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Existem esquinas históricas de excepção, notáveis ao ponto de merecerem expresso registo e memória: — ao mesmo tempo que se digladiavam na «es-

fera ocidental» as várias correntes religiosas que procuravam «coser» o re-

nascimento do Império Romano, em pleno séc. XVI, por alturas em que Gi-

ordano Bruno sofria na pele o cepticismo religioso perante as descobertas

científicas, na Índia que os Portugueses atingiam por via marítima, imperava

o Mongol Akbar (

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) cuja lucidez e poder o conduziram em torno de uma

(33) Recorrendo aos Ensaios, Cf. MONTAIGNE: Essays of Montaigne, Translatedby Charles

Cotton, 1877 (edição de acesso livre em Kindle): Book the First, Chapter XXV: Of The Educa-

tion of Children: To Madame Diane de Foix, Comtesse de Gurson (loc. 3396 a 4327): parece-

me relevante sublinhar: a necessidade de ultrapassar os mecanismos clássicos de aprendiza- gem e de pensamento em favor de (o recurso à filosofia) uma convivência com opiniões contrárias e da permissividade da liberdade em discorrer; e Chapter XXX: Of Cannibals (loc. 5038 a 5355): uma tolerância que aponta por contraponto aos preconceitos apontados para as relações com a comunidade dos Tupinambás brasileiros logo na abertura aos novos mundos, mercê da confrontação de usos e das primeiras considerações sobre práticas perni- ciosas, licenciosas, etc., que, afinal, eram apenas diferentes.

(34) Akbar, o Grande, «título do imperador mongol da Índia Mohamed Abulfate Jelaladin,

era descendente de Tamerlão, neto de Babar e filho de Humaiure. Terá nascido em torno de 1542 e falecido por 1605». Transformou os seus domínios em um vasto império com nume- rosos territórios conquistados, entre os quais: Punjab, Guzarate, Bengala, Caxemira e Decão. Tentou ultrapassar as várias religiões rivais (bramanismo, budismo, zoroastrismo, islamis- mo e cristianismo) que eram abraçadas pelas populações que tinha sob domínio, tentando criar uma nova religião oficial, sem deixar, todavia, de respeitar todas as outras. «A nova religião, com influências do Sufismo, denominou-se "Tawhíd Allahi". Teve as melhores rela- ções com os portugueses de Goa, especialmente com a comunidade jesuíta. Os Jesuítas ten- taram converter o imperador, mas as suas tentativas foram infrutíferas; porém, fundaram núcleos cristãos no interior da Índia. Akbar, como reconhecimento dos préstimos da con-

«demanda em busca da razão», ao invés do que o próprio apelidava como «a

terra pantanosa da tradição», tomando aquela como mecanismo adequado à

solução dos desafios que os comportamentos oferecem para a consecução de

sociedades justas. Entre várias medidas «avant la lettre», em torno do ano de

1582 ofereceu liberdade «a todos escravos imperiais» com fundamento no

seguinte raciocínio notável: «é alheio ao reino da justiça e da conduta boa

tirar dividendos do uso da força» (

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).

gregação, atribuiu-lhes meios para se estabelecerem. Designou o Padre António Monserrate (dirigia uma equipa que integrava nomes como Francisco Henrique e Rodolfo Aquaviva) preceptor do seu filho Murad, e incumbiu-o de descrever em latim a história das missões católicas na Índia. A história do reinado de Akbar foi redigida pelo seu ministro e conselhei- ro Abulfazel Alame, existindo igualmente versões, designadamente a epistolar mantida por Rodolfo Aquaviva até cerca de 1583. Akbar ficou sepultado em Sikandra, na região de Agra, em um mausoléu qualificado como património da humanidade, como o seu espírito o mere- ceria igualmente, cf. Akbar, «O Grande», in Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-04-28]. Acessível in: <URL: http://www.infopedia.pt/$akbar-o- grande>; António da SILVA REGO, A primeira missão religiosa ao Grão-Mongol, in Lusitania

Sacra, 1.ª Série, Tomo n.º 4, 1959, pp. 155-185.

(35) Sigo de perto Amartya SEN, A Ideia de Justiça… cit., pp. 78 e ss. «Apesar de se ter man-

tido um muçulmano praticante, Akbar propugnava a necessidade de que todos submetes- sem as crenças e prioridades que houvessem herdado a um escrutínio crítico (…) o mais importante argumento que usou a favor da sua defesa de uma sociedade multicultural secu- lar e tolerante era… – parece acreditar Sen: a importância que dava ao arbítrio do crivo raci- onal. Tudo a fazer crer estar perante asserções que não repugnariam a E. KANT, cerca de dois séculos depois, ou os que vieram a animar os débitos recíprocos do ser humano na perspectiva de Thomas SCANLON, What We Owe Each Other, Harvard University Press, 1998, p. 3, em tempos hodiernos. E o enfoque sobre a prevalência da razão sobre a perspec- tiva emocional da boa vontade é fonte para apetite em adoptar discursos mais radicais, quando o objecto de análise se transfere para o tabuleiro da sustentabilidade ambiental. Sobre a questão, entre outros, cf. Nicholas STERN, The Economics of Climate Change, Cam- bridge University Press, 2007. Todavia, não me parece de repudiar o contexto de um discur- so que, em torno da persuasão emocional, alie à psicologia (sensibilização) e ao ensino uma renovação geracional célere, eficaz, que cative e precipite o que poderá não deixar de ser uma abrupta alteração dos quotidianos assassinos em que estamos envolvidos. Sobre estes temas, cf. PERELMANN, Martha NUSSBAUM, Upheavels of Thought: The Intelligence of Emoti-

ons, Cambridge University Press, 2001, e, entre nós, António DAMÁSIO, Boaventura SOUSA

SANTOS, Crítica da Razão Indolente, Silvério da ROCHA E CUNHA. E pertence a David HUME a afirmação expressa de que a razão concorre necessariamente com a emoção no processo de construção das esferas morais, cf. Enquiries Concerning the Human Understanding and Con-

cerning the Principals of Morals, Oxford, Clarendon Press, 1962, p. 172; isto quando em con-

corrência esta não se submeta aquela em processos onde nos deparamos com o erro de uma posição racional assumida, cf. ID, Treatise of HumanNature, Oxford, Clarendon Press, 1988, pp. 416 e s.

I. § 4.º Solidariedade: necessidade e consequência da alteridade

Não faltam autores com inequívoca autoridade a recordar ao ser humano