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Nesse momento, tentaremos expor nossa experiência no campo grupal. O “nossa”, palavra colocada na primeira pessoa do plural, antecipa o lugar do qual escrevemos, pois acreditamos que algo significativo acontece quando nos colocamos em relação às outras e aos outros do nosso cotidiano, na medida em que nos permitimos reconhecer e, de alguma forma, nos relacionar com o que é da ordem da diferença.

O projeto de extensão “Direitos sexuais e reprodutivos: Conversando sobre Saúde” permitiu que mulheres da região central do estado do Rio Grande do Sul encontrassem-se em grupo para colocar em palavras questões que tocam o seus cotidianos. A partir desses encontros e, consequentemente, das relações construídas no campo grupal, iniciou-se um percurso com direção ao fortalecimento, que, segundo Costa (n.d), é o mecanismo pelo qual as pessoas, as organizações e as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida, de seu destino, tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir.

Neste artigo, visamos apresentar um dos grupos de mulheres formados na terceira e quarta edições do projeto de extensão “Conversando sobre saúde”, que ocorreram nos anos de 2011 e 2012. Mais especificamente, gostaríamos de narrar o processo grupal partindo da experiência de passagem do tempo na atualidade. Faremos isso refletindo sobre os modos de subjetivação na sociedade a partir de uma leitura das vivências de mulheres que, juntas de nós, construíram o campo grupal em questão.

Trabalhamos com a noção de “leitura das vivências”, na medida em que acreditamos na potência das histórias das mulheres, as quais trouxeram como questão para o campo grupal o seu cotidiano, e sem dúvida, o cotidiano nos interessa. Para justificar este interesse, lembremo-nos do que Corso (2011) nos antecipa acerca da ficção, na medida em que não a trata apenas como uma forma de diversão, mas também como veículo através do qual se estabelece um laço imaginário utilizado para elaborar questões significativas da nossa subjetividade e do nosso social.

Para dar conta deste trabalho, personificamos uma das mulheres que participaram do dispositivo grupal e damos a ela o nome de Maria. Fizemos isso, na tentativa de que o eco das relações no campo grupal pudesse se evidenciar na presente construção e, nessa direção, as personagens auxiliam:

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As personagens e suas histórias apresentam situações típicas sobre determinada questão para que isso possa ser compartilhado, elaborado, assim como utilizado como parâmetro para nossa vida. Nossas histórias favoritas acabam sendo fontes de inspiração e identificação, refinam ou embrutecem nossa sensibilidade, nos ampliam ou cerceiam os horizontes, ajudam a penetrar na realidade ou a evita-la, sendo, portanto, decisivas para o que nos tornamos. (Corso, 2011 p. 13)

Diante disso, dediquemos um tempo para a reflexão acerca de uma possibilidade de experiência no campo grupal sob a ótica de Maria, uma das mulheres que o compõe, e que consequentemente, está em relação à outras mulheres no Grupo Conversando sobre Saúde, mas antes apresentaremos os caminhos para elaborar essas reflexões.

Maria: um Conto Singular

“Eu não vou ficar doente nunca, não posso! Não dá tempo. (risos)”. Afinal de que tempo Maria fala, quando enuncia essa sentença?

Maria é uma mulher de meia idade, dona de casa e tem entorno de 50 anos. Levando em consideração que trabalhamos com o tempo pensando-o como uma construção, parece interessante lermos o que ela aponta da noção de tempo, quando não se permite ficar doente.

No início do processo grupal, quando realizávamos as entrevistas de triagem3 para o grupo, Maria foi questionada se trabalhava e sua resposta: “Não, sou dona de casa”. Com o passar dos encontros grupais, que se davam uma vez por semana, ela trazia uma série de tarefas que estavam sob sua responsabilidade: cozinhava para cerca de oito pessoas, após cozinhar era sagrado lavar a louça e, ainda, cuidava de uma criança. Em algum momento Maria cuidou de uma idosa (tia do seu marido) e, além disso, era ela que abastecia a casa com compras, ou seja, ir ao supermercado e a feira era parte de seu trabalho.

3 As entrevistas de triagem são um processo utilizado no nosso grupo com a intenção de escolher

as mulheres que virão a compor o campo grupal. Trabalhamos dessa forma para que o grupo seja interessante para as mulheres e para que elas façam o mesmo pelo grupo no momento em questão. Existem alguns casos em que isso não é possível, então fazemos o encaminhamento das mulheres para onde consideramos mais interessante naquele momento.

35 Impossível perceber a vida de Maria e não lembrar de um movimento que ocorre historicamente com mulheres, ou seja, a alocação de seus corpos. Para argumentar esse ponto de vista, é possível remetermo-nos a Foulcault (1987) quando trabalha com a noção de uma tecnologia disciplinar, cujo objetivo é gerir a vida dos indivíduos, numa tentativa de normalização e controle do corpo social, sendo um dos dispositivos dessa tecnologia a construção de uma medicina voltada para o controle do meio social e da população. No Brasil do século XIX, Nunes (2000) nos mostra que foi através de estratégias de regulação do corpo das mulheres, principalmente vinculados aos saberes da psiquiatria e da sexologia novecentista, que a circulação dos corpos das mulheres se dava na esfera doméstica e no campo da maternidade. Olhando por essa perspectiva, é possível perceber nela a movimentação de Maria, mulher deste século, que traz junto de suas vivências esse legado que, neste momento, diz de si. Quer dizer, ela experiencia seu tempo com as tarefas de casa.

Em termos históricos, Nunes (1982) assinala que as mulheres experienciavam o seu tempo com a esfera privada. Durante todo o século XIX tentou-se fixar a mulher no casamento e na esfera doméstica. A autora fala em tentativa, pois esse lugar também foi construído.

Dando continuidade, nas vivencias de Maria trazíamos suas tarefas. Quando ela falava desse contexto de trabalho, não usava quaisquer palavras, aliás, da forma como percebemos o campo grupal é necessário ficar atento às palavras. Bondía (1996) pontua a dimensão que, de alguma forma, incorporamos em nossa prática quando diz que somos palavras, assim, quando fazemos coisas com palavras, na verdade, estamos dando sentido ao que somos e ao que nos acontece. Nessa perspectiva, as palavras que dizemos são mais do que simples palavras.

As palavras de Maria continham certa obrigatoriedade, ou seja, ela usava frases com um tom de ordem. Escutávamos como o imperativo afirmativo, principalmente quando situava o que era da ordem das tarefas domésticas. Dessa forma, era bem comum no início do processo grupal: “Tem que lavar a louça” “Tem que cozinhar” etc.

Acreditamos que os discursos que se dão no campo grupal fazem eco a discursos que existem nas relações das pessoas, em seu cotidiano. Como trabalhamos com a psicanálise, no processo de escutar o que se passa no contexto grupal, faz-se importante lembrar que, para a psicanálise interessa sempre a história atualizada, retomada e ao mesmo tempo modificada pela leitura que o sujeito faz dela - leitura do campo do

36 particular - é o que afirma Goldfarb (1998). Dessa forma, a memória que constrói a história de um sujeito não é uma simples acumulação de recordações, mas a revivência de uma trama de sequências significativas, ou seja, de acontecimentos com a possibilidade de produzir efeitos de sentido e significação no presente, onde o vivido e o recordado não guardam correspondência inequívoca e quando restos e traços promovem a ficção necessária à produção de uma narrativa singular. Tal constatação só se sustenta porque, psicanaliticamente, qualquer experiência é mediada pela linguagem - o que (re)afirma o caráter de invenção na relação entre tempo, memória e social.

Nessa direção, quando Maria traz essa obrigatoriedade em sua fala, dentre outras questões, é possível perceber o quanto essa obrigatoriedade com as tarefas domésticas pode produzir questionamentos importantes e situar alguns discursos na modernidade. A modernidade está, de certa forma, vinculada ao advento do capitalismo. E, juntas de Bauman (2003), acreditamos que é com esse advento que a comunidade ganha uma nova dimensão onde há um processo de individualização, quando as soluções não são mais buscadas coletivamente.

Tal situação provoca sensação de solidão. Maria parecia estar tomada dessa construção, na medida em que achava que só ela passava por essas situações, mas de repente, com sua inserção no campo grupal percebe que outras mulheres também passavam por isso.

Maria e outras mulheres puderam se haver com a noção de trabalho no campo grupal. Cada uma das mulheres tinha suas singularidades na forma de se relacionar com o que é da ordem das suas tarefas em casa. Mas era unanime que o que faziam era trabalhoso e não era reconhecido.

Um dos questionamentos que passa a fazer parte do campo grupal é se o que as mulheres fazem em suas casas é, de fato, trabalho. Afinal, no discurso de Maria e de outras mulheres, seu trabalho em casa ocupava muito tempo de suas vidas. E, se isso era de fato trabalho, como fazê-lo reconhecido enquanto tal. Como ele pode ganhar valor? A realidade aqui citada, de alguma forma, faz parte de estudos de gênero e, segundo estes, o número de horas que as mulheres dedicam ao cuidado da casa, embora com decréscimos nos últimos anos, ainda é três vezes maior que o tempo que os homens dedicam às atividades do lar, independente de nível sócio-econômico e de escolarização. Para muitas, este cuidado do lar corresponde à segunda jornada de trabalho, o que as sobrecarrega. Além disto, geralmente o trabalho doméstico não é

37 valorizado e, muitas vezes, é notado somente quando não realizado. Dentro desta linha de pensamento, vale lembrar que a sociedade como um todo não reconhece o trabalho doméstico como um gerador de riquezas. Por fim, em relação às práticas de escolarização, o Governo Brasileiro abriu as instituições de ensino superior à entrada de mulheres somente em 1870, e hoje, embora os investimentos das mulheres em educação e na qualificação profissional sejam maiores que os investimentos dos homens, estes não se revertem em condições de igualdade salarial para elas (Heilborn et al, 2010).

Retomando as vivências de Maria no campo grupal, ao longo dos encontros, isso que é da ordem do “tem que”, passou a ser mais questionado. “Tem que, mesmo?” “Será que tem que?” Por diferentes vias, acreditamos que é através do contínuo questionamento sobre as relações de poder e sobre as verdades que permeiam as narrativas e os discursos cotidianos de diferentes atores sociais, que desenvolvemos reflexões teórico-práticas para a promoção da saúde, em especial da saúde sexual e reprodutiva. Com Maria e outras mulheres trabalhamos na mesma perspectiva, analisando e intervindo na dinâmica da regulação e no controle social frente a questões do corpo, das sexualidades, das tecnologias disciplinares e biopolíticas e dos saberes hegemonicamente constituídos.

Através do que denominamos de “grupos de empoderamento”, procuramos ampliar as possibilidades de conscientização das participantes sobre as relações de gênero e os direitos sexuais e reprodutivos das mesmas, para que juntas, elas construíssem formas de lidar com o que é da ordem de seus cotidianos. A conscientização de que falamos aqui está longe do autoritarismo da noção da capacidade dos intelectuais de “conscientizarem” a população da opressão e exclusão que experimentam. Embora “a exclusão faça parte da ordem das coisas” e ela priva as pessoas excluídas “da própria consciência de sua exclusão” (Wacquant, 1998, p.185), não é da ordem dos/as psicólogos/as apregoar um movimento unidirecional e vertical de conscientização das pessoas excluídas.

Conscientizar, na psicologia social crítica, deve estar em consonância com as propostas de Freire (1983), Guareschi (2005) e Roso (2007) - uma proposta dialógica no qual o/a psicólogo/a refaz, constantemente, seus atos cognoscentes, na cognoscibilidade do Outro excluído. As participantes nos grupos de empoderamento são incentivadas a serem investigadoras críticas do mundo e das relações, em diálogo com o/a psicólogo/a, investigador crítico/a também. Através da proposta dialógica, tenta-se colocar na roda

38 de discussão grupal as diferentes visões de mundo, assinalar as contradições entre elas e suas consequências. Com uma escuta implicada das experiências partilhadas no campo grupal, que leva em conta os aspectos inconscientes e também sócio-históricos, devemos problematizar, compreender e mediatizar a reflexão crítica do Outro e a nossa. Esse processo dialético de conscientização, esperamos, “leva as pessoas a recuperarem a memória histórica, a assumir o mais autêntico de seu passado, a depurar o mais genuíno de seu presente e a projetar todo ele em um projeto pessoal e nacional” (Martín-Baró, 1990, p.62).

Os “grupos de empoderamento” possibilitam que as mulheres ajudem uma as outras e se fortaleçam com o auxílio dos mediadores (equipe do projeto). A reconstrução dos saberes existentes que o espaço grupal proporciona a manifestação de sentimentos relativos às vivências, facilitando a expressão e comunicação intergrupal e motivando a discussão de conteúdos (Chiesa; Westphal, 1995).

Entende-se o grupo como “um dispositivo que põe a funcionar máquinas de desmanchamentos do ‘indivíduo’ que nós somos, que acionam movimentos no que deixamos de ser no encontro com a alteridade que nos avizinha e no deslizar pela superfície daquilo que estamos em via de diferir e nos tornar” (Barros, 1996, p.8). O que é acionado aqui é a “descristalização de lugares e papéis, a começar pela própria ideia de grupo como um outro ‘lugar’” (Barros, 1996, p.9). “O grupo é uma instituição, porque ele condensa fluxos de toda ordem, aglutina forças que travam lutas pela definição de um determinado domínio, por um campo de saber-poder, pelo desenho de um território” ( Barros, 1996, p.9).

Apoiamos o nosso trabalho no que Roso (2005) denomina de cosmovisão comunitário-solidária e o colocamos como diferentemente da cosmovisão individualista-liberal. A última enfatiza que a liberdade do indivíduo está acima da liberdade da comunidade, e as ações são guiadas pelo individualismo, egocentrismo e competitividade, gerando uma série de desigualdades sociais. Nessa perspectiva, a alteridade é anulada e busca-se o alcance da cidadania a partir de uma massa social, por via de direitos e deveres gerais e abstratos que reduzem a individualidade ao que nela há de universal:

Se todas as pessoas precisam ser vistas como iguais, as diferenças precisam ser mascaradas. As cidadãs e os cidadãos sociais têm que agir de forma solidária, mas, do mesmo modo que nasce uma nova cidadania, brota um novo tipo de solidariedade, que

39 se baseia no silêncio. E o que acontece com a ética, quando temos uma solidariedade desse tipo? Germina-se um novo tipo de ética: uma ética liberal. A filosofia liberal engendrou práticas sociais liberais: solidariedade liberal, mascaramento nas relações ao invés de compreensão e autocompreensão das diferenças, e legalização ao invés de participação. Isto impediu a verdadeira emancipação das pessoas e, no lugar dela, emergiu uma cidadania liberal, reguladora, atomizante e estatizante (ROSO, 2007, p.126). Nesse sentido, os grupos de empoderamento buscam questionar elementos que compõem uma ética liberal, valorizando não as individualidades, mas as comunalidades (via identificação geral) e as singularidades – desmancham indivíduos via processos de conscientização.

Olhar a partir de uma cosmovisão comunitária-solidária, através do investimento na dialogicidade, na valorização dos saberes populares, na utopia, na análise das relações de poder e na ética do cuidado facilita o desenvolvimento da ação política das pessoas, de modo que o espaço público pertença, também, às pessoas excluídas, incentivando-as para que batalhem por sua dignidade. Principalmente porque se sabe que a violência estrutural também atua enquanto produtora das condições propícias ao florescimento de doenças e epidemias (ROSO, 2007).

Dessa forma, faz-se importante estarmos atentas às diferenças. De certa forma, foi o que Maria fez. Ao longo dos encontros em grupo, ela escutou outras Marias e percebeu realidades parecidas com a sua e realidades bem diferentes. Diante disso, autorizou-se a se colocar, ou seja, trazer para o campo grupal o que a incomodava. Certo dia Maria chega com um relato e tanto para o grupo, o qual transformamos em uma pequena história:

Maria frequentava o “Grupo de Mulheres: Conversando Sobre Saúde” já havia um tempo, levava um pouco do seu cotidiano para o grupo e também levava um pouco do cotidiano de outras mulheres para o seu.

Em um dia, como outro qualquer, Maria estava envolvida com suas tarefas cotidianas e tudo parecia se dar no entre: entre sala e quarto, área de serviço e cozinha lá estava Maria limpando e organizando tudo sozinha.

Neste dia, como outro qualquer, Maria estava fazendo suas tarefas e se deparou com a toalha úmida de seu companheiro no piso no banheiro. Pela primeira vez, talvez contagiada pelas discussões no campo grupal, a olha de uma forma diferente.

Enquanto seus olhos fitavam a toalha, na mente de Maria vinham memórias de todas as vezes que falou para que os outros moradores da casa juntassem suas próprias toalhas, vinham também memórias de ela fazendo o movimento de juntar, além disso, vinham ecos de discussões que ocorreram no

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grupo e que fizeram um barulho e tanto na casa de Maria. Isso a levou ao insuportável do incômodo.

É possível pensar “que besteira, é apenas uma toalha úmida!”, mas não para Maria. Para ela é a representação de todo o trabalho que faz dentro de um espaço e de um tempo. Um espaço que não é só seu, e que, portanto, precisaria ser mantido por todos. E um tempo que acaba investindo nesse espaço, não o deixando para cuidar de si.

Maria segue olhando para a toalha úmida e, irritada com a situação, pela primeira vez, Maria não junta a toalha e caminha depressa. Entre sala e quarto, área de serviço e cozinha lá estava Maria à procura de seu companheiro, o do dono da toalha úmida.

Quando o encontra, na sala assistindo a um programa de televisão, Maria o olha e num tom ríspido, o chama, convidando para junto dela ir ao banheiro. O companheiro a estranha e a olha como quem não a conhece.

Assustado, vai junto dela até o banheiro. Ela pergunta se ele percebeu algo de diferente no ambiente. Ele observa e vê o banheiro em suas condições normais: Azulejos limpos, lixo recolhido, pia organizada, cheirinho de limpeza. Diante disso, comunica à companheira que aparentemente está tudo bem.

Maria, irritada e insatisfeita, pede para que ele olhe melhor. Sem entender muito bem o que acontecia ele olha, percebe os mesmos elementos e fala algo mais ou menos assim “Ah, e tem aquela toalha minha ali, porquê não juntou?”.

Maria, que já estava irritada e insatisfeita chega a um ponto que nunca chegara até então: sua voz tremia, seu corpo se remexia e na sua mente palavrões transbordavam. Começou a contar lentamente e em voz baixa: 1, 2, 3... Não funcionando passou a rezar... E nada disso dava conta de seu sentimento. Pois nada conseguia tamponar o eco de sua voz e das vozes de outras mulheres no campo grupal. Então, Maria explode.

Na explosão, Maria deixa claro que, daquele momento em diante, não é mais responsável pela toalha do companheiro, o responsabilizando por juntá-la. Depois da situação, a vida de Maria não mudou tanto assim, mas ela deu um passo significativo, pois hoje, entre sala e quarto, área de serviço e cozinha lá está Maria, mas não está mais tão sozinha. Nela habitam palavras de outras Marias, ou seja, das mulheres que conheceu no campo grupal e que, de um modo ou de outro, talvez tenham contribuído para que algo da ordem do desejo de “Maria”, pela via da palavra, saísse da invisibilidade.

Podemos, com esse fragmento de história, questionarmo-nos sobre quantas toalhas Maria carregava para sustentar a organização de uma casa, sobre quanto tempo de sua vida esse movimento de sustentação ocupava e o quão caro ela pagava por fazê- lo dessa forma. Talvez o campo grupal tenha colaborado para que Maria pudesse deixar uma toalha cair. Maria pode continuar deixando cair ou não, pode continuar sustentando, afinal trata-se de uma escolha. O importante é que Maria pôde perceber que existem outras formas de lidar com uma situação difícil e que ela pode escolher a sua.

41 Parece que muito mais do que encontrar uma forma de fazer as coisas, dentro de

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