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PROTUGUESA DE SAÚDE MENTAL, ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: RELATO DE EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO

3.7 EVOLUÇÃO DA POLÍTICA PORTUGUESA DE DROGAS

Instituído o sistema previsto na lei, que estabeleceu diversos serviços e a contratação de bons profissionais, a evolução dos indicadores relacionados às drogas apontam diminuição do consumo. Essa tendência não é efeito somente da descriminalização, mas sim da construção de uma coerência sistêmica. Isso permitiu, por exemplo, o atendimento de dependentes de substâncias psicoativas mais velhos, que viveram o período do fascismo e receavam se aproximar dos serviços de tratamento por suporem que neles talvez pudesse haver cruzamento de dados com a polícia, numa lembrança do período da ditadura. Depois da descriminalização, essas ideias quase não existem mais entre os usurários.

Aliás, em relação à ação policial relacionada ao tráfico, com a descriminalização do consumo a polícia portuguesa teve de reaprender a lidar com a problemática das drogas. Se no passado ela agia muito mais sobre os usuários, o “peixe pequeno”, hoje está voltada para o combate aos agentes do tráfico.

As diversas respostas de cuidado pelos novos serviços previstos na lei parecem ter demonstrado eficácia ao longo dos últimos anos. Também, alguns componentes da política portuguesa de enfrentamento às drogas colaboram para organização desse sistema. O Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT), órgão ligado ao Ministério da Saúde, foi fundido, em 2002, ao Instituto Português da Droga e da Dependência (IPDT). Esse órgão tinha a função de coordenação nacional da política portuguesa de

2002 foi criado o Instituto da Droga e da Toxicopendência (IDT), vinculado ao Ministério da Saúde. Extinto em 2012, o IDT teve suas atribuições integradas ao Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (Sicad). (FICHEIRO NACIONAL DE AUTORIDADES ARQUIVISTICAS, 2012).

Com a nova estrutura, o Sicad passou a trabalhar com representantes de 11 ministérios. Tal modelo permitiu a construção conjunta e interministerial das estratégias e do plano de ação, traçando e definindo as responsabilidades de cada área governamental. Além disso, o órgão é acompanhado por uma comissão que avalia a aplicação desse plano. Essa forma de organizar os rumos da política de drogas faz com que a coordenação do Sicad tenha maior sustentabilidade política na atenção aos usuários de drogas no médio prazo.

Contudo, a sustentação dessa política não está apartada dos tensionamentos inerentes às atuais dinâmicas econômicas e sociais do país. Dito de outro modo, no cenário de crise econômica portuguesa, agravada nos últimos dois anos, as políticas de discriminação positiva voltadas aos usuários de drogas, como acesso ao trabalho, podem soar como um tipo de diferenciação, de privilégio em relação à população geral, uma vez que a taxa de desemprego no país girava em torno de 17%, no período do estágio.

Da mesma forma, não parece ser um momento oportuno para o país discutir a ampliação da política de drogas, como, por exemplo, a liberação dos “clubes ou associações de canabis”,14 uma vez que o mesmo consenso social e a transversalidade das classes sociais na problemática das drogas, bases fundamentais para que Portugal formulasse sua política na área, no início dos anos 2000, já não têm o mesmo apelo. Ou seja, no atual contexto socioeconômico do país, apesar de haver uma política de drogas sustentável já no médio prazo – e que se diferencia do paradigma proibicionista em voga em quase todo mundo – o desafio de Portugal nesse momento diz mais respeito à

14 Na Espanha, por exemplo, esses clubes ou associações de canabis foram liberados a partir do momento em que o pais autorizou o plantio desde que em âmbito privado. O comercio de drogas continua proibida. Contudo, parte desses consumidores domésticos associaram-se como forma de “cultivar em conjunto suas plantas” e se entende que essas associações não são pontos de venda e sim como a própria casa dos associados.

para novos patamares da descriminalização das drogas. Aliás, é importante lembrar que, de certa forma, mesmo com a oferta de serviços de saúde e a descriminalização dos usuários, a política de drogas portuguesa ainda insere- se na fronteira do paradigma proibicionaista, uma vez que a lei regula o consumo das substâncias, mantendo algumas penalidades administrativas,

Assim, é importante destacar que há outras experiências antiproibicionistas realizadas hoje no mundo e que devem ser observadas. O caso mais emblemático é o do Uruguai, cuja nova legislação prevê a intervenção do Estado na regulação do mercado (e não do consumo) da maconha. Os recursos financeiros gerados a partir dessa interferência são investidos na rede de tratamento para os usuários.

Políticas de drogas mais progressistas ou mais restritivas quanto à definição de consumo de drogas e a produção de soluções de cuidado para os usuários fragilizados por esse uso também são permeáveis aos movimentos da própria sociedade como um todo. As “[...] democracias são ainda o déspota, mas agora mais hipócrita e frio, mais calculista [...]” (DELEUZE, GUATTARI, 2004, p.228). Em momentos de crise econômica, por vezes, o individualismo cresce e as pessoas ficam mais preocupadas com seus próprios problemas. Ou seja, aquilo que não as toca diretamente não é assunto delas.

Nesse cenário, é possível que movimentos conservadores passem a tensionar as políticas mais progressistas, questionando os gastos públicos com usuários de drogas. A propósito, por toda a Europa, hoje, estão emergindo e ascendendo ao poder de partidos de direita. Sendo assim, o cenário parece pouco propício para o avanço dessas políticas inovadoras. Talvez seja importante observar experiências que começam a acontecer em outras partes do globo, de que é exemplo, novamente, o Uruguai. Nesse sentido, apesar da opção da Europa por uma abordagem equilibrada na política de drogas, referida como balanced approach,15 que investe na redução da oferta e da

15 “A politica europeia de drogas é baseada em uma abordagem equilibrada [ou balanced approach] que lida com a demanda bem como o fornecimento de drogas ilicítas.” (MALMSTROM,2012, p.3, tradução nossa). Exemplo dessa abordagem é o trabalho realizado com heroína, que, no logo prazo, reduziu procura e a oferta da droga em terriório português. “Policiamento vigoroso ao longo de rotas de

desenvolvimento de ofertas de cuidado, o cenário político atual na região deve impedir novas iniciativas. Dito de outro modo, em razão da ascensão dos conservadores, é provável que nenhum país europeu tenha condições sociais de avançar na política de drogas. Nesse sentido, é razoável supor que o objetivo de Portugal seja consolidar o já foi conquistado e otimizar recursos, promovendo ao mesmo tempo uma aproximação com a política da saúde mental. De certa forma, a boa visibilidade da política de drogas portuguesa faz com que ela se mantenha e não entre em retrocesso.

As políticas precisam ser desenhadas a partir das realidades dos países. Em Portugal, segundo os indicadores oficiais, a abordagem integrada ao usuário permitiu a redução da transmissão da aids, das mortes por overdose e do uso problemático de drogas. Estimativas indicam que o número de usuários de heroína caiu de 100 mil nos anos 1990 para cerca de 50 mil, atualmente. E grande parte desses usuários está ligada a estruturas de tratamento. Em 1997, por exemplo, em um inquérito realizado com a população portuguesa sobre suas preocupações quanto ao futuro dos filhos a droga aparecia em primeiro lugar; hoje, ocupa a 13ª posição.

3.8 SAÚDE MENTAL, ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: DIÁLOGOS