• Nenhum resultado encontrado

LIBERDADES INTRANSIGENTES AMORES PROIBIDOS SEXUALIDADES

6.11 Expansão & Auto-dissolução

Os anos de 2009 e 2010 foram muito promissores para o Coletivo 12 Macacos. Realizamos muitas atividades, agitamos os corpos. O coletivo deu um salto grande rumo à expansão. Recebemos os membros do Coletivo Ativismo ABC, do Vegan Staff, efetivamos a aproximação que desejávamos com o Coletivo Konfronto e o Coletivo CicloVida… e nos engajamos em atividades de permacultura, bioconstrução, oficinas de culinária vegana, reaproximamos da Bicicletada, e ampliamos os vínculos do coletivo com os vários movimentos sociais mais à esquerda (nem todos libertários, mas com caráter popular ou autogestionário).

Com o Ativismo ABC coordenamos o Ciclo de Debates Sobre Vivências Libertárias Contemporâneas:

“Futebol e Anarquia: o Autônomos F.C.” – relato da experiência da Casa da Lagartixa Preta em construir um time de futebol com ideais autogestionários e anti-fascistas, contra o futebol-mercadoria;

“Auto-suficiência e Anarquia: vivências autônomas sem Estado, sem mercado” – depoimento de caio Juca sobre a experiência de construção de práticas autônomas fora da lógica capitalista: bioconstrução permacultural, hortas urbanas, quebra-concreto, pedagogia libertária…;

Cartaz do encontro libertário promovido pelo Coletivo 12 Macacos

“Autogestão libertária: a Casa da Lagartixa Preta Salarosa Malagueña” – o

cotidiano do espaço cultural do Coletivo Ativismo ABC e sua experiência de convivência autogestionária;

“Anarquia & Coletividade: comunidades campesinas, agricultura urbana e vivências libertárias contemporâneas” – relato dos dias da Priscila, do Ativismo ABC, nos trabalhos voluntários na horta e na bioconstrução junto ao Coletivo CicloVida, no assentamento libertário em Pentecostes (CE).

Cartaz do encontro Anarquia & Coletividade

Construímos a horta coletiva na casa do Renan; organizamos vivências culinárias veganas em conjunto com o Coletivo Konfronto; e a ação direta de terrorismo poético “Deus é fel” – nossa última ação coletiva. Tudo o mais, os meses seguintes todos, foram de conflitos, fofocas, detrações, isolamentos e traições… o coletivo afundou no próprio caldo libertário que o fez respirar?

Fortaleza, 06 de janeiro de 2009.

Um movimento molecular não poderia sobreviver durante muito tempo sem estabelecer uma política em relação às forças existentes, aos problemas econômicos, à mídia, etc. (GUATTARI, 1996, p. 142)

Enquanto preparávamos um chapati com suco de maracujá e agrião, eu e Renan conversávamos sobre a necessidade do coletivo se articular com alguns movimentos sociais, não para capturar a luta dos movimentos, mas para estabelecer alianças políticas transitórias interessantes para a „vida social‟ do Coletivo 12 Macacos… uma interação com vários movimentos que possuam pontos em comum – talvez não na abordagem, talvez não num mesmo posicionamento político estratégico ou tático, mas com proximidades.

É um momento novo para o Coletivo. Momento de se compor em rede. Momento de maior exterioridade do coletivo.

Aproximar-se do Coletivo Konfronto [anarco-punk], do Coletivo Ciclovida [bela experiência rural anarquista num assentamento em Pentecostes], do Coletivo Contra-Corrente [uma vertente neomarxiana de crítica ao Estado a partir de Guy Debord], do grupo Crítica Radical [igualmente neomarxianos debordianos anti-estatais, e com uma produção política extensa e intensa], da Frente Popular Ecológica [coalizão de vários movimentos ambientalistas de Fortaleza], da Rede de Permacultura do Ceará e do Núcleo de Pesquisa Permacultural do Semi-Árido (UECE), do Movimento de Conselhos Populares (MCP), do Coletivo Grãos [estudantes de Serviço Social da UECE], do Vegan Staff – Secção Fortaleza; e falamos ainda sobre a importância de prestarmos solidariedade às lutas populares, participar de reuniões e

manifestações, endossar moções e abaixo-assinados de grupos e instituições dos movimentos sociais, visitar experiências alternativas, participar de cursos; enfim, colaborar nas demandas sociais, mas sempre com cuidado para não nos misturarmos em demasia – a ponto de não nos distinguirmos do outro, porque é importante guardarmos nosso diferencial político –, para não sermos usados num processo político convencional [eleições, pressões setoriais…] e, também, para não usarmos estes movimentos como espaço de expansão do coletivo ou de convencimento… colaborar, mas sem anexarmos as práticas do Coletivo 12 Macacos os movimentos sociais, respeitar a autodeterminação dos movimentos, mas também trazendo o novo, quando o novo for desejado. Não subjugar, e não ser subjugado.

Como garantir uma consolidação do coletivo, senão abrindo-o para uma vida social mais ampla?

Por alguma razão, penso que o Renan, embora participe dessa proposta, não a endossa plenamente… é como se ele não compreendesse plenamente o momento do coletivo… ele vacila muito nas argumentações… parece não querer ir adiante. Sei lá, uma intuição maligna toma conta de mim. Os meninos vivem dizendo que tudo é „noia‟ minha… a velha fábrica de „nóias‟ do titio Sandroca…

O coletivo não é uma unidade… é um grupelho, somos todos grupelhos; o coletivo é uma convivência de devires singulares que colaboram distintamente com a sua (des)organização… O Coletivo é um entrelugar, um lugar no meio, entre o individual e a sociedade. No coletivo cada um confia na potência do outro… quando essa confiança se quebra, e não é mais possível apostar no potencial do outro… Então, o coletivo, que nunca é uma unidade, nunca é algo monolítico… se rompe.

As relações internas tornaram-se insuportáveis, porque surgiram polarizações e centros de poder, disputas por poder interno, delegação inconsciente do papel de liderança… e, de repente, tudo cessa…

Fortaleza, 21 de setembro de 2009

Curtindo uma ressaca moral depois da última reunião do Coletivo 12 Macacos, fui à casa do Renan, ainda meio constrangido, para organizarmos os materiais dos lambe-lambe que iríamos colar pelo bairro. Como amanhã será o Dia Mundial Sem Carro, decidimos colaborar de uma forma particular e divertida.

Na casa do Renan conhecemos o Saulo [aparentemente interessado em se articular com o Coletivo 12 Macacos – pena que tenha chegado num momento muito difícil pro grupo]. Além de saber desenhar muito bem, ele tem uma habilidade para dar os cortes no stêncil. Saulo foi levado à reunião pelo Guilherme. O Tomé estava por lá; e pairava um clima pouco amistoso entre eu e o Renan. Eu não conseguia olhar nos olhos do Renan, que também não me encarava. Mas ele estava à vontade, já que estava em seu território. Logo chegaram a Késia, com seu barrigão, e o Pereba para ajudar a escolher as imagens e começar a cortar o material para preparar os stêncils. A idéia é a seguinte: sair por aí com os moldes de stêncil e um jet nas mãos é muita bandeira, e pode dar recolhimento à delegacia por vandalismo; então, decidimos usar uma tática simples para nossa ação – a gente usa o spray em várias folhas de jornal e cola os jornais nos muros, postes, paredes com cola caseira [grude]. Dessa formas, não fica

caracterizado como stêncil e não é, portanto, transgressão da lei. Porque para a lei, colar papel em paredes é permitido. Assim, mantemos as mesmas mensagens, apenas mudamos sutilmente o seu meio veiculante. Parece cômico que os policiais não tolerem a parede grafitada, mas não percebam o lambe-lambe como estratégia de intervenção urbana tanto quanto a pichação – na verdade, o lambe-lambe é uma folha de papel pichada com spray. Bom, mas se eles não ligam e não se incomodam, melhor assim. São as micro-fissuras da máquina-capital. Então, colamos frases do tipo: “RESPEITE O TRÂNSITO”; “1 CARRO A MENOS”; “- CO2, +

BICICLETAS”.

Geralmente esses momentos pro Coletivo são de algazarra e de explosão de ânimos, quando a criatividade é liberada e a sintonia entre as pessoas se afina. Mas não naquele instante. Não naquela situação particular. Era a primeira vez que nos víamos depois da última reunião do grupo. Ainda havia tensões no ar. Tensões que eclodiram na reunião do Coletivo, mas que já vinham se acumulando ao longo do ano. Não era momento para grandes euforias. Não me senti à vontade para fazer qualquer proposta…

É preciso considerar a possibilidade de auto-dissolução de um grupo. De aceitar a autodissolução. Antes que o coletivo seja devorado pelas relações de dominação contra as quais ele luta, é melhor solver-se, autodissolver-se. Antes que as relações fascistas, contras as quais ele se organizou e se dispôs a lutar, devore sua carne crua, o que se tem a fazer é buscar a autodissolução (LOURAU, 1993). A autodissolução do Coletivo 12 Macacos, entretanto, não foi algo negociada entre seus membros… ela ocorreu na espontaneidade dos silêncios e das sombras…

Entretanto, é preciso conceber a autodissolução como potência para o novo, porque seus membros, agora solvidos, podem se agrupar (ou não) em novas formas contestatórias…

É preciso tratar o Coletivo 12 Macacos como um acontecimento que nos atravessa… mas que já não é. E, justamente porque não é, nos atravessa em suas intensidades e afetos…

Fortaleza, 16 de setembro de 2010.

Um velho macaco melancólico

Às vezes penso se o Coletivo 12 Macacos existiu de verdade, de se pegar… ou foi fruto de uma mente sonhadora. Por alguma razão, me lembro de Tyler Durden, e dos macacos espaciais. Do Projeto Caos. Pergunto coisas ao Tyler… e ele nada me responde. Um sonhador compulsivo pode um dia acordar sendo outra pessoa? O Tyler também me abandonou.

Ainda sinto que há um macaco pulsando em minhas veias… eu olho toda essa multidão solitária consumindo, trabalhando, produzindo… esse imenso formigueiro humano perpertuando-se, nessa homogeneização modelizadora capitalística que solve as subjetividades e produz esses zumbis sociais, zumbis-classe média, zumbis-fascistas, zumbis-operários, zumbis-esquerda capitalista, zumbis-pedagogos, zumbis-crianças, zumbis-macacos… Eu resisti ao ataque dos zumbis ou estou perdido nesse pesadelo, diluído nessa multidão

adormecida, vagando erraticamente por entre as ruas das cidades? Ah, look at all the lonely

people…

Há um macaco pulsando ainda… ele só quer fazer acontecer essa sua POLÍTICA DO REBELDE (ONFRAY, 2001), SEU TRATADO DE INSURGÊNCIA E INSUBMISSÃO, seu HEDONISMO PRAGMÁTICO, espalhar mundo afora todo seu NOMADISMO URBANO, LIBERAR AS MÊNADES DIONISÍACAS num outro rearranjo – enfim, prazeroso – da educação. Por uma PedagOrgia Libertária

Talvez só reste mesmo esse velho macaco melancólico…

E aqui termina esta pesquisa. Aqui acaba.

Fim.

*

Agora compreendo: O Coletivo 12 Macacos encontrou o seu tempo de existir… e, enquanto existiu, produziu inúmeros contrafluxos anticapitalísticos, subjetividades anárquicas, devires e linhas de fuga… anarquizou… viveu intensamente.