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3 POLÍTICAS SOCIAIS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

3.1 A EVOLUÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

A noção de educação pública, segundo Ranieri (2000), se dá na Europa a partir do século XVI, concomitante à consolidação da idéia de Estado Nação, consagrando a educação como instrumento de ação política e de interesse do Estado. Para a autora, nessa concepção todos deveriam ter direito às mesmas condições de ensino e aprendizagem.

Nessa perspectiva, de acordo com Ranieri (2009) seria possível que todos, por meio da formação educacional, utilizassem a educação como instrumento de luta pela ampliação dos direitos humanos e pela consolidação da cidadania. Segundo a sistematização histórica da educação no mundo ocidental abordada por Ranieri (2009, p.38):

Identifica-se sucessivamente, desde o século XVI, a “educação pública religiosa” (séculos XVI e XVII), voltada à formação do cristão; a “educação pública estatal” (século XVIII), voltada à formação do súdito, em particular do militar e a do funcionário, para atender ao processo de secularização do Estado. Após a Revolução Francesa, a “educação publica nacional” (século XIX) de caráter popular, elementar e primário, destinado ao cidadão, que, com o aumento da participação popular nos governos evoluiu para a “educação democrática” (século XX), cujo objetivo é a formação do homem completo.

Para Ranieri (2009), “a educação superior não escapa à realidade política e pública”. A autora ressalta que a criação das primeiras universidades públicas no mundo ocidental delineou-se por duas concepções de educação: a idealista, voltada aos interesses científicos, e a funcional, voltada para as necessidades sociais e culturais e/ou para atender a demanda do mercado. Ainda de acordo com Ranieri, a manutenção do ensino superior no âmbito público era ligada ao monopólio de concessões de privilégios profissionais, permanecendo um direito restrito a poucos (elite dominante e frações de classe em ascensão).

Ranieri (2009, p. 44) afirma que até o século XIX o Brasil não tinha educação superior. Apenas a partir de 1808, quando foram criados os primeiros cursos e academias de estudos superiores, quando, segundo a autora, a educação superior estava “sob controle estatal e essencialmente voltada à formação profissional”. De acordo com Colossi, Constantino e

Queiroz (2001, p. 51), em 1827 foram criados cursos de Ciências Jurídicas em São Paulo e em Campinas. Os autores relatam que em 1889 houve uma expansão considerável do ensino superior no Brasil com a criação de 14 novas faculdades. Os autores explicam que esta expansão se deu, em alguns casos, na esfera do crescimento econômico de algumas cidades, como no caso de Manaus que teve sua universidade criada em 1909, acompanhando o ciclo da borracha, e da Universidade do Paraná implementada durante o ciclo do café, no mesmo período.

De acordo com Finatti (2007, p. 61), a primeira universidade criada pelo governo federal foi a Universidade do Rio de Janeiro, em 1920. Essa universidade, mais tarde, na reforma Francisco Campos, em 1931, passou a ser considerada como modelo para as demais universidades brasileiras, sendo intitulada Universidade do Brasil. Segundo a autora, naquele ano foi instituída a primeira reforma do ensino superior que previa a criação do Conselho Nacional de Educação, com o objetivo de normatizar a educação superior no país.

Foi na década de 1930 que a demanda pela educação superior, no Brasil, foi crescente. Aumentou a necessidade de escolaridade, com a urbanização a do país, e, de acordo com Romanelli (2009), esta era uma luta das classes populares que ansiavam pelo acesso às posições sociais superiores. A autora observa que, naquele cenário, a educação oscilou entre:

Atender os interesses das camadas populares por mais educação, a educação que assegurasse o status, e os interesses das classes dominantes, que procuravam conter, de várias formas possíveis, as pressões dessas camadas. Reside ai a razão pela qual o ensino se expandiu, apesar de tudo, mas expandiu-se de forma distorcida. (ROMANELLI, 2009, p.109)

Conelli (2007, p.14) afirma que no início da década de 1930, no Brasil, os sistemas educacionais já eram na sua maioria “estratificados, segregados por raça, gênero e classe social, divididos entre escolas acadêmicas e técnicas, públicas e privadas, protestantes e católicos”. Conclui o autor que se desenvolveu assim o caráter seletivo e elitista da educação, o que veio a ocasionar a exclusão das classes populares ao ensino público, sendo necessárias políticas assistenciais para manter os estudantes pobres no ensino público.

Apesar da expansão das matrículas ocorridas a partir de 1930, em decorrência da criação do Ministério da Educação e da Saúde naquele ano, e da Reforma Francisco Campos em 1931, o chamado Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, Romanelli (2009, p.125) analisa que:

Essa expansão, no entanto, não refletiu as necessidades reais de desenvolvimento, já que de um lado, foi insuficiente, e de outro, caminhando em sentido inverso das necessidades criadas, acabou por acentuar profundamente a defasagem entre educação e esse desenvolvimento. Em conseqüência, a educação acabou por desempenhar papel conservador e alienante, na ordem econômica e social heterogênea, que é a brasileira.

Romanelli (2009, p. 205) afirma que em face da aceleração do ritmo de crescimento do Brasil, com a implantação da indústria de base a partir de 1930, com o auge em 1950, e da demanda efetiva por educação superior, ocasionada pela ascensão da classe média, o sistema educacional brasileiro não suportou a demanda e entrou em crise aguda. A autora ressalta que um dos aspectos da crise mostrou-se na incapacidade do sistema de oferecer os recursos humanos necessários à expansão econômica.

Segundo Romanelli, a crise levou à reivindicação dos estudantes militantes organizados em passeatas, exigindo do governo a reforma universitária, o que culminou em ações mais drásticas como o Decreto Lei nº. 252 de 28 de fevereiro de 1967 que no artigo 11 vedou aos órgãos de representação estudantil qualquer manifestação ou propaganda político partidário. Conforme observa Araújo (2008), de abril de 1964 até 1967, o movimento estudantil intensificou as discussões em torno da revogação dos Acordos do MEC com a United States Agency for International Development (USAID)17 e também a revogação da Lei nº4.464 de 09/11/1964, Lei Suplicy, que substituiu a União Nacional dos Estudantes UNE pelo Diretório Nacional de Estudantes.

Ao descrever as mudanças ocorridas após a Reforma Universitária (Lei. 5.540 de 28 de novembro de 1968), Romanelli (2009, p. 228) relata que ocorreram mudanças na organização da universidade, também na estrutura da administração e na dinâmica dos cursos. A autora faz uma analise crítica dessas mudanças e observa que tal reforma foi concebida com viés na racionalidade técnica, da eficiência e da produtividade, influenciada pelo modelo americano de universidade. Romanelli (2009, p. 233) conclui que “a modernização acabou criando uma complexidade administrativa e uma teia intricada de mecanismos de controle que a tornou mais conservadora na sua estrutura geral do que a do antigo modelo”.

17 O MEC-USAID era constituído de programas de cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos que tinham o objetivo de provocar o desenvolvimento da educação brasileira. Esses acordos incluíam assistência financeira e assessoria junto aos órgãos e instituições educacionais. Os documentos produzidos traziam propostas para a inovação e flexibilização da universidade, enxugamento dos cargos, melhoria da qualidade, e a proposta da dependência das universidades de paises sub-desenvolvidos às universidades americanas, o que não agradava o corpo docente universitário e tampouco os estudantes. (ROMANELLI, 2009)

De acordo com Borges e Carnieli (2005, p. 114), após a Reforma Universitária o governo federal lançou várias medidas e leis na tentativa de racionalizar e aprimorar o processo seletivo para o ensino superior. Os autores afirmam que:

Uma das primeiras medidas foi instituída logo depois da reforma universitária de 1968 pelo Decreto-Lei n.464, de 11.2.1969, que, no art. 4º, determinava ao Ministério da Educação e Cultura – MEC – atuar junto às instituições de ensino superior, com vistas à realização de concursos vestibulares unificados em âmbito regional, normatizandoo que já previa a Lei n. 5.540/68. No que se refere à unificação, o Decreto n. 68.908/71 delegava ao Departamento de Assuntos Universitários do MEC a competência para fixar a data dos vestibulares das instituições públicas em todo o território nacional.

Ainda de acordo com Borges e Carnieli (2005, p. 2), nas décadas de 1970 e 1980 foram introduzidos modelos de seleção para a universidade que ainda hoje são utilizados, como, por exemplo, “a inclusão de provas de habilidade específica para os cursos de Educação Física, Música, Artes, Arquitetura, entre outros; a inclusão de redação; o vestibular por etapas, a fixação de pesos diferentes para cada prova, considerando-se a carreira pretendida e a inclusão de questões que envolvem conhecimentos regionais”.

Gatti (1992) relata que os anos de 1980 foram de grande efervescência nas discussões sobre a questão do acesso ao ensino superior. Segundo a autora, fatores como a pressão das camadas médias por vagas na universidade e a discussão do vestibular unificado levaram o governo a tomar outras medidas como a revogação do decreto que instituía o vestibular unificado, voltando cada universidade a organizar o seu vestibular, cabendo ao MEC apenas a normatização do exame.

Segundo Soares (2002), a década de 1980 ficou conhecida como a década da estagnação econômica, a década perdida. A autora analisa que nesse período a economia brasileira foi marcada por sucessivas crises em razão do desequilíbrio na balança de pagamento, descontrole da inflação, aumento da dívida externa, insucesso de planos econômicos adotados pelo governo e outros fatores que ocasionaram o recuo nos recursos para as universidades públicas e seu sucateamento. Será abordado num tópico posterior que foi nessa década que se iniciaram as discussões sobre as políticas de assistência estudantil nas universidades públicas brasileiras. Nesse momento será tratado o contexto em que foram implementadas as políticas de democratização do ensino superior no Brasil.

3.2 POLÍTICAS DE EXPANSÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NAS