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O presente debate em torno do conceito de desenvolvimento, recupera a agenda das questões formuladas por Polanyi, considerando que o desenvolvimento é um processo que resulta de contramovimentos da sociedade civil, como resposta às limitações do capitalismo contemporâneo. Ao contrário do que é considerado na conceção capitalista, o desenvolvimento precisa levar em conta, não apenas as questões económicas e produtivas, como igualmente as questões ambientais e culturais. Ao considerar o desenvolvimento como um sistema de criação de necessidades que só podem ser satisfeitas no mercado, este conceito ficaria para sempre ligado ao capitalismo. Também Lisboa considera que “o que os modelos mecânicos do desenvolvimento têm engendrado é a ampliação contínua de necessidades, tornando todos carentes de alguma coisa, institucionalizando a escassez”. (Lisboa, 2000, p. 8)

O conceito de desenvolvimento moderno afirmou-se depois da II Grande Guerra, indo conjugar-se com o keynesianismo, ao mesmo tempo que se assistia ao processo de independência da maioria das antigas colónias europeias e a O.N.U. assumia compromissos para o desenvolvimento. Nesta fase o desenvolvimento continua a basear-se essencialmente no crescimento económico. Alguns fatores, no entanto, conduziram à necessidade de renovação do conceito a partir de finais dos anos 60 e início dos anos 70 (do século XX).

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Pode-se constatar que até finais dos anos 60 havia uma quase unanimidade (as exceções sempre confirmam a regra) em aceitar a tese da existência de princípios universais da racionalidade econômica, ou seja: todas as sociedades seriam progressivamente transformadas à imagem e semelhança das ocidentais. Hoje se desfaz este mito do desenvolvimento, ou, pelo menos, este consenso já não é tão absoluto. Rompeu-se a crença de que apenas uma sociedade altamente industrializada permite liberar as potencialidades humanas. O retorno crescente da problemática relação entre economia e cultura, particularmente em sociedades híbridas como as latino-americanas, tem contribuído decisivamente para a erosão da fé iluminista numa modernização integradora que emana da marcha ascendente da história. (Lisboa, 2000, p. 17)

Era evidente a desilusão que se instalou nos países ditos “subdesenvolvidos”. O desenvolvimento tinha sido uma promessa, uma expetativa, que não estava a ser cumprida. As “receitas” seguras do neoliberalismo e as suas “boas práticas” tinham resultados caóticos. O mal-estar social estendeu-se aos países ditos “desenvolvidos”. O resultado do seu modelo de desenvolvimento resultou em custos sociais e políticos muito graves em ambos os mundos, “subdesenvolvido” e “desenvolvido”, uma vez que a própria sociedade “desenvolvida” começa a pôr em causa o seu próprio modelo de desenvolvimento. A universalidade pretendida do modelo liberal da economia, resultou na universalidade do descontentamento dos povos.

Por outro lado, começou a ter-se consciência dos problemas ambientais provocados por este desenvolvimento mercantilista, começando a realizar-se cimeiras sobre questões ambientais, que tiveram início em Estocolmo, no ano de 1972.

Tal como previsto por Polanyi, tinha chegado o fim da “golden age” do crescimento económico e o início das crises recorrentes económicas e financeiras. O mesmo acontecia nos países socialistas, com a multiplicação de crises várias. É o fim do modelo de crescimento económico do pós-guerra.

Com a implementação do neoliberalismo, o modelo de desenvolvimento que se espalhou pelo mundo levou-nos a crer que os grandes objetivos de uma vida boa seriam produzir muitas coisas (crescimento económico) e ter muitas coisas (consumo). A tendência é para considerar que o desenvolvimento económico é sinónimo de crescimento económico, utilizando indicadores de crescimento como o rendimento per capita ou o P.I.B. Estes indicadores, porém, não dão uma imagem clara das desigualdades existentes.

Os programas de ajustamento dos anos 80, nos países da América Latina, fizeram surgir uma lógica anticolonialista, anti-neoliberal e anti-E.U.A., e de defesa dos povos indígenas. Surgiram autores que consideravam que, tendo o conceito de desenvolvimento nascido na Europa e

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segundo lógicas eurocêntricas e etnocêntricas, era utilizado como instrumento de dominação e influência geoestratégica. Uma espécie de “colonialidade do conceito”.

Em nome dos princípios do desenvolvimento de raiz europeia, foram criadas inúmeras desigualdades, novas formas de distribuição das riquezas dos territórios, novos problemas sociais e novas ambições que afetam a relação entre os povos.

Mesmo dentro do pensamento ocidental surgiram correntes críticas que procuram alternativas ao conceito de desenvolvimento tradicional que, na sua maioria, têm sido marginalizadas ou subordinadas.

É o caso da ecologia profunda (baseada no filósofo norueguês Arne Næss, 1989). Este recusa o antropocentrismo da Modernidade, defende uma postura biocêntrica que resulta nos direitos da Natureza e explora uma identificação ampla com o ambiente.

Outro exemplo deste tipo de corrente é oferecido pela crítica feminista contemporânea. A teoria feminista tem lançado novas luzes sobre a inserção social, política e cultural da mulher, mostrando as insuficiências da teoria neoliberal. Critica fortemente os paradigmas dominantes da ciência económica, por ignorarem sistematicamente a análise e importância do trabalho feminino, no mercado ou fora dele, e propõe o conceito de “economia do cuidado” não só do ponto de vista conceptual como contabilístico.

Conclui-se que o conceito de desenvolvimento pode variar de acordo com cada povo e, sendo um conceito em construção, não é possível depender de uma única definição ou de um receituário a seguir. É um processo em pleno desenvolvimento e que, de acordo com a sua própria filosofia, não vai estar nunca fechado e concluído.

Na introdução à obra, A Grande Transformação, Block considera que Polanyi exprime um sentimento profundo de responsabilidade moral quando afirma “A minha obra destina-se à Ásia, a África, aos novos povos”11. (Polanyi, 1944, p. 85) Deixando de parte a falácia

económica liberal que considerava que o modelo do mercado autorregulado era o único possível, as nações em desenvolvimento veriam alargar-se um sem número de possibilidades que permitissem melhorar o bem-estar das suas populações.

11 Carta de Be de Waard, 6 de janeiro de 1958, citada por Ilona Duczynska Polanyi, “I First Met Karl Polanyi in

1920”, in Kenneth McRobbie e Karl Polanyi Levitt (orgs.), Karl Polanyi in Vienne (Montreal, Black Rose Press, 2000), pp. 313, 302-15.

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Este ponto vai-nos ajudar a melhor compreender a aplicabilidade das teorias de Polanyi nos países em desenvolvimento da atualidade, como veremos mais adiante.