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A fo to acim a retrata um a form a in vestigad a no exercício de im provisação, sem objetos e sem o texto, um a das prim eiras v e z e s que a execu tam os. U m elem en to ainda não havia sido in clu in d o n essa etapa, o esp aço da rua, que viria influenciar toda o trabalho que estava sendo realizado, suas sonoridades e a relação d os m ovim en tos-form as co m a arquitetura do lugar, influenciaram dentro do jo g o . A s figuras eram sem pre reconhecidas p elo s transeuntes nos ensaios, p ois alguns g e sto s eram có d ig o s de recon h ecim en to do m aterial em seu cam po de atuação. Sarrazac (2 0 0 2 ), quando escreve sobre o personagem em construção, pontua as form as de p ersonagem que estão na cena de m aneira m ais fragm entadas e constituídas em ped aços, em sua incom p letu d e ao entrar em d iá lo g o com o espectador que o person agem - m aterial, n esse caso, se constrói. D e ssa form a, surge um a das cenas, que propositalm ente abre o procedim ento que foi instaurado na sala de ensaio. C ada ator assum e sua figura, se colocam no ponto zero e iniciam o jo g o , finalizando com a crem ação do pano que e n v o lv e a b o c a da im agem executada por N aiton A lvarenga. 75

O s três vetores destacados, n esse p rocesso de criação, são instrum entais u sad os para discutir o s princípios q u e regeram o percurso da estruturação de p rocedim entos elaborados para essa en cen ação com o s jo v en s atores. A s interrogações que e o esp aço, a dram aturgia e a provocadora trouxeram para to d o s o s integrantes d esse projeto, regeram as im p rovisações e am pliaram as p erspectivas de ver e estar no m undo. A p oética que a cidade nos lançou, um cam po ocupado por um a diversidade e de v o z e s que n ecessitavam ganhar m ais corpo; a dram aturgia que em ca so s esp e c ífic o s do fazer viria co m o pistas para um com eço, que foram invertidas e assum idas no percorrer do d esen volvim en to da encenação, vin d o a ganhar um a estrutura fixada um m ês antes da estreia, e, de certa form a, ela perm aneceu em construção a cada apresentação; a provocadora da encen ação trouxe um a reflexão sobre a p oética da encen ação em seu estado processual, de esco lh a s e de m ultiplicidade de pon tos de vista para com um m esm o objeto.

CEMITÉRIO 2 OU PROCESSO PEDAGÓGICO/CRIATIVO “DES-ENCONTRO”

JOÃO COVEIRO: Estou em frente ao portão do cemitério municipal Santo Antônio de Padua (Dourados/MS). Este vai ser meu local de trabalho neste capítulo. Desta vez, busco vestígios da encenação “des-encontro ” dos alunos de bacharelado e licenciatura em Artes Cênicas, da Universidade Federal da Grande Dourados.

Neste capítulo a função do encenador adentra a esfera do ensino, sua reflexão parte dos procedimentos operacionalizados em sala de aula na disciplina de Encenação IV76 da graduação em Artes cênicas, na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Serei guiado com a lente dos sete ensaios da obra A preparação do diretor de Anne Bogart.

A preparação do diretor é uma articulação desse estudo. Os artistas são pessoas dispostas a articular a transitoriedade e a transformação. Um bom artista encontra novos modelos para nossas ambiguidades e incertezas. O artista se transforma no criador do futuro através do ato violento da articulação. Digo violento porque a articulação é um ato de força. Exige agressividade e capacidade para entrar na briga e traduzir essa experiência em expressão. Na articulação começa uma nova organização do cenário herdado. (BOGART, 2011, p.12)

O trecho introduz os impulsos criadores para a criação que a autora dividiu em sete ensaios que carregam os títulos: “Memória”, “Violência”, “Erotismo”, “Estereótipo”, “Terror”, “Resistência” e “Timidez”. As palavras/estudos serão diluídas sobre os materiais (procedimentos) realizados em sala de aula/sala de ensaio, propiciando uma articulação entre a prática desenvolvida e os sete ensaios de Bogart. O objetivo principal era a experimentação de uma forma de condução que ocorre dentro do espaço cênico e a possibilidade de encenar em locais não-convencionados para essa linguagem.

76 Os objetivos criados para disciplina foram: refletir sobre o papel do encenador na contemporaneidade; trabalhar exercícios práticos de criação coletiva; desenvolver encenações, elaboradas por dispositivos de encenadores latino-americanos; realização de projeto de encenação para a montagem; apresentação dos resultados cênicos ao final do processo.

Iniciamos, eu e os alunos da disciplina, com a leitura do texto “A encenação e a técnica”, de Patrícia Fagundes (2008), após recordamos as produções geradas e desenvolvidas no curso de Artes Cênicas, da FACALE/UFGD, até o momento (segundo semestre de 2014). Das duas ações, ler e rememorar, as questões levantadas foram as seguinte: Quais são os lugares para realização de uma encenação? Quais as possibilidades de se trabalhar em um espaço previamente dito como não-teatral? As perguntas também se tornaram provocações para mim, enquanto encenador e, nesse contexto, professor de uma disciplina que visa apresentar formas de condução e mediar a discussão em torno do ofício do encenador dentro de nosso tempo, até onde vão as minhas próprias referências de possíveis lugares que ocorreram ou ocorrem encenações ou “modos” de trabalho de condução para processos criativos em locais não-convencionais. Combinado com as vivências enquanto espectador77 das produções cênicas que o curso de Artes Cênicas havia realizado, propus um mapeamento das montagens realizadas dentro das disciplinas de encenação78, com foco nos trabalhos cênicos que estavam voltados para um espaço não previamente pensado e/ou construído para receber o teatro enquanto encenação. Da visualização das encenações neste “mapa” para um retorno à leitura do texto, algumas frases e palavras são recorrentes na reflexão desse encenador em processo79 80.

0 saber e constitutivo da encenação.

Conciliação entre os diferentes

elementos da representação

80

- iu

• s e r um ator.

Detrito 1 - Trechos recortados do texto

JOÃO COVEIRO: Essa colagem está em desordem, pois foi assim que essas palavras surgiram nesse desenterrar, no momento em que as encontro elas estão ainda pulsantes.

77 Estive também como aluno/elenco na primeira montagem cênica de bacharelado que o curso realizou.

78 No projeto pedagógico do curso de Artes Cênicas, da FACALE/UFGD, do ano que entrei como aluno (2009) até o momento em que estive como professor-substituto (2014) existiam 4 disciplinas de encenação, divididas da seguinte forma: Encenação I, Encenação II, Encenação III, Encenação IV.

79 A ideia de ser um encenador em processo foi apoiada nesse movimento contínuo e desenvolvimentista que a palavra traz em seu significado.

LUIZ EDUARDO: Acredito, seu João, que são reflexões das reverberações de uma vivência extremamente importante no caminhar dessa pesquisa, pois ela coloca em cheque todas as minhas inquietudes como artista e como professor. Discutir isso no âmbito acadêmico e no período de formação dos futuros bacharéis e licenciados em Artes Cênicas do curso que fiz parte como aluno é significante.

O s fragm entos revelam características m ob ilizad oras dos d iscen tes e do professor- encenador, e pistas do con texto que pretendiam construir juntos. A s q u estões que vieram após o elencar d esses trechos foram pensar num olhar que transitasse por dentro e fora da cena - “olh o de fora”, revelando um a prática que poderia ser flexion ad a no p rocesso de criação e de pesquisa. U m condutor presente na área da encenação, sendo contam inado por to d o s os com p on en tes dela e em troca com o s atores. Q uando o s d esen h os de cen a estavam rascunhados, surge a vontade de retornar para e sse olhar de fora, alterando o olh o que vê, convidando artistas que estiveram presentes na trajetória artística de cada integrante do p rocesso que estiv essem fora d esse projeto de criação, são eles: p rofessores do curso (m eu s antigos p rofessores que n esse período estavam com o m eus co leg a s de trabalho), am igos artistas su l-m atogrossen ses e d iscen tes do curso de artes cênicas.

O p rocesso criativo/p rocesso p ed a g ó g ico carrega em si um trajeto com saberes im p revisíveis, con h ecim en tos que surgem da ação - o saber é constitutivo da encenação. N o decorrer do roteiro previam ente determ inado p elo encenador-professor, o plano de ensino p revisível, as teorias e o m od o de fazer fixad o, oscilam e a in vestigação aponta n o v o s cam inhos a percorrer, que sejam e le s de dom ínio ou não de seus integrantes, m as p o ssív e is riscos n ecessários para aquele instante. R econ h ecer o [des]controle da situação, aceitar que o caos tom e as rédeas da situação, e experim entar essa sen sação de não identificar o que houve. A lgu m tem p o depois, reunir e sse s m ateriais soltos p ela sala de en saio/sala de aula e refletir sobre o instante que ocorreu, le v a a reconhecer outros lugares que não estavam inicialm en te d elim itad os e que podem ser trabalhados posteriorm ente ao ocorrido.

Acredito que o caos possa estar presente nos processos criativos de diferentes formas: fazer parte da criação, instaurar-se por alguns momentos ou mesmo não ser um fator considerado importante para os envolvidos no processo. Isso depende dos procedimentos usados no decorrer de cada processo criativo e do olhar lançado sobre o caos, incluindo ou descartando o diálogo com o mesmo. (SILVA, 2013, p. 108)

N e sse período do processo, com o m enciona A driana M oreira Silva, artista e professora de teatro na E ducação B ásica, a prática p ed agógica no teatro passa por m om en tos caóticos que pod em ser assu m id os e v iv en cia d o s enquanto esse [des]controle. Enquanto professor, naquele instante, o m eu m aterial estava diretam ente ligado ao p rocesso criativo e deveria ser o instante do caos um aliado na m inha com p o siçã o pedagógica.

LUIZ EDUARDO: Ler este trecho me guia para alguns momentos vivenciados durante as aulas. Eu havia estruturado uma sequência lógica, enquanto professor, que no decorrer da disciplina tomou outros caminhos que nem sempre havia experimentado. O próprio ato de ser docente de uma disciplina específica de encenação, uma linha de investigação que sigo desde meu projeto monográfico na graduação e posteriormente nessa dissertação, f oi um momento de desorientação. Como bem diz Bogart (2011), quando fala de um salto para o vazio, me sentia assim, despencando em um abismo sem paraquedas em câmera lenta para aprender com a queda livre.

O estar em representação - “ser um ator” - durante o projeto de encenação p od e ser um papel assum ido por um condutor no p rocesso de m ontagem . M inhas práticas artísticas sem pre estiveram ligadas n essa p o siçã o , p ois nunca estive fora da área de cena, as instruções sem pre estavam som adas aos m od elos de ação jo g a d o s junto aos atores. E sse “m o d o ” eco a da m inha form ação de ator, sem pre m e in com od ou um a v o z que e stiv e sse fora d esse esp aço m e problem atizando. O m al estar aqui descrito está ligado inteiram ente ao “eu” e das escolh as feitas durante o trajeto artístico. N o decorrer da prática docente, ainda fora do m eio acad êm ico, usava d os m om en tos de aula para m e exercitar ju n to das crianças e/ou a d olescen tes co m quem trabalhava. A dentrava nas im p rovisações para criar junto, disparar p ossib ilid ad es de in vestigação para o s jo v e n s atores p rovocan d o-os com ações, g esto s, barulhos, a própria presença do lado d eles, e, por vezes, propiciava [in]seguranças que m ob ilizavam aquele m aterial experim entado. C om o afirm a B ogart (2 0 1 1 , p .57), “A prendi a entrar” intervindo com m eu corpo sobre o corpo do outro (ator). E ssa d isp osição gera um a [re]organização da proposta e um estado de atenção e escuta aguçado para quem se propôs a, p ois ele torna-se um agente naquela área de cen a m ob ilizad o por d iálogos co m o s outros atuantes, ao m esm o tem po em que exerce a função de guiar to d o s o s com p on en tes da criação.

HADDAD: Uma coisa é você teorizar diante do ator, outra é você saber por que processos o ator está passando; eu estou preocupado com isso, penso e trabalho muito nisso e ainda

agora tive uma experiência de ator, sendo dirigido por outra pessoa, onde eu fiquei abismado sobre quanta coisa a respeito da vida do ator eu desconhecia. Eu nunca tinha vivido profundamente a experiência de camarim, de contato, ficar junto do ator, fazer temporada e não ter nenhuma relação com a direção a não ser essa de ser o ator a serviço do diretor. Foi para mim uma revelação, eu ainda posso ser um diretor melhor, sem dúvida, porque eu não sabia o que eu sei agora a respeito da vida do ator. [...] a experiência do ator é essencial; é a experiência da participação: se eu estou falando em quebra de verticalidade e da horizontalidade, e se eu não me proponho a trabalhar como ator, o meu discurso está negado na origem, é impossível. Para mim é essencial ser ator.81

O jo g o de inversão de lugares dentro da encenação citado por H addad traz a im portância de reconhecer e estar n esses papeis (ator e encenador), pois ao adentrar n esse universo sou atravessado pelas fu n çõ es que cada u m exerce n esse esp aço da cena. U m a com b in ação das fu n ções fo i u m cam po in vestigad o, assim co m o H addad co m o grupo T á na R ua está em jo g o não d esvin cu lad o de sua função de encenador, o seu papel é o de condutor.

LUIZ EDUARDO: Inúmeras vezes, durante as aulas, estive nesse trânsito de ser encenador e jogar com eles na cena, às vezes as instruções surgiram dentro de um exercício que estávamos todos envolvidos praticando.

O bar invisível

D entre o s locais que h aviam sido pesq u isad os por outras turm as d essa d iscip lin a, havia u m desejo que rondava o s pen sam en tos do encenador-professor, que não tinha sido in vestigad o: o bar. A proposta de sair c o m o s alunos da zon a con h ecid a e experim entar cen icam en te esse lugar n ã o-con ven cion al para o teatro, tendo em v ista , que alguns experim entaram no sem estre anterior um a m ontagem teatral no esp aço da rua. A s n o çõ es de trabalho seriam próxim as, por serem am bos locais do im p revisível e distintas por seus m od os de trabalho estético.

N aq u ele m om en to o desafio do p rofessor-encenador era relacionar as pistas retiradas do texto lido à prop osição de encenar em um “bar” . O s fragm entos se juntaram co m a proposta da encenação afetado pelo con texto social e cultural. U m m unicípio que carrega o 81 DELGADO; HERITAGE, 1999, p. 142.

habito de estar no bar, seja ele recanto de relaxam ento, de con vivên cia e/o u de poder. O poder aqui lançado está sobre a principal fon te de renda do estado, a agropecuária, principalm ente na cidade que ostenta o m achism o, as cam inhonetes, o som autom otivo no últim o volu m e, as botas, o couro, o s chapéus, as festas de agron egócio que m ovim en tam um a econ om ia m om entânea, e o celeiro do sertanejo universitário.

N e sse panoram a, v o lto o olhar para o bar in v isív el, que se escon d e no fundo de um a casa, co m portões verm elho chum bo, em um a rua escura, sem letreiros, m as entre duas árvores na calçada e um segurança na porta. E sses são o s in d icativos do lugar, o bar “O fu sq u e” . A o passar por esse portão/portal, outra realidade se apresenta, op osto na m úsica, na vestim enta, na visualidade, na luz. U m a penum bra que contorna todas as p essoas que por ali passam e passaram , um p ú b lico que tende a se encontrar n os fundos, no escon d id o, no gu eto, para con viver um a outra cultura que se distancia do sertanejo universitário para o

underground, que burla a L ei do S ilên cio da m eia n o ite 82. U m refúgio não só ao pú b lico gay,

m as aqueles que não com ungam daquela realidade posta entre o piche do asfalto e as Dodge

Rangers. U m ponto de fuga dentro dos arredores dom inados por um a suprem acia de

agron egócio.

JOÃO COVEIRO: O bar sempre foi para mim um local de fim do trabalho. Quando encerro meu trabalho no cemitério antes de ir para minha casa, vou em uma boteco que fica aqui na esquina para tomar uma branquinha para depois subir na minha moto e ir. Outra coisa que às vezes faço é “jogar no bicho”. Quando volto do almoço, no mesmo bar, fica um cara recebendo as apostas e no fim do dia ele me espera com o resultado. O que me deixou curioso foi saber como era esse bar que está sendo investigado, será diferente do meu? Vende branquinha? Tem apostas? Por isso mesmo, fiquei com vontade de encontrar fotos dele e encontrei essas aqui.

82 Explicar... Fonte: <http://diarioms.com.br/lei-seca-mpe-fecha-cerco-a-bares-de-dourados/> . Acesso em: 17 de julho de 2015, às 00h46.

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