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Capítulo I – Enquadramento Conceptual

1. Perspetiva Inclusiva sobre Crianças com Necessidades Educativas Especiais

1.1. Evolução histórica do conceito de inclusão

Ao longo dos tempos muitas foram as mudanças que ocorreram na sociedade e que se refletiram no campo da educação entre elas o modo como se percecionam as pessoas com incapacidades,

a escola da discriminação deu lugar a escola da integração; a escola da homogeneidade deu lugar à escola da diversidade.

O próprio conceito de dificuldades de aprendizagem mudou. Antes considerava-se que a causa das dificuldades de um aluno estava apenas dentro dele; hoje considera-se que a escola tem também parte da culpa, na medida em que não se adapta às necessidades dessa criança” (Jiménez, 1997, p.9).

Numa perspetiva histórica podemos referimo-nos a três épocas principais, sendo elas a pré-história da educação especial; o período da institucionalização especializada e a época atual: integração versus inclusão.

A pré-história, que corresponde aos primórdios da educação especial, termina no século XVIII e é caracterizada pela rejeição das pessoas com deficiência. Nesta época,

as crenças religiosas influenciavam o grau de ameaça social do diferente e o seu aniquilamento era defendido e globalmente aceite como forma de proteger a sociedade. A prática de infanticídio era admitida e recorrente, os registos referem exemplos, nas sociedades Indiana, Grega e Romana, relativos à forma negligente e cruel como eram tratadas as pessoas com deficiência (Leitão, 2007. cit. por Felizardo, 2012, p. 25).

Na fase final da Idade Média verificaram-se algumas alterações sociais e o infanticídio passou a ser condenado pela Igreja. No entanto a peste negra arrasou um terço da Europa e a crença na Igreja, existente até ao século XVIII passou a dar lugar à crença

no demónio sendo que as causas das anomalias passam a ser atribuídas a causas sobrenaturais (Felizardo, 2012; Jiménez, 1997).

Com a chegada do período renascentista começaram a surgir perspetivas mais humanistas e naturalistas, o que levou à valorização da “dimensão humana do indivíduo com deficiência, criando-se um terreno propício às tentativas de educação e à abordagem científica” (Felizardo, 2012, p. 29). O crescente interesse pelo estudo das ciências ligadas ao ser humano, como é o caso da anatomia levou a que as pessoas com deficiência passassem a ser analisadas pelo olhar médico e psiquiátrico (Felizardo, 2012).

Começaram assim a surgir os primeiros esforços para a educação especial em Espanha

De Pedro Ponce Léon (1520-1584), monge beneditino, do mosteiro San Salvador, próximo de Burgos, veio a primeira evidência de instrução formal, com a utilização de métodos específicos e intencionais para o tratamento e educação de pessoas com surdez (…). Fundou a primeira escola para surdos, em Madrid, e desenvolveu um alfabeto manual que ajudava os surdos a soletrar palavras (Felizardo, 2012, pp. 29-30).

No final do século XVIII e inícios do século XIX inicia-se aquela a que chamamos era das instituições especializadas para pessoas com deficiência, este período, também pode ser designado de época da história de educação especial. Para tal, muito contribuíram os ideais de cariz humanista e de tolerância de Jean Jacques Rosseau (1712-1778) que fomentaram atitudes sociais mais positivas. Durante esta época “a sociedade toma consciência da necessidade de prestar apoio a este tipo de pessoas embora esse apoio se revestisse, a principio, de um caracter mais assistencial do que educativo” (Jiménez, 1997, p. 22). Durante este período existiram duas perspetivas; a primeira era a da necessidade de proteger a pessoa sem deficiência da pessoa diferente já que esta última era vista como uma ameaça; a segunda perspetiva era a de que o deficiente tinha de ser protegido da sociedade, uma vez que esta era nefasta. Começaram assim a abrir-se instituições especializadas fora das civilizações sob a desculpa de que o campo lhes proporcionaria uma vida melhor tranquilizando a população em geral, mas segregando e discriminando o diferente (Jiménez, 1997).

Durante a primeira metade do século XX viveu-se um período de fortes conflitos sociais, políticos e económicos que deram origem às duas guerras mundiais. Na sequência

das duas guerras mundiais iniciou-se a época atual: integração versus inclusão, uma vez que estas “originaram um elevado número de pessoas com deficiência e perturbações mentais, o que proporcionou o assumir de responsabilidades face aos afetados e a procura de respostas mais adequadas aos problemas gerados” (Felizardo, 2012, p. 35).

No panorama político e social mundial a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Declaração dos Direitos das Crianças (1959) foram importantes impulsionadores para a mudança da educação de pessoas com deficiência (Felizardo, 2012, p. 36). Neste sentido a Declaração Universal dos Direitos Humanos salienta que a “dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (Preâmbulo) e que “todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação” (artigo 7.º). Nesta declaração é ainda introduzido o direito à educação gratuita “toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório (…)” (artigo 26.º). No mesmo sentido a Declaração dos Direitos da Criança afirma no 5.º Princípio que “a criança mental e fisicamente deficiente ou que sofra de alguma diminuição social, deve beneficiar de tratamento, da educação e dos cuidados especiais requeridos pela sua particular condição”.

A partir de 1959 espalha-se por toda a Europa o princípio de normalização que, numa perspetiva pedagógica implica “o princípio da individualização, de tal modo que o atendimento educativo a dar aos alunos se ajustará às características e particularidades de cada um deles (…)” (Jiménez, 1997, p. 26). O princípio da normalização levou à criação de instituições especializadas abrandasse e começassem a surgir práticas integradoras. Jiménez (1997, p. 29), socorre-se das ideias de Birch (1974) para definir integração como “um processo que pretende unificar a educação regular e a educação especial com o objetivo de oferecer um conjunto de serviços a todas as crianças, com base nas suas necessidades de aprendizagem”.

No âmbito internacional surgiram vários documentos de referência que contribuíram muito para a integração de alunos com necessidades educativas especiais. Um deste documentos é a Individuals with Disabilities Education Act (IDEA) 1990, inicialmente conhecida por Public Law 94-142 de 1975 “determina que todas as crianças com NEE têm

direito à educação pública gratuita, a qual se deve revelar adequada às suas necessidades educativas e deve ter lugar no meio menos restrito possível” (Nielsen, 1999, p. 15).

O conceito de Educação Especial surge pela primeira vez em 1978 no Relatório de Comité de Inquérito sobre a Educação de Crianças e Jovens com Deficiência, reconhecido por The Warnock Report (1978). O termo “Educação Especial” substitui a designação “tratamento educacional especial” e passa a ter como princípio a elaboração de referências para as “crianças que sofrem de incapacidades de forma a estabelecer que incluem aqueles com dificuldades significativas na aprendizagem, ou com transtornos emocionais ou comportamentais, bem como aqueles com deficiência mental ou corporal” (Warnock, 1978, p. 48). Desta forma, passa a necessitar de educação especial toda a criança que tiver dificuldades de aprendizagem e que requeira uma medida educativa especial (Jiménez, 1997, p. 9). O mesmo autor refere que “(…) o conceito de necessidades educativas especiais está relacionado com as ajudas pedagógicas ou serviços educativos que determinados alunos possam precisar ao longo da sua escolarização, para conseguir o máximo crescimento pessoal e social” (Jiménez, 1997, p. 10).

Em 1993 surgiu a Convenção para os Direitos das Pessoas com Deficiência que tem como principal objetivo a promoção, proteção e garantia do gozo pleno e igualitário de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a promoção do respeito pela dignidade de pessoas com incapacidades (artigo 1.º).

No seguimento de todos os avanços realizados em 1994 surge a Declaração de Salamanca que tem como foco o princípio orientador a Educação para Todos incluindo os sujeitos com NEE impulsionando assim a escola inclusiva. Segundo este princípio as escolas devem ajustar-se a todas as crianças independentemente das suas condições físicas, sociais ou linguísticas. Deste modo Jiménez (1997, p. 21) afirma que,

a escola para todos rompe com o modelo instrutivo e transmissor, com a escola tradicional onde as crianças diferentes não encontram as condições mínimas para o seu progresso. É um novo modelo de escola aberta à diferença, onde se tenta que as minorias encontrem uma resposta as suas necessidades especiais sem prejudicar os outros, mas pelo contrário, beneficiando todos os alunos em geral, por tudo o que traz de mudança e renovações pelos novos recursos e serviços com que pode contar.

Segundo a Declaração de Salamanca (1994, p. 11) as escolas inclusivas baseiam- se no princípio fundamental de que “todos os alunos aprendem juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentam”. No mesmo sentido Nielsen (1999, p. 9) afirma que a inclusão pressupõe

que todos os alunos tenham direito a uma educação igual e de qualidade. Que todos os alunos sejam vistos no seu todo quanto ao seu crescimento e desenvolvimento. Que a todos os alunos seja provida uma educação que respeite as suas necessidades e características que, na sua essência, constituem direitos fundamentais de toda a criança. Que a todos os alunos seja facilitada a sua transição para a vida ativa, por forma a que eles se venham a mover a sociedade a que por direito pertencem com a maior autonomia e independência possíveis.

Ao falarmos de educação inclusiva, torna-se fundamental perceber quem são estas crianças com características e necessidades tão distintas. Segundo a Convenção para os Direitos das Pessoas com Deficiência (1993) entende-se por pessoas com deficiência todas as pessoas que têm incapacidades permanentes de caracter físico, mental, intelectual ou sensorial que estando em contacto com diversos, estes podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros. O mesmo documento (1993, p. 3) define como «discriminação com base na deficiência» todo e qualquer ato de

distinção, exclusão ou restrição com base na deficiência que tenha como objectivo ou efeito impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade com os outros, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais no campo político, económico, social, cultural, civil ou de qualquer outra natureza. Inclui todas as formas de discriminação, incluindo a negação de adaptações razoáveis.

De modo a combater a discriminação de crianças e jovens com NEE, a Declaração de Salamanca de 1994 proclama que “as crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através duma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro destas necessidades” (Declaração de Salamanca, 1994, p. vii). Esta reconhece que para a prática plena da escola inclusiva é necessário realizar algumas mudanças no setor educativo, nomeadamente, no currículo, nas instalações escolares, na cultura organizacional, na pedagogia implementada

pelos professores, nas avaliações, no pessoal e nas atividades extracurriculares. Deste modo, acredita-se que o currículo deve ser adaptado às necessidades específicas da criança, sendo que as crianças com NEE devem receber apoio pedagógico suplementar permanentemente no âmbito do currículo regular. Desta forma o princípio orientador é o de possibilitar a todas as crianças a mesma educação, oferecendo os apoios suplementares a quem necessita (Declaração de Salamanca, 1994). Como forma de acompanhamento da evolução do desenvolvimento das crianças e da identificação de barreiras devem ser realizadas avaliações formativas de modo a planear a ação tendo em vista a sua superação.

Neste sentido, é necessário realizar mudanças no sistema educativo de modo a dar resposta às necessidades de todos os alunos. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (2005, p. 10) a inclusão é “um processo de atender e de dar resposta à diversidade de necessidades de todos os alunos através de uma participação cada vez maior na aprendizagem, culturas e comunidades, e reduzir a exclusão da educação e dentro da educação”. A educação inclusiva prevê assim, que todas as crianças têm direito a uma educação de qualidade independentemente das suas limitações. Desta forma, “as escolas terão de encontrar formas de educar com sucesso estas crianças, incluindo aquelas que apresentam incapacidades graves” (Declaração de Salamanca, 1994, p. 6). O mesmo documento (1994, p. 6) afirma que

o mérito destas escolas não consiste somente no facto de serem capazes de proporcionar uma educação de qualidade a todas as crianças; a sua existência constitui um passo crucial na ajuda da modificação das atitudes discriminatórias e na criação de sociedades acolhedoras e inclusivas.

1.2. Necessidades educativas especiais e inclusão no sistema de ensino em