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IV. A causalidade do provável e suas contradições: uma análise das estratégias de estudo e trabalho e de suas relações com o habitus

1. Expectativas ideais e prováveis de estudo e trabalho

As expectativas com relação aos estudos e trabalho que cada indivíduo traça para si podem ser bastantes diversas conforme sua posição social, ou ainda, conforme sua socialização, habitus e composição e constituição dos capitais econômico, cultural e social. As condições objetivas, principalmente econômicas e culturais, e seus reflexos na subjetividade, podem ser consideradas fatores de peso para que o indivíduo não “ouse” ir além dos seus “limites”. Certas estratégias de ação podem, assim, ser mais seguras e rentáveis ou, então, mais arriscadas.

Em nosso estudo, o pudemos considerar que, de um modo geral, as expectativas de formação e trabalho dos alunos da zona urbana seriam mais promissoras que a dos alunos da zona rural. A tabela abaixo ilustra isso, uma vez que se trata das aspirações dos alunos quanto ao estudo e trabalho após a conclusão no Ensino Médio. Essa tabela refere-se à questão do questionário: “Supondo que você não tenha qualquer barreira ou dificuldade para realizar seus anseios profissionais quanto ao próximo ano, o que você gostaria de fazer no ano de 2010, quanto aos estudos e trabalho?”.

Primeira opção:

Escola Rural Escola Urbana

Ingresso no Ensino Superior à distância. 0% 0%

Ingresso no Ensino Superior presencial 19% 44%

Ingresso no Ensino Técnico 5,5% 7,9%

Ingresso num trabalho 25% 13%

Ingresso num trabalho e cursinho pré- vestibular

15% 15%

Ingresso num trabalho ou estágio e no Ensino Superior

15% 15%

Ingresso num trabalho ou estágio e no Ensino Técnico

15% 2,6%

Ingresso num trabalho ou estágio e no Ensino Superior à distância

5,5% 2,6%

Através dessa tabela, podemos perceber que, enquanto 59% dos alunos do matutino pretendem ingressar no Ensino Superior presencial no próximo ano, assinalando essa alternativa como primeira opção (incluindo aqueles que assinalaram o

ingresso no Ensino Superior conciliado ao trabalho), essa porcentagem diminui para 34% ao referir-se aos alunos da zona rural. Por outro lado, a alternativa de ingressar num trabalho é assinalada como primeira opção por 25% dos alunos da zona rural, enquanto que, para os alunos da zona urbana, essa porcentagem cai para 13%. Também é maior, por parte dos alunos da zona rural, a porcentagem daqueles que assinalaram como primeira opção ingressar no Ensino Técnico (20,5%), contra 10,5% dos alunos da zona urbana que assinalaram a mesma alternativa, que incluía ingresso no curso técnico aliado ao trabalho.

Ao analisar também a porcentagem de alunos que assinalou alguma alternativa que incluía o ingresso no trabalho, podemos perceber que ela é nitidamente maior ao referir-se aos alunos da zona rural: 75,5%, sendo que essa porcentagem cai para 48,2% ao referir-se aos alunos da zona urbana. Nesse sentido, podemos perceber o quanto a questão do trabalho é central na vida desses estudantes do bairro de zona rural.

Agora analisaremos a segunda opção mais assinalada pelos alunos de ambas as escolas, através da tabela a seguir:

Segunda opção:

Escola Rural Escola Urbana Ingresso no Ensino Superior à distância. 4,7% 0%

Ingresso no Ensino Superior presencial 0% 8%

Ingresso no Ensino Técnico 14,4% 20%

Ingresso num trabalho 4,7% 26%

Ingresso num trabalho e cursinho pré- vestibular

23,8% 18%

Ingresso num trabalho ou estágio e no Ensino Superior

19% 10%

Ingresso num trabalho ou estágio e no Ensino Técnico

14,4% 18%

Ingresso num trabalho ou estágio e no Ensino Superior à distância

0% 0%

Não respondeu 19% 0%

Através dessa tabela, pudemos perceber que a segunda opção mais assinalada pelos alunos de ambas as escolas, ou seja, o “plano B”, consistiu principalmente no ingresso no curso técnico: sendo 38% dos alunos da zona urbana e 28,8% dos alunos da zona rural. Para os alunos da zona urbana, segue-se como segunda opção mais assinalada o ingresso no trabalho (26%) e compreendemos que o mesmo valha para os alunos da zona rural, pois, embora a porcentagem de alunos de zona rural que

assinalaram a alternativa de ingressar num cursinho pré-vestibular tenha sido nitidamente maior (23,8%) que a alternativa ingressar num trabalho (4,7%), podemos também perceber que, muitos dos alunos da zona rural (19%) não assinalaram nenhuma alternativa como segunda opção, sendo que a maioria destes já tinha assinalado como primeira opção o ingresso no trabalho. Com base nas entrevistas, pode-se dizer que, para a maioria destes, não há outra possibilidade além da inserção, ou melhor, da permanência no mercado de trabalho, sendo o estudo algo plausível em alguns casos e “descartável” em outros.

Em síntese, compreendemos através da comparação das duas tabelas que a opção de ingressar numa faculdade permanece como um plano ideal para os alunos de ambas as escolas, pois foi a alternativa mais assinalada como primeira opção pelos alunos: 59% dos alunos da zona urbana e 34% dos alunos da zona rural. Essa porcentagem menor obtida por parte dos alunos da zona rural pode ser compreendida pelo fato deles também assinalarem como primeira opção o ingresso num trabalho (25%) e os demais 20% assinalaram o ingresso num curso técnico, enquanto que os alunos da zona urbana permanecem mais focados realmente com o ensino superior, sendo a segunda alternativa mais assinalada por eles na primeira opção, a de ingresso num cursinho pré-vestibular (15% dos alunos), seguidos de 13% que assinalaram o ingresso num trabalho.

Nesse sentido, seguiremos a análise de outra questão do questionário aplicado aos alunos, que consistia na seguinte pergunta: “O que você acha que de fato ocorrerá com você no próximo ano?”. Essa questão é distinta da anterior, que questionava as expectativas dos alunos supondo que eles não tivessem qualquer barreira ou dificuldade para realizar seus anseios.

Pudemos perceber, ao analisar ambas as questões, que houve diferenças entre as respostas. Ao questionar o que os alunos achavam que de fato aconteceriam consigo no próximo ano, a resposta que obtivemos foi a seguinte:

Escola Rural Escola Urbana

Ingresso Ensino Superior à distância. 0% 2,7%

Ingresso Ensino Superior presencial 14,5% 33,7%

Ingresso no Ensino Técnico 0% 16%

Ingresso num trabalho 38% 11%

Ingresso num trabalho e cursinho pré- vestibular

28,5% 22,8%

Ingresso num trabalho ou estágio e no Ensino Superior

0% 13,8%

Ingresso num trabalho ou estágio e no Ensino Técnico

14,3% 0%

Ingresso num trabalho ou estágio e no Ensino Superior à distância

4,7% 0%

Não respondeu 0% 0%

Essa tabela é muito importante para uma análise comparativa dos primeiros anseios dos alunos quanto à continuidade dos estudos, ou seja, de seu “plano A” - que foi analisada na primeira tabela desse subcapítulo – e daquilo que tende a ser mais real, levando em consideração a objetividade atual na qual esses alunos estão inseridos e seu

habitus, seu ethos de classe.

Podemos perceber, através da comparação das duas tabelas, que enquanto 59% dos alunos da zona urbana na primeira opção (primeira tabela) demonstraram pretender ingressar no ensino superior no próximo ano, nesta última tabela (ao levar em conta a realidade atual), essa porcentagem cai para 50,2%. Por outro lado, a porcentagem de alunos que pretendem ingressar no trabalho e num cursinho pré-vestibular aumenta de 15% para 22,8% e a alternativa de ingresso no Ensino Técnico aumenta também de 10,5% para 16%, enquanto que a questão de ingressar num trabalho diminui de 13% para 11%.

Percebemos, assim, que o foco dos alunos da zona urbana continua ainda sendo o ingresso no Ensino Superior, pois ao somar a porcentagem de alunos que acham que, de fato, farão cursinho pré-vestibular juntamente com os que acham que, de fato, ingressarão no ensino superior, encontra-se uma porcentagem de 73%. No entanto, nesta última tabela, a alternativa que se refere ao ingresso no Ensino Superior diminui e a alternativa que se refere ao ingresso no Ensino Técnico aumenta, juntamente com o ingresso num cursinho pré-vestibular. Ou seja, isso demonstra que, para muitos alunos da zona urbana, não será factível concretizar seu “plano A”, o de ingresso imediato no ensino superior, mas sim, um “plano B”, de fazer um curso técnico ou cursinho pré-

vestibular que, provavelmente, é mais condizente com suas condições objetivas de capital cultural, social e econômico.

Quanto aos alunos da zona rural, percebemos, ao contrário dos alunos da zona urbana, que o foco maior é o ingresso num trabalho, onde se concentra a maior porcentagem de alunos. Enquanto na primeira tabela (primeira opção) essa alternativa referente ao ingresso no trabalho foi assinalada por 25% dos alunos da zona rural, nesta última, é assinalada por 38% deles. Em contrapartida, a alternativa de ingresso no Ensino Superior diminui de 34% para 14,5%. Por sua vez, o ingresso num trabalho conciliado ao ingresso num cursinho pré-vestibular aumenta de 15% para 28%. Já o ingresso no ensino técnico diminui de 20% para 14%.

Através desses dados, podemos conjecturar que o plano A de 34% dos alunos da zona rural, de ingresso no Ensino Superior, não seja factível para mais da metade deles, ao levar em conta suas condições objetivas dos diferentes capitais. Para muitos desses alunos (21%), o ingresso no Ensino Técnico já consistia num plano A e, para muitos outros (28%), consistia num plano B. No entanto, somente 14% assinalaram essa alternativa como sendo a mais provável de se concretizar no próximo ano. Em contrapartida, a alternativa de ingresso num trabalho aparece como a mais assinalada (38%) nesta última tabela, juntamente com a alternativa de ingresso num cursinho pré- vestibular (a qual também inclui o ingresso no trabalho), assinalada por 28,5% dos alunos. Isso significa que grande parte dos alunos da zona rural, ao levarem em conta sua realidade atual, considera que não conseguirá concretizar o seu plano ideal de ingresso no Ensino Superior ou técnico e, nem mesmo, seu plano secundário que, para a maioria, consiste no ingresso no Ensino Técnico.

Pudemos compreender que as expectativas de formação e trabalho dos estudantes estão relacionadas às pretensões de ascensão social. É certo que as chances objetivas de êxito ou ascensão por meio do sistema escolar não são verificadas em todas as frações de classe de maneira uniforme. As disposições e predisposições para com a escola são atreladas às condições sociais em que se constituem, engendrando

“esperanças, aspirações, motivações, vontades” (BOURDIEU; PASSERON, 1992,

p.115). As condições objetivas e as expectativas subjetivas se mesclam e se influenciam mutuamente e tendem a incutir, formar e deformar tanto ousadia como conformismo.

Através dessa análise, pudemos confirmar nossa hipótese inicial de que os sonhos e aspirações profissionais futuras dos alunos, isto é, suas expectativas e estratégias, nem sempre tem por base a razão, já que muitas vezes se sonha aquilo que aparentemente não é factível de se concretizar. Ao analisar a primeira opção dos alunos quanto aos estudos e trabalho há respostas mais esperançosas, de ingresso no ensino superior, muitas vezes, não atreladas ao trabalho, enquanto que na última tabela, há respostas supostamente mais realistas. Os alunos da zona urbana mencionam, nesta última questão, mais o ingresso nos cursos técnicos ou cursinho pré-vestibular conciliados com o trabalho, enquanto que, os alunos da zona rural, mencionam mais a permanência no trabalho e também o ingresso num cursinho pré-vestibular.

Pudemos confirmar também outra hipótese inicial: a de que os alunos da zona urbana teriam expectativas mais altas com relação à continuidade dos estudos e trabalho. Tanto na primeira questão quanto na segunda, as aspirações dos estudantes da zona urbana foram mais audaciosas. Além disso, nas próprias entrevistas, esses alunos se mostraram estar mais efetivamente em busca de concretizar suas aspirações, pesquisando cursos, instituições, datas de vestibular etc.

Enfim, de um modo geral, podemos dizer que as expectativas mais promissoras estipuladas pelos alunos de ambas as escolas é a de ingressar (ou permanecer) no mercado de trabalho, em período integral, de forma a bancar o ingresso no Ensino Superior ou ensino técnico, no período noturno.

Sabemos que nem sempre as intenções iniciais são condizentes com a realidade objetiva dos alunos. Embora muitos da zona urbana tenham mencionado em entrevistas pretender ingressar em faculdades de cidades como Campinas e São Paulo. Compreendemos pelos dados obtidos e fluência nas entrevistas, que o habitus os levaria mais para o ingresso numa faculdade próxima ao município, ou então, a um curso técnico ou cursinho pré-vestibular (plano B da maioria deles). Já quanto aos alunos da zona rural, com socialização voltada principalmente para o trabalho, muitas vezes, desde a infância, não poderíamos supor outra coisa a não ser o ingresso ou permanência deles tão somente no trabalho, ou então, nos casos mais promissores, no trabalho conciliado com o ensino técnico, já que 38% dos alunos (maior porcentagem obtidas na última tabela) responderam considerar, no próximo ano, que continuarão somente trabalhando.

As escolhas e estratégias dos indivíduos, de certa forma, estão sempre limitadas às suas socializações, às experiências anteriores de sucesso e fracasso escolar e modo de vida, por isso é difícil que os indivíduos estipulem expectativas que tendam a levá-los a uma vida que seja muito diferente daquela que foi vivenciada até agora, embora tal questão não seja impossível.

Segundo Stefanini (2008), o habitus constitui em “princípios geradores e organizadores das práticas e representações que podem ser objetivamente adaptados a determinado propósito sem supor a visão consciente dos fins e da matriz expressa das operações necessárias para alcançá-los” (STEFANINI, 2008, p.64). Consistem em

uma espécie de regras, no entanto, sem serem produtos da obediência dessas regras, são coletivamente orquestradas sem serem produto da ação organizada de um maestro. (BOURDIEU, 1980).

O habitus está ligado ao volume e distribuição dos diferentes capitais (cultural, social e econômico) nos indivíduos e em seus familiares e pessoas de convívio cotidiano. Cada capital poderá, então, influenciar de determinado modo a formação da expectativa de cada aluno perante seu futuro profissional.

2. O capital econômico e a formação das expectativas de formação e trabalho