O objetivo deste cap´ıtulo ´e garantir a existˆencia de solu¸c˜oes para o problema (MOP).
Para isto, vamos considerar o problema de otimiza¸c˜ao multiobjetivo abstrato, isto ´e, cuja estrutura de ordena¸c˜ao dos vetores do espa¸co Rp ´e mais geral que a compara¸c˜ao de vetores ≤ e <, que utilizamos at´e aqui. Para tais problemas, consideraremos um resultado de existˆencia de solu¸c˜oes, o qual ser´a particularizado para o problema (MOP).
Defini¸c˜ao 6.1 Dizemos que uma rela¸c˜ao bin´aria ≺ em Y ⊂ Rp ´e uma rela¸c˜ao de domina¸c˜ao (ou rela¸c˜ao de preferˆencia) se ´e transitiva e n˜ao-reflexiva. Dados x, y ∈ Rp, se x y (ou, ainda y ≺ x) diremos que x domina y.
Defini¸c˜ao 6.2 Seja ≺ uma rela¸c˜ao de domina¸c˜ao em Y. Diremos que y∗ ∈ Y ´e um elemento eficiente de Y se n˜ao existe y ∈ Y tal que y ≺ y∗. Denotamos E (Y, ≺) ao conjunto dos elementos eficientes de Y.
Consideremos agora o problema (MOP) formulado anteriormente.
Com esta terminologia, ter´ıamos Y = f (X) e, a rela¸c˜ao de domina¸c˜ao em Y ser´a definida por:
y1 = f (x1) ≺ y2 = f (x2) ⇐⇒ y1 ≤ y2.
Al´em disto, se y∗ = f (x∗) ´e elemento eficiente de Y = f (X) ent˜ao x∗ ´e solu¸c˜ao eficiente de (MOP). Neste caso, E (Y, ≺) = {y ∈ Rp : y = f (x∗), x∗ ´e solu¸c˜ao eficiente de (MOP)}. Defini¸c˜ao 6.3 Sejam Y ⊂ Rp e ≺ uma rela¸c˜ao de domina¸c˜ao em Y. A multiaplica¸c˜ao
D : Y ⇒ Rp
y 7→ D(y) = {d ∈ Rp : y ≺ y + d} ∪ {0} ´e chamada estrutura de domina¸c˜ao em Y.
O conjunto dos elementos eficientes de Y, tamb´em pode ser denotado E (Y, D). Retornemos ao problema multiobjetivo (MOP). Neste caso, a estrutura de do-mina¸c˜ao em Y = f (X) ´e rela¸c˜ao de domina¸c˜ao ≤, e dada por
D(y) = {d ∈ Rp : 0 ≤ d} ∪ {0} = Rp+.
Recordemos que: D ⊂ Rp ´e um cone se, para cada λ ∈ R, λ ≥ 0 temos λD ⊂ D. Se, al´em disto, tivermos D + D ⊂ D, o cone D ´e um cone convexo.
Um cone D ´e dito um cone ponteado se D ∩ (−D) = {0}. 39
Existˆencia de Solu¸c˜oes 40
Figura 6.1: Cone Ponteado C
Particularmente interessantes s˜ao as estruturas de domina¸c˜ao em Y onde D(·) ≡ D (constante e igual a um cone em Y ).
Observa¸c˜ao 10 Lembremos que a rela¸c˜ao de ordem ≺ ´e assim´etrica se, e somente se, ∀ x, y ∈ Y, x y ⇒ y 6 x.
Proposi¸c˜ao 6.4 Suponha que a estrutura de domina¸c˜ao em Y ´e D(·) ≡ D (constante) e que D ´e um cone em Y e que ≺ ´e a rela¸c˜ao de ordem associada. Ent˜ao:
(i) ≺ ´e assim´etrica se, e somente se, D ´e ponteado; (ii) ≺ ´e transitiva se, e somente se, D ´e convexo. Demonstra¸c˜ao.
(i) (⇒) Seja ≺ assim´etrica e suponha, por contradi¸c˜ao, que o cone D n˜ao ´e ponteado. Ent˜ao, existe z 6= 0 tal que z, (−z) ∈ D. Assim, temos 0 z e 0 (−z). Sendo ≺ assim´etrica z 6 0 e (−z) 6 0, implicando que 0 /∈ z + D e 0 /∈ (−z) + D, ou seja, z, (−z) /∈ D, o que ´e absurdo.
(⇐) Agora, sejam D um cone ponteado e x, y ∈ Y, x 6= y, x y. Ent˜ao, x ∈ y +D e, portanto, x − y ∈ D. Suponha por absurdo, que y x. Ent˜ao, y ∈ x + D, ou seja, y − x = −(x − y) ∈ D e sendo D ponteado, x − y = 0, o que contradiz o fato de x 6= y.
(ii) (⇒) Seja ≺ transitiva e suponha por contradi¸c˜ao, que D n˜ao ´e convexo. Ent˜ao, existem x, y ∈ D tais que x + y /∈ D (claro que x 6= y). Mas x = (x + y) − y ∈ D, isto ´e, x + y y. Al´em disso, y ∈ D, ent˜ao y ∈ 0 + D implicando que y 0. Logo pela transitividade de ≺, temos que x + y 0. Portanto, x + y ∈ D o que ´e absurdo.
(⇐) Reciprocamente, sejam D convexo e x, y, z ∈ Y tais que x y e y z. Ent˜ao, x ∈ y + D e y ∈ z + D, ou seja, (x − y), (y − z) ∈ D. Sendo D convexo (x − y) + (y − z) = x − z ∈ D, isto ´e, x z e a rela¸c˜ao ´e transitiva.
Defini¸c˜ao 6.5 Uma estrutura de domina¸c˜ao D ´e chamada ac´ıclica se ela n˜ao possui ciclos, isto ´e, se para cada m ∈ N, n˜ao existem y1, · · · , ym ∈ Y tais que
y1 ≺ y2 ≺ · · · ≺ ym ≺ y1.
Retornemos ao estudo das solu¸c˜oes eficientes de (MOP). Neste caso, a rela¸c˜ao de domina¸c˜ao em Rp ´e dada por ≤ e a correspondente estrutura de domina¸c˜ao ´e dada por Rp+, a qual ´e ac´ıclica.
Proposi¸c˜ao 6.6 Se a estrutura de domina¸c˜ao D ´e chamada ac´ıclica e, se para cada y ∈ Y os conjuntos D(y)\{0} s˜ao abertos e, se o conjunto Y ´e compacto e n˜ao vazio, ent˜ao E (Y, ≺) 6= ∅.
Demonstra¸c˜ao. Suponha por absurdo que E (Y, ≺) = ∅. Ent˜ao, para cada y ∈ Y existe y ∈ Y tal que y y ou equivalentemente
∀y ∈ Y, ∃y ∈ Y : y ∈ y + D(y){0} ou seja
Y ⊂ [
y∈Y
(y + D(y){0}).
Como por hip´otese D(y){0} s˜ao abertos e Y ´e compacto, ent˜ao existem y1, · · · , ym ∈ Y tais que Y ⊂ m [ i=1 (yi+ D(yi){0}).
Em particular, para cada j ∈ {1, · · · , m}, existe i ∈ {1, · · · , m} tal que yj ∈ (yi + D(yi){0}), ou seja yi yj, o que contraria o fato de D ser ac´ıclica. Portanto, E (Y, ≺ ) 6= ∅.
Este resultado n˜ao ´e de grande utilidade na obten¸c˜ao das solu¸c˜oes eficientes de (MOP), pois D(y)\{0} = Rp+\{0} n˜ao ´e aberto.
Agora, estudemos a estrutura de domina¸c˜ao para as solu¸c˜oes fracamente eficientes de (MOP).
Neste caso, a rela¸c˜ao ´e ordem em Y = f (X) ⊂ Rp ´e dada por y1 = f (x1) ≺ y2 = f (x2) ⇐⇒ y1 < y2.
e neste caso, a estrutura de domina¸c˜ao ´e dada por D = intRp+∪{0}. Logo, para cada y ∈ Y, os conjuntos D(y) = intRp+ s˜ao, trivialmente abertos. E (Y, ≺) = {y ∈ Rp : y = f (x∗), x∗ ´e solu¸c˜ao fracamente eficiente de (MOP)}.
Assim sendo, como consequˆencia da Proposi¸c˜ao 6.6, obtemos um resultado de existˆencia de solu¸c˜oes fracamente eficientes de (MOP).
Corol´ario 6.7 Suponha que em (MOP) se tenha f cont´ınua e que o conjunto fact´ıvel X ´e compacto. Ent˜ao (MOP) possui solu¸c˜oes fracamente eficientes.
Demonstra¸c˜ao. Como f ´e cont´ınua e X ´e compacto, ent˜ao Y = f (X) ´e compacto. O resultado desejado segue da Proposi¸c˜ao 6.6.
Na realidade, sob as mesmas hip´oteses do Corol´ario 6.7, podemos garantir que (MOP) admite solu¸c˜oes eficientes.
Necessitaremos da seguinte generaliza¸c˜ao do conceito de compacidade:
Defini¸c˜ao 6.8 Sejam D ⊂ Rp um cone e Y ⊂ Rp. O conjunto Y ´e chamado D-semicompacto se cada cobertura aberta de Y , da forma
{(yi− D)c: yi ∈ Y, i = 1, · · · , n} tem subcobertura finita.
(Estamos denotando por A o fecho de A e por Ac o conjunto complementar de A)
Existˆencia de Solu¸c˜oes 42
Proposi¸c˜ao 6.9 Seja D um cone convexo com D ponteado, Y n˜ao-vazio e D-semicompacto, ent˜ao E (Y, D) 6= ∅.
Demonstra¸c˜ao. Como D ⊂ D, ent˜ao E (Y, D) ⊃ E (Y, D). Por isto, basta considerar o caso em que D ´e um cone convexo, fechado e ponteado.
Podemos ent˜ao definir:
y1, y2 ∈ Y, y1 ≤D y2 ⇐⇒ y2 − y1 ∈ D.
Al´em disto, y ∈ E (Y, D) se, e somente se, y ´e minimal em (Y, ≤D). Vamos provar que Y ´e indutivo: Por absurdo, suponha que existe bY = {yi : i ∈ I} ⊂ Y, totalmente ordenado e que n˜ao admite limitante inferior em Y. Ent˜ao, n˜ao existe y ∈ Y tal que y ≤D yi, i ∈ I. Ou seja, para todo y ∈ Y, existe i ∈ I tal que y 6≤D yi, ou equivalentemente,
T
i∈I
(yi − D) ∩ Y = ∅. Logo, para cada y ∈ Y, existe i ∈ I tal que y /∈ yi − D, isto ´e,
Y ⊂ [
i∈I
(yi − D)c = [
i∈I
(yi − D)c. Portanto, sendo Y um conjunto D-semicompacto, existem yi ∈ bY , i = 1, · · · , m tais que
Y ⊂
m
[
i=1
(yi− D)c. (6.1)
Por outro lado, sendo bY totalmente ordenado, podemos supor y1 ≤D y2 ≤D · · · ≤D yn donde segue que
y1− D ⊂ · · · ⊂ yn− D e, portanto
(y1− D)c⊃ · · · ⊃ (yn− D)c. (6.2) Logo, segue de (6.1) e (6.2),
Y ⊂ (y1− D)c. (6.3)
Mas, y1 ∈ Y e y1 = y1+ 0 ∈ y1+ D, o que contraria (6.3). Portanto, Y ´e indutivo e, pelo Lema de Zorn (veja [11]), (Y, ≤D) admite elemento minimal, o qual est´a em E (Y, D) 6= ∅. Logo, E (Y, D) 6= ∅.
E, como consequˆencia imediata da Proposi¸c˜ao (6.9), obtemos:
Corol´ario 6.10 Suponha que em (MOP) se tenha f cont´ınua e que o conjunto fact´ıvel X ´e compacto. Ent˜ao (MOP) possui solu¸c˜oes eficientes.