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2.4 Exercício Físico em Ritmo Auto-Selecionado: Parâmetros Afetivos

Nas últimas décadas, o emprego dos construtos emoção, humor e afeto como sinônimos têm contribuído enormemente para a produção de resultados divergentes em inúmeros estudos científicos na área da psicologia (DIHSMAN, 1995; BIDDLE, 1995; GAUVIN; SPENCE, 1996; SCULLY, et al., 1998). Embora o propósito de tornar esses construtos claramente definidos e distintos entre si ser verdadeiramente irreal, recentes estudos tem buscado examinar a opinião de especialistas na busca de pontos de convergência ou consenso. Por exemplo, Ekkekakis e Petruzzello (2000) conduziram uma investigação sistematizada a respeito de prévias definições conceituais de emoção, humor e afeto. Neste estudo, o construto emoção foi considerado como aquele estado afetivo originado após um processo de avaliação cognitiva (por exemplo, orgulho ou embaraço), durante o qual um objeto específico é reconhecido como prejudicial ou promotor do bem-estar individual. A emoção pode ainda ser caracterizada pela sua curta duração e alta intensidade. De modo similar, o construto humor também apresenta origem em um processo de avaliação cognitivo. Entretanto, a presença de um objeto específico não é necessária, e de forma contrária a emoção, caracteriza-se como um estímulo de mais longa duração e de menor intensidade. Finalmente, o construto afeto refere-se ao componente experiencial e não-cognitivo de respostas do tipo contrastantes (por exemplo, positivo ou negativo, prazer ou desprazer, conforto ou desconforto, entre outras), incluindo emoções e humores, porém não limitadas a elas. Desse modo, afeto pode ocorrer como um dos componentes de uma emoção (por exemplo, orgulho é prazeroso) ou independentemente dela, ou seja, na ausência de qualquer processo de avaliação cognitiva, como no

20 23 desprazer não-mediado cognitivamente associado a uma dor (ORTONY, et al., 1987; EKKEKAKIS; PETRUZZELLO, 2000).

Dentro desse contexto, as respostas afetivas podem ser consideradas modificações no prazer/desprazer auto-reportado (EKKEKAKIS, et al., 2005). A investigação sobre a relação entre essas respostas afetivas e a intensidade de exercício físico tem evidenciado-se como uma proeminente área de pesquisa dentro da psicobiologia. Por exemplo, em estudo de revisão conduzido por Ekkekakis e colaboradores (2005), foram identificados 48 pesquisas buscando investigar os efeitos de múltiplas intensidades de exercício físico sobre as respostas afetivas entre os anos de 1971 e 2005. A razão primordial para esse interesse decorre da crescente expectativa na elucidação dos possíveis mecanismos associados à relação entre intensidade e aderência a programas de exercício físico (SALLIS, et al., 1986; LEE, et al., 1996; PERRI, et al., 2002; COX, et al., 2003; DUNCAN, et al., 2005). Emmons e Diener (1986) têm demonstrado que a quantidade de tempo gasta em determinadas situações por um indivíduo é influenciada pela sua experiência de afeto, ou seja, ele tende a repetir situações que o fizeram sentir-se bem e a evitar situações que o fizeram sentir-se mal. Nesse sentido, compreender como diferentes intensidades de exercício físico influenciam as respostas afetivas torna-se essencial, pois respostas afetivas negativas associadas ao exercício físico poderiam induzir a uma diminuída motivação intrínseca, e possivelmente, a uma redução na taxa de aderência (EMMONS; DIENER, 1986).

Prévios estudos têm demonstrado um modelo de curva “U invertido” na relação dose-resposta entre intensidade de exercício físico e respostas afetivas (KIRKCALDY; SHEPHARD, 1990; OJANEN, 1994; BERGER; MOTL, 2000). Especificamente, intensidades moderadas de exercício físico proporcionam as

24 condições necessárias para modificações afetivas significativas, enquanto intensidades leves ou vigorosas são insuficientes para produzir mudanças no afeto. Além disso, intensidades elevadas de exercício físico estão freqüentemente associadas a experiências consideradas aversivas (BERGER; MOTL, 2000) (FIGURA 2). Contudo, dois problemas fundamentais a respeito desse modelo de curva “U invertido” têm sido evidenciados. Primeiro, apesar de sua enorme popularidade, o modelo não é consistente com os resultados verificados em estudos anteriores (SAKLOFSKE, et al., 1992; EKKEKAKIS, et

al., 2000; VAN LANDUYIT, et al., 2000; LIND, et al., 2005). Por exemplo, em

pesquisa conduzida por EKKEKAKIS e colaboradores (2000), envolvendo uma população de jovens adultos, verificou-se um aumento no prazer auto-reportado durante a realização de exercício físico de baixa intensidade (~25%

da FCRes). Em outro estudo, Van Landuyit e colaboradores (2000) reportaram

uma enorme variabilidade nas respostas afetivas (44% aumento, 41% decréscimo e 15% nenhuma modificação) dos participantes durante realização

de 30 minutos de exercício físico de intensidade moderada (~60%O2Máx) em

ciclo ergômetro. O segundo problema em relação ao modelo de curva “U invertido” diz respeito aos designs dose-resposta em geral, os quais falham em não considerar padrões de variabilidade interindividual, apesar do fato de que esses padrões parecem ser sistemáticos e poderiam ser de considerável significância fisiológica (EKKEKAKIS; PETRUZELLO, 1999).

Em estudo meta-analítica realizado por Ekkekakis e Petruzello (1999), dois cruciais problemas metodológicos que poderiam ter interferido nos resultados dos estudos que preconizaram investigar a relação dose-resposta entre intensidade de exercício físico e respostas afetivas foram identificados. O primeiro problema é dependente ao momento da realização da avaliação da

25 resposta afetiva (pré-exercício, exercício e/ou pós-exercício), e baseia-se na falsa premissa de que qualquer mudança no ínterim poderia ser linear. Prévios estudos têm demonstrado um consistente decréscimo no prazer auto-reportado com o aumento da intensidade durante realização de exercício físico (HARDY; REJESKI, 1989; BIXBY, et al., 2001; ACEVEDO, et al., 2003). Contudo, após o término da atividade, as sensações afetivas negativas são rapidamente seguidas por sensações afetivas positivas (HALL, et al., 2002). Desse modo, a conseqüência deste problema é que o modelo dose-resposta somente é evidenciado durante o exercício físico, sendo dissipado logo após seu término. Por sua vez, o segundo problema metodológico diz respeito aos métodos e nomenclaturas utilizados para descrever os diferentes níveis de intensidade de exercício físico (EKKEKAKIS; PETRUZELLO, 1999). Se por um lado verifica-se o emprego de métodos não-padronizados, incluindo o uso de cargas absolutas ou percentuais arbitrariamente selecionados de determinadas variáveis fisiológicas, perceptuais e mecânicas, por outro lado observa-se a utilização de termos inespecíficos para a descrição de diferentes intensidades de exercício físico, como baixo, leve, alto, vigoroso, e talvez o mais citado, moderado.

Leve Moderada Vigorosa

Intensidade de Exercício Físico

FIGURA 2. Modelo de curva “U” invertido da relação dose-resposta entre intensidade de exercício físico e benefícios afetivos (adaptado de BERGER; MOTL, 2000).

Benefícios Afetivos

Otimizado

Insuficiente / Aversivo Insuficiente

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Uma possível solução para tais problemas metodológicos é apresentada

no estudo de revisão realizado por Ekkekakis e colaboradores (2005), e diz respeito ao emprego do sistema de classificação estabelecido convencionalmente pelo ACSM (2000). Neste sistema de classificação, por exemplo, intensidade de exercício físico moderada é convencionalmente

definida como um percentual da FCMáx entre 55%-69% e percentual do

% O2Máx entre 50-65%. Entretanto, novos problemas tornam-se evidentes,

como a utilização de um sistema convencionalmente definido, e não fisiologicamente definido. Além disso, essa solução não leva em consideração os aspectos pertinentes ao ponto de transição aeróbico-anaeróbico, os quais poderiam diferir entre indivíduos realizando exercício físico em um similar percentual da capacidade máxima (MCARDLE, et al., 2006). Dessa maneira, um estímulo de exercício físico padronizado através de inúmeros sujeitos torna-se não possível, particularmente levando-torna-se em consideração as inúmeras modificações fisiológicas, e também afetivas, ocorridas na transição de predominância entre os metabolismos aeróbico e anaeróbico (ACEVEDO, et

al., 2003; EKKEKAKIS, et al., 2004; PARFITT, et al., 2006).

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A classificação da intensidade de exercício físico baseada em três domínios com distintos requerimentos metabólicos (GAESSER; POOLE, 1996) poderia ser uma alternativa para solucionar os problemas ocasionados pelo emprego do sistema de classificação convencionalmente estabelecido pelo ACSM (2000). De acordo com Gaesser e Poole (1996), os três diferentes domínios são: (a) domínio de intensidade moderada, (b) domínio de intensidade pesada, e (c) domínio de intensidade muito pesada ou severa, sendo que cada qual poderia apresentar diferentes padrões de respostas afetivas (EKKEKAKIS, et al., 2003).

27 O domínio moderado é composto por intensidades de exercício físico inferiores ao limiar de lactato (GAESSER; POOLE, 1996), e faz incluir atividades rotineiras como a caminhada e corridas leves. Neste domínio verifica-se o surgimento de respostas afetivas positivas, com relativamente baixa variabilidade interindividual, resultado da manutenção de um estado fisiológico estável (homeostase), e com o metabolismo aeróbico sendo o principal responsável pelo fornecimento energético orgânico (EKKEKAKIS, et

al., 2003). Por sua vez, o domínio pesado extende-se desde o limiar de lactato

até a mais alta taxa na qual o lactato sanguíneo poderia ser estabilizado, denominado máximo estado estável de lactato (GAESSER; POOLE, 1996). Os aumentos na concentração de ácido lático e na dependência pelo metabolismo anaeróbico são acompanhados por um conjunto de modificações orgânicas, incluindo elevações exponenciais na taxa de ventilação minuto, na concentração de catecolaminas e no recrutamento de fibras musculares (MCARDLE, et al., 2006). Tais modificações orgânicas produzem uma série de informações interoceptivas que chegam ao lócus consciente e lhe indica a respeito de potenciais perturbações críticas à homeostase (CRAIG, 2003; POLLATOS, et al., 2005). Neste contexto, a habilidade consciente em tolerar esses sinais orgânicos (interocepção) poderia ser enormemente dependente de diferenças individuais em fatores cognitivos (por exemplo, a auto-eficácia) e dimensões de personalidade (por exemplo, modulação somatosensorial), e dessa maneira, as respostas afetivas variariam enormemente (EKKEKAKIS, et

al., 2005). Finalmente, o domínio severo extende-se do máximo estado estável

do lactato até o nível da máxima capacidade de exercício físico (GAESSER; POOLE, 1996). Neste domínio, o consumo de oxigênio e o lactato sanguíneo aumentam continuamente até a atividade ser finalizada pela exaustão

24 (MCARDLE, et al., 2006). Ainda, como um mecanismo de proteção precedente às falhas neuromusculares ocorridas ao final do exercício físico, verifica-se o surgimento de potentes manifestações de esforço percebido e desprazer auto-reportado (EKKEKAKIS, et al., 2004).

Baseados nas premissas fundamentais associadas à tipologia dos três domínios de intensidade de exercício físico, Ekkekakis e colaboradores (2005) apresentaram um modelo alternativo da relação dose-resposta entre intensidade e respostas afetivas. Esse modelo é apresentado detalhadamente na FIGURA 3.

Domínio Moderado Domínio Pesado Domínio Severo Homogeneidade Variabilidade Homogeneidade Prazer Prazer/Desprazer Desprazer

Influência cognitiva Influência Cognitiva Influência interoceptiva

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Intensidade de Exercício Físico

FIGURA 3. Modelo alternativo da relação dose-resposta entre intensidade de exercício físico e respostas afetivas baseada na tipologia dos três domínios (adaptado de EKKEKAKIS, et al., 2005).

Diferentemente do tradicional modelo de curva “U invertido”, esse novo modelo de Ekkekakis e colaboradores (2005) apresenta uma série de estudos suportando a sua validade (EKKEKAKIS, et al., 2000; VAN LANDUIYT, et al., 2000; HALL, et al., 2002; EKKEKAKIS, et al., 2004; EKKEKAKIS; LIND, 2006; PARFITT, et al., 2006). Apesar disso, os autores sugerem a realização de futuras pesquisas verificando a sua validade em diferentes populações (EKKEKAKIS, et al., 2005). Ainda, reforçam a necessidade da elucidação dos possíveis mecanismos responsáveis pela “troca” entre homogeneidade e variabilidade interindividual. De acordo com a hipótese apresentada por

29 Ekkekakis e colaboradores (2003), homogeneidade poderia refletir primariamente a ação de mecanismos subcorticais de produção de afeto, e assim representaria uma ausência relativa de mediação cognitiva. De modo contrário, variabilidade poderia refletir primariamente a ação de mecanismos corticais de produção de afeto, e assim demonstrar uma forte influência de fatores cognitivos.

Recentes estudos têm buscado investigar a influência da auto-seleção da intensidade de exercício físico sobre as respostas afetivas (LIND, et al., 2005; EKKEKAKIS, LIND, 2006; PARFITT, et al., 2006), baseados primariamente em prévias evidências indicando que os indivíduos tendem a intuitivamente ajustar seus ritmos de exercício físico na busca da otimização do prazer (CABANAC; LE BLANC, 1983; CABANAC, 1986). Por exemplo, em pesquisa conduzida por Lind e colaboradores (2005), envolvendo 23 mulheres adultas previamente sedentárias, verificou-se o surgimento de respostas afetivas (mensuradas pela escala de afeto de Hardy e Rejeski (1989)) estáveis e positivas durante a realização de 20 minutos de caminhada em ritmo auto-selecionado. Além disso, as respostas afetivas durante exercício físico em intensidade preferida (escore médio 2,4 ± 1,1) não diferiram daquelas observadas no limiar ventilatório (escore médio 2,0 ± 1,3), sugerindo assim que os indivíduos tendem a exercitar-se em uma intensidade que aproxima-se do ponto de transição de predominância entre os metabolismos aeróbico e anaeróbico. Resultados similares foram verificados no estudo realizado por Parfitt e colaboradores (2006), envolvendo 12 homens previamente sedentários, os quais foram submetidos aleatoriamente a três sessões de exercício físico com diferentes intensidades: (a) abaixo do limiar ventilatório, (b) acima do limiar ventilatório, e (c) auto-selecionada. Respostas afetivas estáveis

30 e positivas foram verificadas durante a realização de 20 minutos de caminhada nas condições (a) e (c) (escores médios 3,2 ± 1,2 e 3,7 ± 0,7, respectivamente). Entretanto, na condição (b), uma tendência rumo à negatividade foi verificada (escore médio 0,8 ± 1,8), associada a uma considerável variabilidade interindividual. Resumidamente, os resultados de ambos os estudos supracitados reforçam novamente a validade do modelo alternativo dose-resposta de Ekkekakis e colaboradores (2005), além de indicarem uma possível associação direta entre auto-seleção de intensidade de exercício físico e prazer auto-reportado.

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