriam Backheuser15, neta de

Everardo Backheuser. O roteiro de perguntas a certo ponto aborda a questão da relação do avô com Fernando de Azevedo, Jackson Figueiredo e Alceu Amoroso Lima. Em acordo com Miriam, possivelmente tal relação se estabeleceu no Centro Dom Vital, entretanto indica que não saberia dar maiores informações a respeito disso. Embora não tenhamos encontrado informações a respeito da natureza da relação estabelecida entre Backheuser e Azevedo em outras fontes, acreditamos que a amizade, que não sabemos quando iniciou, não foi abalada após a saída de Backheuser da ABE, pois seus manuais apresentam trechos que se referem a Azevedo sempre acompanhados de adjetivos positivos, conforme podemos ver nas citações a seguir:

15 O questionário que passou pelo Comitê de Ética em Pesquisa consta em anexo disponibilizado na

tese de Maristela da Rosa defendida na UDESC em 2017. Disponível em:

Nessa tarefa foi-nos de enorme préstimo, em primeiro lugar, o posto de organizador do Museu Pedagógico a nós confiado pelo ilustre Dr. Fernando

de Azevedo, então Diretor de Instrução no Distrito Federal [...].

(BACKHEUSER, 1934, p. 11-12, grifo nosso).

Fernando de Azevedo em brilhante síntese, indica como característicos da

Escola Nova: a) a escola única; b) a escola do trabalho; c) a escola do trabalho em comunidade. (BACKHEUSER, 1934, p. 53, grifo nosso).

Em nenhum momento foram encontradas críticas a respeito de Fernando de Azevedo, pelo contrário, em todos os trechos que Backheuser o cita, é sempre em tom de concordância com suas ideias:

Bem andou, portanto, Fernando de Azevedo, já fixando a especialização das

disciplinas cada uma para com o seu professor, sómente nos 6º e 7º anos do ensino primário, que pela sua Reforma estavam anexados ás escolas profissionais, já mantendo, no curso primario propriamente dito [...] (BACKHEUSER, 1933, p. 53, grifo nosso).

Quando em 1927 Fernando de Azevedo lançou no Distrito Federal as idéias

de uma grande reforma nos métodos de ensino primário, procurando orientá- lo no sentido vitorioso em alguns países europeus e na Norte-América,

encontrou o professorado carioca, em sua maioria desconhecendo ainda a didática moderna. (BACKHEUSER, 1946, p. 80, grifo nosso).

Em contrapartida, não notamos a mesma concordância com os pensamentos de Anísio Teixeira. É possível notar que foram feitas algumas críticas em relação aos seus escritos, como podemos ver nos trechos a seguir: “Anísio Teixeira que é bem um lídimo das correntes extremistas” [...]. (BACKHEUSER, 1934, p. 251). Ainda, escreveu Backheuser:

Vê-se assim, que toda educação pressupõe um fim. Quando Anísio Teixeira

diz que “a atividade humana se justifica por si mesma e tem em si mesma o seu proprio fim” [...], está esquecendo a finalidade máxima da educação. E

tanto o está esquecendo, que em outra pagina, ele proprio deixa escapar da pena esta frase que por si só lhes destrói as demais: “Todas elas (as tendências humanas) são susceptiveis de direção, importando, sómente achar-lhes o caminho adequado”, ou, dizemos nós “importando sómente dar- lhes educação”. A educação é portanto, “o caminho adequado”, cumpre saber os fins que visamos.(BACKHEUSER, 1934, p. 247, grifo nosso).

Di-lo expressamente Anísio Teixeira na corrente de Dewey: “Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é assim vida no sentido mais autentico da palavra”. Esta definição de educação é afinal uma tradução fóra da letra,

em linguagem clara, do sentimento de Dewey quando afirma em frase obscura que “o fenomeno educativo é a construção da experiencia à luz da experiencia atual.” [...] Quem julga haver um lado bom da vida não póde entender logicamente a educação como um simples deixar de crescer. (BACKHEUSER, 1934, p. 248, grifo nosso).

Na maioria das vezes em que Backheuser se dirigiu à Anísio Teixeira em seus textos teceu críticas, o que indica desacordo em relação a suas colocações a respeito

da educação, bem como de suas interpretações da Escola Nova. Quanto a Lourenço Filho, é possível notar que apontava suas referências de maneira congruente, como nas citações a seguir: “É o sistema em que os americanos tem chamado de learnig by doing, ‘aprender fazendo’, si lhe acrescentarmos, como sugere entre outros Lourenço Filho, uma ressalva importante: ‘aprender fazendo com necessidade’. (BACKHEUSER, 1934, p. 176). Ao discutir a importância da Psicologia na Educação, no manual Aritmética da Escola Nova, Backheuser (1933) também citou frases de Lourenço Filho para contribuir com sua argumentação de maneira favorável. Em relação aos demais reformadores educacionais das décadas de 1920 e 1930, não foram encontradas citações que permitissem conhecer os pontos de vista de Backheuser, em relação às propostas implementadas nas suas gestões como Diretores de Instrução.

Atraído pela tão falada naquele momento, Escola Nova, visitou centros estrangeiros que lhe ajudaram a compreender melhor o assunto. Alguns anos depois publicou livros que constam dentre os mais relevantes manuais pedagógicos da época, tais como: Aritmética na Escola Nova (1933); Técnica da Pedagogia Moderna (teoria e prática da Escola Nova) (1934); Ensaio de Biotipologia Educacional (1941) e O Professor (1946) – obras que trouxeram importante contribuição para a formação de professores. Segundo Guedes (2013), além dos manuais pedagógicos, Backheuser publicou vários artigos sobre educação e ensino,

especialmente na Revista Brasileira de Pedagogia16. Nas publicações apresentava

uma abordagem singular acerca do ensino e da postura do professor.

Além de suas contribuições relativas à formação de professores, Backheuser escreveu sobre cultura geral, acontecimentos históricos e assuntos sociais. De acordo com Santos (1989), Backheuser era leitor incessante desde sua mocidade, inicialmente lia autores clássicos da literatura brasileira e portuguesa, dentre eles: José de Alencar, Machado de Assis, Coelho Neto, Camões, Eça de Queiróz e Camilo Castelo Branco. Após o aprendizado de outros idiomas ampliou suas leituras, inclusive, para outras áreas do conhecimento, tendo lido obras de autores estrangeiros como Vargas Vila, Emile Zola, Milliet de Saint-Aldophe, particularmente no campo da Filosofia, tinha interesse pela obra de Aristóteles.

A rotina de intensos estudo e leitura conduziu ao aumento de seu lastro de conhecimento e, por conseguinte, para o acúmulo de capital cultural, sobretudo no

16 Periódico criado pela Confederação Católica Brasileira de Educação, circulou entre os anos de 1934

e 1938, com a missão de divulgar questões ligadas à escola e à família a partir da cosmovisão católica. (SILVA, 2006).

seu estado incorporado. Conforme Bourdieu (2007a) esse estado é resultado de uma capacidade de apropriação única do agente, passando a integrar o seu habitus, num processo que demanda tempo e que não se transfere a outros de modo instantâneo. A apropriação do capital cultural incorporado evidencia a singularidade de Everardo Backheuser, enquanto agente que socializado em um meio favorável, investiu seu tempo e esforços na aquisição dessa modalidade de capital. A família, mesmo tendo perdido seu poder econômico, pouco após o nascimento de Everardo, não deixou de lhe proporcionar oportunidades de estudo. Assim, seu capital cultural também gradualmente avançou em seu estado institucionalizado, para além da herança cultural própria de sua socialização primária. O somatório desses elementos aponta para o investimento familiar como aspecto decisivo para o capital cultural amealhado por Backheuser, com isso o agente pode ser avaliado na medida de uma transmissão familiar inicial e, em complemento, na medida de sua ação no sentido de acumulação ao longo de sua inserção em diferentes instituições.

Dentro das suas experiências como professor, Backheuser conheceu sua primeira esposa quando ministrava aulas particulares. Ricarda foi sua aluna, se casaram em 1901 e tiveram dois filhos, Everardo, que morreu ainda criança, e João Carlos, que foi engenheiro e professor, o que reitera a ideia da influência da herança familiar, a partir de seus diferentes tipos de capitais, na escolha da profissão dos herdeiros. (Figura 7). Segundo Santos (1989), Ricarda teria sido uma companheira muito presente na vida de Backheuser. (Figura 8). Infortunadamente, ao acompanhar o marido em um Congresso na Alemanha, em julho de 1928, Ricarda sofreu um acidente e acabou falecendo.

Figura 7: Everardo Backheuser com seu filho João Carlos

Fonte: SANTOS, S. M.G. A cultura opulenta de Everardo Backheuser. Rio de Janeiro: Editora Carioca de Engenharia S.A., 1989, p. 250.

Figura 8: Everardo Backheuser com Ricarda e o filho

Fonte: SANTOS, S. M.G. A cultura opulenta de Everardo Backheuser. Rio de Janeiro: Editora Carioca de Engenharia S.A., 1989, p. 250.

De acordo com Bourdieu (2002a) o casamento pode ser considerado uma espécie de mercado, no qual a mulher é vista como um símbolo de produção e

reprodução do capital simbólico17 do homem. Além disso, Nogueira e Nogueira (2009)

asseguram que as famílias tendem a investir na acumulação de determinado tipo de capital, a depender do que dispõem previamente. Portanto, há diferentes formas de riqueza acumuladas pelos agentes ao longo de sua trajetória social, conquistadas por meio de investimentos nos diferentes mercados, dentre eles, o mercado matrimonial. O mercado matrimonial é uma estratégia de investimento para acúmulo de capital: simbólico, social, econômico, cultural. No caso de Backheuser, em seu casamento com Ricarda, ambos formados em cursos superiores e participantes ativos nos eventos de educação, juntos acumularam principalmente capital cultural, afinal não eram de famílias ricas, porém investiram em seus estudos. A partir do capital cultural se abria a possibilidade de que o mesmo pudesse, também, ser convertido em capital econômico e/ou simbólico. Ao considerar esse quadro, vale retomar Bourdieu (2008b), quando destaca que a família é um meio para a reprodução social, ou seja, ao se considerar o mercado matrimonial, seus membros tendem a se casar no interior de sua classe social, a considerar, inclusive, as afinidades desenvolvidas por habitus conformados de modo semelhante.

Backheuser afirmou que sua inserção no campo jornalístico iniciou aos dezesseis anos de idade, quando passou a escrever artigos doutrinários em oposição à Revolta Armada de 1893. Começou como redator de uma folha política que circulava entre setores de inclinação à esquerda. Em sequência passou a outros jornais, tal como O Nacional, do qual afirmou ter sido leitor assíduo e fã do redator- chefe, Anibal Mascarenhas. Como estratégia para conquistar um posto no referido periódico, Backheuser explicou que chegou a organizar uma espécie de comício no qual, como presidente da assembleia, dirigiu debates a respeito da Independência de Cuba – naquele momento colônia da Espanha, inclusive, meses antes, em 1895, havia participado da Campanha Pró-independência de Cuba. De acordo com Backheuser,