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SUMÁRIO

2.1 Evidenciação: da Contabilidade ao Relato Integrado

Segundo De Holanda Ferreira (2010), evidenciar é mostrar com clareza, comprovar. Isso envolve manifestação, revelação, exposição, demonstração, exibição, divulgação e prover informação.

Mas as limitações da informação econômico-financeiras para dar suporte à decisão são queixas antigas. Dias Filho (2001) afirmou, as organizações estão repletas de dados contábeis que poderiam ser convertidos em informações e conhecimentos úteis a usuários, se fossem coletados, ordenados e comunicados para despertar significados aos envolvidos no processo decisório.

No caso específico da evidenciação contábil, o American Institute of Certified

Contabilidade é prover informações para ajudar aos usuários dos demonstrativos financeiros tomarem decisões.

Hendriksen e Van Breda (2010) vão além, a divulgação financeira deve fornecer informação útil à tomada de decisões racionais sobre investimento, concessão de crédito, entre outras, para investidores e credores atuais e futuros, bem como para outros usuários. Isso pressupõe informação suficiente para predição de tendências futuras, variabilidade de dividendos e a associação entre rentabilidades futuras e o mercado, para avaliar riscos.

A abordagem do AICPA (1973) foca na Contabilidade como sistema de informação, o que aproxima aos fundamentos da Comunicação. E a Comunicação compreende, também, o dialogismo, característica do RI que vai além do informar, ao procurar estabelecer diálogo com os atores envolvidos. Por sua vez, a abordagem de Hendriksen e Van Breda (2010), reforça o poder de predição das informações econômico-financeiras para variados usuários.

No século XXI, a busca de aprimoramento desse padrão de comunicação aflorou o processo de convergência das Normas Internacionais de Contabilidade, em que o International Accounting Standards Board – IASB, órgão regulador da Contabilidade para fins societários, definiu parâmetros de qualidade para a informação financeira, por meio da Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro, referendada pela Norma Brasileira de Contabilidade (NBC TG), do Conselho Federal de Contabilidade - CFC:

Se a informação contábil-financeira é para ser útil, ela precisa ser relevante e representar com fidedignidade o que se propõe a representar. A utilidade da informação contábil-financeira é melhorada se ela for comparável, verificável, tempestiva e compreensível (CFC, 2011, p. 12).

Tal norma prevê, ainda, Demonstrações Contábeis (Quadro 2) devem ser apresentadas aos usuários externos em geral, face às finalidades distintas e necessidades diversas.

Quadro 2 - Demonstrações Contábeis - Finalidades

Demonstrações Contábeis Finalidades

Balanço Patrimonial Retratar a composição do patrimônio, em determinada data, classificados em investimentos (ativos) e financiamentos (passivos e patrimônio líquido), a fim de mostrar as informações da maneira mais útil aos usuários para a tomada de decisões econômicas. Demonstração do Resultado

do Exercício

Apurar o resultado econômico da entidade no período, por meio de elementos que mensuram o desempenho, receitas e despesas. Demonstração das Mutações

do Patrimônio Líquido

Detalhar alterações qualitativos e quantitativos nos elementos do patrimônio líquido, a partir de eventos evidenciados no BP e DRE. Demonstração dos Fluxos de

Caixa

Detalhar o desempenho financeiro da entidade no período, ao reportar o controle do caixa, segmentado em três atividades: operacional, investimento e financiamento.

Demonstração do Valor Adicionado

Apurar o valor agregado pela empresa, no período, e a distribuição aos agentes: acionistas, terceiros, governo e colaboradores.

Fonte: CFC (2009 e 2011)

E mais, governos, órgãos reguladores ou autoridades tributárias podem exigir relatórios complementares, diante de necessidades específicas e interesses particulares (CFC, 2011). Assim, tais relatórios representam avanço ao demarcar a separação entre Contabilidade para fins societários e a Contabilidade para fins tributários, pois há interesses comuns entre os usuários, mas há especificidades, que requerem mensurações e evidenciações diferenciadas.

Por outro lado, a virada do século também testemunhou limitações das Demonstrações Contábeis como único mecanismo de análise de desempenho das empresas, dada a compreensão de que o capital financeiro é apenas um dos capitais essenciais para garantir a sustentabilidade destas.

Os Relatórios Corporativos evoluem (Figura 1), há novas demandas da sociedade, amparadas por outros organismos, além do IASB, tanto que, os que antes eram informações exclusivas dos usuários internos, hoje precisam ser evidenciados ao público externo para analisar riscos, como o Modelo de Negócios.

Figura 1 - Evolução dos relatórios corporativos

Fonte: IIRC (2011, p. 6-7)

A Figura 1 evidencia que a evolução dos relatórios corporativos, nos últimos 50 anos, deu-se mais com a diversificação de relatórios para além das informações financeiras, do que com a integração das informações (IIRC, 2011).

Isso tem relação com as diversas formas de comunicar a mesma informação, com diferentes efeitos na efetividade da intenção, dado o potencial de significação dos signos utilizados na comunicação e dos referenciais trazidos pelos usuários.

Assim, o propósito do Framework do RI é estabelecer princípios básicos e elementos de conteúdo a serem evidenciados, bem como explicar os conceitos fundamentais que o sustentam. Esta estrutura é voltada às empresas privadas com fins lucrativos de qualquer porte, mas pode ser adaptada às organizações do setor público e sem fins lucrativos (IIRC, 2013a).

O Relato Integrado é acompanhado pelo IIRC, entidade resultante da coalizão de reguladores, investidores, empresas, emissores de normas, entidades da área contábil, universidades e organizações não governamentais, que acreditam na evidenciação da criação de valor como evolução da comunicação corporativa.

Apesar da evolução, o Relatório de Sustentabilidade precisa estar em sintonia com os Relatórios Econômico-Financeiros da empresa, caso contrário, corre-se o risco daquele se firmar como algo paralelo, em segundo plano; por isso o interesse em integrá-los aos demais relatórios corporativos (SERAFEIM, 2015).

No Brasil, o modelo de RI ganhou impulso no início de 2012, quando o presidente do IIRC sugeriu ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a criação da comissão nacional de acompanhamento ao IIRC no Brasil, a exemplo de outros países.

Atualmente, a Comissão Brasileira de Acompanhamento do Relato Integrado (CBARI) reúne-se trimestralmente na sede da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), com apoio do BNDES. São mais de 400 membros, envolvendo mais de 90 entidades, dentre elas: Brasil, Bolsa, Balcão (B3); Comissão de Valores Mobiliários (CVM); Banco Central do Brasil (BACEN); Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC); Conselho Federal de Contabilidade (CFC); Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON); Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC); Carbon Disclosure Project (CDP); Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS); Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado (CODIM); Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF); Associação Brasileira de Companhias Abertas (ABRASCA); Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC); Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI); Brasil Investimentos e Negócios (BRAIN); Princípios para o Investimento Responsável (PRI); Instituto Ethos, Núcleo de Estudos em Contabilidade e Meio Ambiente (NECMA/FEA/USP); empresas de Auditoria e muitas outras empresas, além das integrantes do PP.

Conforme Vânia Borgerth, Coordenadora da Comissão de Acompanhamento do Relato Integrado no Brasil, o RI não interfere no ambiente regulatório ou formal de elaboração dos diversos relatórios. Empresas sujeitas às Normas Internacionais de Contabilidade ou às orientações da GRI continuarão fazendo os relatórios sob

essas orientações. O que se busca com o RI é a coerência entre a informação dos relatórios econômico-financeiros e os demais relatórios (GIROTTO, 2014).

A Figura 2 apresenta mudança na percepção de criação de valor, nos últimos 40 anos, devido à economia ser baseada, cada vez mais, em conhecimento e informação e menos em propriedades físicas (ECCLES; SERAFEIM, 2014). Razão para alguns ativos intangíveis da empresa não serem retratados no Balanço Patrimonial, como o capital de relacionamento. Assim, a base crescente de ativos intangíveis não mensurados no balanço é citada como falha dos relatórios econômico-financeiros, ou necessidade destes se integrarem aos demais relatórios, que retratam outras variáveis influentes na criação de valor.

Figura 2 - Componentes do Valor de Mercado do Índice S&P 500

Fonte: Ocean Tomo (2015)

A mudança de perspectiva na criação de valor revela a necessidade de incluir externalidades sociais e ambientais nos relatórios corporativos (CARVALHO; KASSAI, 2014), ao contemplar a representatividade dos intangíveis na composição dos patrimônios. Essa mudança de perspectiva na evidenciação revela a importância de outros capitais, além do financeiro, para garantir a sustentabilidade de qualquer empresa, como demonstra a Figura 3:

Figura 3 - Tipos de Capital

Fonte: Adaptada do IIRC (2013b)

Mas, para o IIRC (2013a), as organizações podem reordenar as categorias de capitais de forma diferenciada, dada a aplicabilidade e relevância ao seu contexto. Embora a maioria das organizações interaja com todos os capitais, pode haver situações em que tais interações sejam insignificantes, ou tão indiretas, que a divulgação no RI não seja relevante. O importante é participar da sustentação teórica do conceito de geração de valor, dando diretriz para as organizações considerarem todas as formas de capital utilizadas ou afetadas por elas.

Perez Junior, Olivieri Neto e Silva Júnior (2014) acreditam que, a sinergia entre capitais será obtida ao entender a relação de causa e efeito entre eles, exercício do pensamento integrado. Por exemplo, quando a organização investe em capacitação de pessoal, tais gastos reduzem o capital financeiro da empresa, mas potencializam o capital humano para geração de resultados futuros. E pode resultar em aumento do capital social e de relacionamento, se a formação conduz a normas e valores compartilhados (ROTH, 2014).

Para o IIRC (2013a), a relação entre pensamento integrado e Relato Integrado é cíclica, para alocar tais capitais com eficiência e produtividade, em prol da estabilidade financeira e da sustentabilidade.

Em conformidade a Eccles e Serafeim (2014), a força motriz desse ciclo é a medição e a informação sobre todos os capitais usados pela empresa para criar valor, com inclusão de informações a respeito de como as decisões sobre

determinado capital afetam os demais. Daí a importância de definir KPIs1 para

mensurar, adequadamente, o desempenho econômico-financeiro e não financeiro. Eccles e Serafeim (2014) destacam as diferentes funções dos relatórios corporativos: informação e transformação. A função de informação é unidirecional, a empresa fornece as informações e a contraparte toma sua decisão. Os relatórios evidenciam informações aos diversos stakeholders para negociar com a empresa nas melhores condições, tanto que, estudos identificam, a melhor qualidade de divulgação contábil favorece as condições de financiamento (FRANCIS; NANDA; OLSSON, 2008; BOTOSAN; KRZUS; RIBOT, 2015).

Por outro lado, na função de transformação (comunicação), a organização tem feedback com engajamento e ativismo de suas contrapartes em relação ao conteúdo divulgado, trata-se de oportunidades para sugerir e influenciar o comportamento das organizações em benefício próprio e da sociedade, espécie de via de mão dupla.

Exemplo de transformação é o papel desempenhado pela GRI ao sugerir melhorias no Relatório de Sustentabilidade. Mas tais funções podem ser combinadas, a divulgação de resultados econômico-financeiros e outros indicadores de sustentabilidade, podem despertar insatisfações de stakeholders e culminar na substituição dos membros do conselho ou redefinição do papel de Presidente do Conselho de Administração e do Chief Executive Officer (CEO). Eccles e Serafeim (2014) concluem que o RI pode resultar em direcionador de transformação para decisões internas e externas à organização.

Com integração de capitais, líderes corporativos tendem a receber informações mais consistentes, confiáveis e completas, para tomar decisões mais fundamentadas. Mas, Eccles e Spiesshofer (2015) constataram, apesar de incorporar os padrões ESG aos relatórios corporativos, a “corrente principal” de investidores, ainda, foca em questões que criam e preservam o valor via desempenho econômico-financeiro.

Entretanto, pesquisa de Serafeim (2015) confirmou aumento de informações de sustentabilidade, na forma de dados ambientais e sociais, por mais empresas em todo o mundo, e aumento do número de investidores que utilizam tais informações.

1 Os KPIs - Key Performance Indicator são métricas de desempenho relacionadas a itens como

qualidade do produto, rotatividade dos empregados e retenção de clientes, para monitorar estratégias e facilitar a transmissão da visão e missão da empresa (ECCLES, KRZUS, 2011).

Logo, parece inevitável a integração de informações para retratar a criação de valor pela empresa. Mas há desafios, informações não financeiras, normalmente, resultam de atos voluntários, com múltiplas possibilidades de métricas, conteúdos e formas, ao passo que informações econômico-financeiras (Demonstrações Contábeis) resultam de métricas padronizadas, sujeitas à auditoria. Desse dilema surgiu o framework do RI, com fundamentos em termos de estrutura, princípios e conteúdo e essa pode ser a contribuição dos estudos em comunicação e semiótica.

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