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A Exclusão Social

No documento Fechados no silêncio: os sem abrigo (páginas 65-70)

III. QUADRO CONCEPTUAL DE REFERÊNCIA

1. Pobreza e Exclusão

1.2. A Exclusão Social

O conceito de exclusão social é muito recente e susceptível de diferentes utilizações e significados. Emerge no contexto da crise económica dos anos 70 do século XX, que levou a que muitas pessoas, que gozavam até então de uma situação de inserção social, ficassem excluídas do exercício de cidadania, da impossibilidade de acesso aos sistemas sociais básicos (Costa, 1998). A nova situação de privação passou a estar correlacionada com a crise de emprego, da organização social e dos sistemas de protecção social. “Ora, a «nova pobreza» caracteriza-se, precisamente, pela ruptura dos laços sociais, isto é, pela produção de situações de «desfiliação» e crise das relações primárias entre os indivíduos «precarizados» e o seu meio. É neste sentido que se tem utilizado a popularizada expressão «exclusão social»” (Capucha, 2000: 8). Com efeito, foi em França, em 1974, com a publicação do livro Les Exclus, un Français sur dix de René Lenoir, que a expressão exclusão social passou a ser utilizada para designar um fenómeno social com origem nas práticas sociais e que pode abranger qualquer pessoa, uma vez que já mais ninguém poderá considerar-se protegido ou excluído (porque permanecerá sempre incluído na sociedade) da própria exclusão social. “Lenoir entend souligner, en effet, l’existence de causes sociales: l’urbanisation trop rapide et désordonnée génératrice de ségrégations sociales et raciales auxquelles s’ajoute une plus grande distance spatiale entre les générations; la violence diffusée à la télévision; l’inadaptation et l’uniformisation du système scolaire; le déracinement causé par la mobilité professionnelle; les inégalités de revenus et de l’accès aux soins et à l’enseignement`` (Paugam, 1996: 10). A origem do problema já não se coloca na exploração do proletariado, mas associa-se à existência de pessoas que o sistema

capitalista coloca de parte, à margem dos processos e dinâmicas sociais (Capucha, 2000). Emergem neste contexto as trajectórias de vida das pessoas, daquelas que independentemente da posição socioeconómica que ocupavam, foram colocadas fora do mercado de trabalho. Paugam (1996) salienta que foi nos anos noventa que se assistiu à consolidação do conceito, resultante da degradação do mercado de emprego, mas também resultante de um melhor conhecimento das populações em situação de pobreza, da evolução das representações sobre a pobreza. Em inícios da década de 90, a expressão passou a ser utilizada nos discursos políticos no seio da União Europeia, como substituta do conceito de pobreza e como sinónimo de um processo de marginalização social. Será importante constatar que o interesse da pesquisa científica sobre o problema da exclusão evoluiu paralelamente ao interesse dos poderes públicos. Mais tarde, através da Organização Internacional do Trabalho, a expressão exclusão social foi difundida a nível mundial, principalmente nos países em vias de desenvolvimento, constatando-se actualmente a sua normal e vulgar utilização.

Paugam (1996), referindo que a noção entrou já na linguagem comum, chama a atenção que a expressão exclusão social não pode ser utilizada de forma uniforme, com o mesmo significado, pois trata-se de um conceito que encontra a sua expressão em conformidade com o espaço e o tempo em que é proferido. Trata-se de um conceito eminentemente relacional e não situacional. “Cette notion est relative, variable selon les époques et les lieux. [...] Vouloir définir «l’exclu» en fonction de critères précis, valables une fois pour toutes, conduit, en réalité, à réifier des catégories sociales nouvelles, ou similaires à celles qui ont été construites socialement, et à laisser entendre qu’il peut exister une science de l’exclusion indépendant du contexte culturel spécifique de chaque société`` (Paugam,1996 : 565).

A exclusão é, como refere Robert Castel (citado por Bruto da Costa,1998), um percurso descendente que envolve sucessivas rupturas do indivíduo com a sociedade. É a fase mais extrema do processo de marginalização, marcada pela ruptura com o mercado de trabalho, por rupturas afectivas e familiares. A exclusão produz a auto-exclusão pela incorporação de um sentimento de incapacidade, pela impossibilidade de superar o presente e prevenir o futuro.

Costa (1998) considera que a exclusão social é um fenómeno complexo e heterogéneo. Subdivide-a em cinco tipologias: A económica, que está directamente relacionada com a situação de privação múltipla, por falta de recursos, sobrepondo-se ao da pobreza. No seu limite, podem encontrar-se indivíduos que vivem em situação de sem-abrigo. Quando a exclusão deriva da ausência relacional, do isolamento, da falta de autonomia pessoal, está-se a falar de um segundo tipo, a social. Exemplos desta exclusão podem ser os idosos que vivem isolados, que não desenvolvem laços de sociabilidade. Embora nem sempre a falta de recursos se encontre presente neste tipo de exclusão, a mesma pode decorrer da ausência de recursos, levando-nos para a possibilidade de estarmos perante uma situação de pobreza. A exclusão cultural resulta de fenómenos como o racismo, a xenofobia ou mesmo fenómenos impeditivos de integração de grupos étnicos minoritários. A exclusão patológica está relacionada com problemas de saúde, nomeadamente de saúde mental, que dão origem a rupturas afectivas e familiares. Muitos dos sem-abrigo, segundo o autor, possuem problemas de saúde mental que podem ter sido desencadeados pela vivência da situação de sem-abrigo, mas que também podem ter estado na sua origem. Por fim, o quinto tipo de exclusão social, que o autor denomina de comportamentos auto-destrutivos, isto é, comportamentos ligados com a toxicodependência, alcoolismo e prostituição. Estes comportamentos também podem estar associados aos sem-abrigo e encontrarem-se a montante ou jusante do problema. Todos estes tipos de exclusão social podem aparecer agrupados, sobrepostos, estabelecendo relações de causa e efeito.

A expressão exclusão social remete-nos para um problema de cidadania, pela impossibilidade de acesso aos sistemas sociais básicos (Costa, 1998: 14). O autor agrupa esses sistemas em cinco domínios que classifica de social, económico, institucional, territorial e das referências simbólicas. O primeiro domínio, o do social, refere-se aos sistemas em que as pessoas se encontram inseridas e subdividem-se em imediatos e restritos (família e vizinhança); intermédios (associação desportiva ou cultural, a empresa, o grupo de amigos); amplos (comunidade local, política, mercado de trabalho). No segundo domínio, o económico, existem três tipos de sistemas: os mecanismos geradores de recursos, que incluem, por sua vez, o mercado de trabalho (salários), o sistema da segurança social (pensões) e os activos; o mercado de bens e

serviços; e o sistema de poupanças. No domínio institucional são incluídos dois tipos de sistemas, os prestadores de serviços (sistema de saúde, educação, justiça, habitação) e as instituições ligadas com direitos cívicos e políticos. O quarto domínio, o territorial, diz respeito à exclusão de um território (bairro, região, país). O último domínio, o das referências simbólicas, refere-se à perda da identidade pessoal, à identidade social, à perda de auto-estima, de auto-confiança, de sentido de pertença à sociedade, de capacidade de iniciativa, de motivação.

Mais uma vez, apesar de classificados de forma independente, os sistemas e os domínios citados podem aparecer sobrepostos, pela interdependência que detêm. Alfredo Bruto da Costa salienta “Um exemplo expressivo de sobreposição dos domínios é o do desemprego, que, como se assinalou, por um lado, acarreta perda de rendimentos normais (domínio económico), por outro, afecta as relações sociais (domínio social) e, por outro, ainda, atinge o excluído na sua identidade social (domínio das referências)” (1998: 17). Mas o autor refere-se ainda ao que apelida de grau de exclusão social, para salientar que nem sempre se está perante a falta de acesso a todos os sistemas sociais básicos. Completa a sua análise aludindo também à visão da exclusão social como um processo, já anteriormente por nós focado, pela ocorrência de sucessivas rupturas, sendo as mais extremas as rupturas dos laços familiares e afectivos. Considera que a ruptura intermédia mais importante é a que diz respeito ao mercado de trabalho.

De todos os autores consultados, consideramos que Claude Dubar (1996) consegue, da melhor forma, condensar em duas ideias-chave o fundamental sobre o conceito. “D’une part, les phénomènes aujourd’hui désignés sous le terme d’exclusion n’ont pas toujours existé comme tels. Ils résultent de transformations récentes dans les fonctionnements «structurels» des institutions clés de la vie économique et sociale, c’est-à-dire de celles qui contribuent à fournir aux individus des ressources financières et un statut social […] Mais l’exclusion est aussi un processus qui concerne plus spécifiquement certains catégories d’individus au cours de leur existence. C’est aussi un processus «biographique» qui ne peut être compris qu’en retraçant les étapes de parcours qui

s’éloignent toujours plus de l’intégration économique (accès ou retour à l’emploi) et de l’affiliation sociale (appartenance à un collectif) `` (Dubar, 1996 :111-112).

Correndo-se o risco de se citar Claude Dubar com alguma imoderação, julgamos, no entanto, que algumas das suas ideias merecem ainda ser transcritas, pela oportunidade sequencial que dá ao seu pensamento, pela clara visão dinâmica dos processos em análise. “En considérant ainsi les réalités visées sous le terme d’exclusion non comme un état, mais comme l’articulation toujours incertaine de deux processus largement autonomes qui impliquent de la part des individus, considérés comme sujets, une double transaction à la fois biographique (avec eux-mêmes) et relationnelle (avec les autres), il me semble possible de conceptualiser ces phénomènes comme faits de socialisation [Dubard, 1991], dans un contexte nouveau marqué à la fois par de nouvelles politiques d’emploi et de nouvelles pratiques relationnelles, par de nouvelles formes de «flexibilité temporelle» et de nouvelles trajectoires marquées par l’incertitude objective et des risques parfois récurrents de découragement subjectif `` (Dubard, 1996 : 117-118).

Por último, suscita-nos afirmar que a exclusão social é definida pela negação, pela perda de referências, pela falta de recursos, pela ausência de oportunidades, pela impossibilidade de afirmação, pela incapacidade de reivindicação de interesses, ou seja, a exclusão social é um processo de desconstruções. Mas, é também uma construção social, ou seja, é o produto de prática sociais que vão alterando a relação que os indivíduos mantêm com eles próprios e com os outros e com a sociedade envolvente.

No documento Fechados no silêncio: os sem abrigo (páginas 65-70)