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Existência e unicidade de solução para o Fluxo de Ricci

No documento O teorema de Calabi-Yau via fluxos de Ricci (páginas 83-88)

espaço. Em geometria riemanniana, a topologia está intimamente relacionada à geometria, uma vez que a primeira fornece obstruções para existência de métricas de tipos arbitrários no espaço. Entretanto, assim como as equações das geodésicas e de campos de Jacobi em uma variedade riemanniana, para garantir a boa colocação da equação, é necessário que se consiga pelo menos solução em tempo curto sobe hipóteses mínimas, como compacidade. Buscamos nesta seção fornecer a prova para existência em tempo curto do fluxo de Ricci em variedades riemannianas fechadas e analisar o comportamento da solução quando esta não existe para todo tempo.

Para a solução em tempo curto, a ideia é construir uma equação análoga a do fluxo de Ricci, que não é uma EDP parabólica, de forma que a equação análoga seja parabólica. Utilizando então de teoremas de existência para este tipo de equação, e difeomorfismos na variedade, construíremos uma solução para o fluxo de Ricci. Tal método é conhecido como DeTurck trick e fornece uma alternativa à forma encontrada por Hamilton, que inicialmente utilizava Teorema da função implícita de Nash-Moser, e foi feito apenas para dimensão 3 em [Ham82, Página 262, Theorem 4.2.]. Na forma que apresentaremos não há restrições quanto à dimensão, e o procedimento é inspirado no estudo de mapas harmônicos.

A demonstração que apresentaremos é baseada em [Bre10, Capítulo 2].

Sejam (M, g) e (N, h) variedades riemannianas fechadas. Um mapa harmô- nico em M é uma aplicação f : (M, g) → (M, h) que é ponto crítico do funcional de Dirichlet E(f ) := Z M kdf k2 g, (4.38) onde dµg := ? gdx1∧ . . . ∧ dxn, com g := det(g

ij) e k·k é a norma induzida no fibrado T∗M ⊗ f∗(T N ).

Mostra-se que f é um mapa harmônico se, e somente se, trg∇df = 0, onde ∇ é a conexão induzida em T M ⊗ f∗(T N ). Neste contexto, se f : (M, g) → (N, h) é

qualquer mapa, definimos um operador de Laplace por

∆g,hf := trg∇df. (4.39) Lema 4.2. Nas condições anteriores, se ϕ é um difeomorfismo da variedade M , então

(∆ϕ∗(g),hf ◦ ϕ)(p) = (∆g,hf )(ϕ(p)) ∈ Tf (p)N, ∀ p ∈ M. (4.40)

Demonstração. Veja [Bre10, Página 17, Lemma 2.3]. 

Fixe (M, h) uma variedade riemanniana fechada. Chamamos h de métrica de referência. Suponha que ˜g(t), t ∈ [0, T ) é uma família a um parâmetro de métricas riemannianas em M . Dizemos que ˜g é solução do fluxo de Ricci-DeTurck se ˜g satisfaz

∂t˜g(t) = −2 Ric ˜g(t) − Lξtg(t),˜ (4.41)

onde L denota a derivada de Lie, Ric ˜g(t) o tensor de Ricci da métrica ˜g e ξt:= ∆˜g(t),hI, com I o difeomorfismo identidade.

Derivemos uma expressão para ξt. Tome (xi) carta local em M . Utilizaremos extensivamente a convenção de soma de Einstein. Temos que dI = dxi⊗ ∂i, onde ∂i ≡

∂xi. Se denotarmos ˜∇ a conexão riemanniana associada a ˜g, com t fixo e ∇ a conexão riemanniana associada à métrica h e por conexão D em T∗M ⊗ T M temos que D =

˜

∇ ⊗ 1 + 1 ⊗ ∇, onde 1 é a aplicação identidade entre seções. Daí, D(dI) = ( ˜∇dxi) ⊗ ∂

i+ dxi⊗ (∇∂i). (4.42) Utilizando que ∆˜g,h é um traço, teremos:

∆˜g,hf = ˜gkl(DkdI)(∂l), (4.43) = ˜gkl ´ ( ˜∇kdxi)(∂l)∂i+ dxi(∂l)(∇k∂i) ¯ , (4.44) = ˜gkl ´ −˜Γpkiδpl∂i+ δilΓpki∂p ¯ , (4.45) = ˜gik(Γlik− ˜Γlik)∂l, (4.46) onde a última igualdade segue de um rearranjo de índices.

Concluímos portanto que para t fixo ξ = ˜gik(Γlik− ˜Γlik)∂l, onde Γ denota os símbolos de Christoffel na métrica h e conexão ∇ e ˜Γ denota os símbolos para ˜g e ˜∇. Utilizando as expressões para os símbolos de Christoffel em termos das métricas ˜

g e h obtemos que

ξ = −1 2g˜

ikg˜jl(∂

Capítulo 4. Fluxos de Ricci 85

Utilizando que a conexão ˜∇ é compatível com a métrica teremos que

Lξ(˜gjldxj⊗ dxl) = ξ[gjl]dxj⊗ dxl+ gjl(Lξdxj) ⊗ dxl+ gjldxj ⊗ (Lξdxl), e do fato que Lξdxj = ∂iξjdxi, Lξdxl = ∂iξldxi, concluímos que Lξ(˜gjldxj ⊗ dxl) = ξ[gjl]dxj ⊗ dxl+ gjl∂iξjdxi⊗ dxl+ gjl∂iξldxj⊗ dxi. Disso vemos que os termos de mais alta ordem são

gjl∂iξjdxi⊗ dxl+ gjl∂iξldxj ⊗ dxi. Daí,

Lξg = −˜˜ gik(∂i∂l˜gjk + ∂j∂kg˜il− ∂j∂lg˜ik)dxj⊗ dxl+ termos de menor ordem. Como em coordenadas locais

Ric ˜g = −1 2˜g

ik(∂

i∂k˜gjl− ∂i∂l˜gjk − ∂j∂kg˜il+ ∂j∂lg˜ik)dxj⊗ dxl+ termos de ordem menor, obtemos

−2 Ric ˜g − Lξ(˜g) = ˜gik∂i∂kg˜jldxj ⊗ dxl+ termos de ordem menor.

Como estamos interessados em verificar que a equação de Ricci-Deturck é parabólica precisamos olhar para a linearização do operador −2 Ric −Lξ, agindo no espaço das formas bilineares simétricas e positivas definidos, verificando que seu símbolo define um isomorfismo (veja no apêndice uma discussão sobre operadores diferenciais, símbolos e operadores elípticos). Como linearização não altera a ordem, basta olharmos para o termo de mais alta ordem. Fixemos uma métrica qualquer ˜h. Então,

d ds ˇ ˇ ˇ s=0{(˜h ik+ s˜gik)∂ i∂k(˜hjl+ s˜gjl)dxj ⊗ dxl} = ˜gik∂i∂jhjldxj ⊗ dxl+ ˜hik∂i∂k(˜gjl)dxj ⊗ dxl, (4.47)

indica que o símbolo do operador linearizado é dado por

σ(p; θ) := ˜hik(p)θiθk, p ∈ M, θ ∈ Tp∗M − {0}. (4.48)

Mas note que ˜hikθiθk= kθk2˜h, de onde o símbolo é claramente um isomorfismo para todo p ∈ M, θ ∈ Tp∗M − {0}. Daí, a equação de Ricci-DeTurck é uma equação parabólica e portanto vale o seguinte teorema:

Teorema 4.3. Sejam M uma variedade suave fechada e h uma métrica de referência fixa em M . Dada qualquer métrica inicial g0, existe um número real T > 0 e uma família a um parâmetro de métrica riemanniana ˜g(t), t ∈ [0, T ) tal que ˜g(t) é solução única suave do fluxo de Ricci-DeTurck.

Demonstração. Mostramos que a equação de DeTruck-Ricci é parabólica. Pelo Teorema de Existência e Unicidade para equações diferenciais parabólicas A.5 com condição inicial

suave o resultado segue. 

Proposição 4.3. Fixe uma variedade riemanniana fechada (M, h). Assuma que ˜g(t), t ∈ [0, T ) é uma família a um parâmetro de métricas em M que satisfaz

∂t˜g = −2 Ric ˜g(t) − Lξ(t)g(t),˜

onde ξt = ∆g,h˜ I e que ϕt, t ∈ [0, T ) é uma família a um parâmetro de difeomorfismos de M satisfazendo

∂tϕt(p) = ξt(ϕt(p)),

para todo p ∈ M e para todo t ∈ [0, T ), então as métricas g(t) = ϕ∗t(˜g(t)), t ∈ [0, T ) formam uma solução do fluxo de Ricci.

Demonstração. Lembre que ϕ∗t(Ric ˜g(t)) = Ric g(t), pois ϕt é isometria. Ainda mais,

∂ ∂tg(t) = ∂ ∂sϕ ∗ t+s(˜g(t + s))(s = 0) = ϕ ∗ t( ∂ ∂t˜g(t) + Lξ(t)g(t)).˜ Logo, ∂ ∂tg(t) + 2 Ric g(t) = ϕ ∗ t( ∂ ∂tg(t) + L˜ ξ(t)g(t) + 2 Ric ˜˜ g(t)) = 0.  Proposição 4.4. Fixe uma variedade riemanniana fechada (M, h) e assuma que g(t), t ∈ [0, T ) é um fluxo de Ricci em M . Assuma ainda que ϕt, t ∈ [0, T ) é uma família a um parâmetro de difeomorfismos de M que evoluem segundo a equação

∂tϕt = ∆g(t),hϕt.

Para cada t ∈ [0, T ) definimos ˜g(t) por ϕ∗t(˜g(t)) = g(t). Então ˜g(t) satisfaz a quação de Ricci-DeTurck e ainda mais, ∆g(t),hϕt(p) = ξt(ϕt(p)) para todo p ∈ M e t ∈ [0, T ).

Demonstração. Como,

Capítulo 4. Fluxos de Ricci 87

pelo Lema 4.2 temos que

(∆g(t),hϕt)(p) = (∆ϕ∗t(˜g),hϕt)(p), (4.49)

= (∆g(t),h˜ I)(ϕ(p)), (4.50)

= ξt(ϕt(p)). (4.51)

Por outro lado,

∂ ∂tg(t) = ϕ ∗ t( ∂ ∂tg(t) + L˜ ξ(t)g(t)),˜ de onde, ϕ∗t(∂ ∂tg(t) + L˜ ξ(t)g(t) + 2 Ric g(t)) =˜ ∂ ∂tg(t) + 2 Ric g(t) = 0. Portanto, ∂ ∂tg(t) + L˜ ˜g(t)+ 2 Ric g(t) = 0,

o que conclui o resultado. 

Estamos em condição de provar a existência de solução para o fluxo de Ricci.

Teorema 4.4 (R. Hamilton [Ham82]). Seja M uma variedade fechada e g0 uma métrica riemanniana em M . Então, existe um número real T > 0 e uma família a um parâmetro de métricas g(t), t ∈ [0, T ) tal que g(t) é solução para o fluxo de Ricci com g(0) = g0. Ainda mais, a solução g(t) é única.

Demonstração. Para a existência basta notar que pelo Teorema 4.3existe solução ˜g(t) em [0, T ) para o fluxo de Ricci-DeTurck com ˜g(0) = g0. Pela Proposição 4.3 existe solução para o fluxo de Ricci em [0, T ). Pode acontecer que a solução não seja única. Vejamos que isto não ocorre.

Suponha que g1(t), g2(t) sejam soluções do fluxo de Ricci definidas no mesmo intervalo [0, T ) e tais que g1(0) = g2(0). Afirmamos que g1(t) = g2(t), ∀t ∈ [0, T ) pela continuidade das métricas. Suponha o contrário, isto é, suponha que exista t ∈ [0, T ) tal que g1(t) 6= g2(t) para algum t ∈ [0, T ). Defina τ ∈ [0, T ) por

τ := inf{t ∈ [0, T ) : g1(t) 6= g2(t)}.

Note que g1(τ ) = g2(τ ). Seja ϕ1t a solução de

∂ ∂tϕ

1

t = ∆g1(t),hϕ1t

com condição inicial ϕ1τ = I, a identidade. Similarmente, denotamos por ϕ2t a solução de

∂ ∂tϕ

2

com ϕ2τ = I. Por Teorema de existência e unicidade de EDO’s segue que as soluções estão definidas em [τ, τ + ), para algum  > 0. Se pegarmos  pequeno o bastante, então podemos garantir ϕ1t e ϕ2t difeomorfismos em seu intervalo de definição.

Para cada t ∈ [τ, τ + ), conside ˜g1, ˜g2 dadas por (ϕit)∗(gi(t)) = gi(t), i ∈ {1, 2}. Segue da Proposição 4.4 que ˜g1 e ˜g2 são soluções do fluxo de Ricci-DeTurck. Como ˜

g1(τ ) = ˜g2(τ ) segue que ˜g1 = ˜g2 em [τ, τ + ). Para cada t ∈ [τ, τ + ) definimos o campo ξt em M por

ξt= ∆˜g1(t),hI = ∆˜g2(t),hI.

Pela Proposição 4.4 temos

∂ ∂tϕ 1 t(p) = ξt(ϕ1t(p)), ∂ ∂tϕ 2 t(p) = ξt(ϕ2t(p)),

para todo p ∈ M e t ∈ [τ, τ + ). Como ϕ1τ = ϕ2τ, temos ϕ1t = ϕ2t, ∀t ∈ [τ, τ + ). Segue portanto que

g1(t) = (ϕ1t)∗(˜g1(t)) = (ϕ2t)∗(˜g2(t)) = g2(t),

para todo t ∈ [τ, τ + ). Ora, então τ não é o ínfimo de {t ∈ [0, T ) : g1(t) 6= g2(t)}, o que é

contradição. 

Passemos agora a analisar o comportamento da solução se esta não pode ser estendida para todo R≥0.

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