• Nenhum resultado encontrado

A Experiência de Cura

No documento Download/Open (páginas 115-119)

3. MUDANÇA NO ETHOS E NO SENTIDO DE MUNDO

3.3. A Experiência de Cura

A simbologia sagrada do movimento Carismático que se condensa na Santíssima Trindade, é cultuada através de rituais, ricos em situações criadas para que os seus participantes se sintam aliviados,

protegidos, amparados. São vivenciados em clima emocional exacerbado que envolve cada participante individualmente e o grupo como um todo. É no ritual que os valores do grupo são evidenciados exteriormente. É nele também que se expressa o comportamento formal no que concerne a crenças mitológicas. Os ritos Carismáticos, uma vez que são religiosos, se relacionam com símbolos sobrenaturais. Os ritos mais importantes da RCC são os rituais de cura e os de passagem 34. Esses ritos lembram a efervescência de força que Durkheim descreve como a base de expressão dos mesmos.

Antropologicamente, os ritos entendidos dentro de parâmetros seqüenciais podem demonstrar a sua eficácia, como no exemplo

da cura. Observando-se todos os momentos do ritual de cura, desde o preparatório até

__________________________

33. Cf. Cecília Mariz. Comunicações do ISER 45. p. 24-34.

34. Cf. Victor Turner. “The forest of simbols”. London: Cornell University Press. 1973.

o seu ponto de culminância, tem-se uma idéia clara do que acontece e de que o que se chama de "ritual de cura" é um processo composto de elementos que

se interligam e se completam, com seus significados individuais e coletivos. Van Gennep descreve propriedades variadas dos ritos. São características psicológicas, de força, de acolhida, de caráter positivo ou negativo e de forma direta ou indireta 35. É o rito que simboliza a passagem de um campo religioso

para outro.

No intuito de dar sustentação à percepção religiosa, faz-se nos rituais uma fusão do mundo real com o imaginado, mediante a união dos símbolos que sustentam a base mitológica 36. O sistema simbólico religioso

expressa o universo psicológico e social, no sentido de que ele se determina segundo a sua exigência e, ao mesmo tempo, influencia esse universo 37. Assim é compreensivo que os ritos que cultuam os símbolos religiosos sejam parte de um sistema de reorientação dos adeptos. Isso nos seus atos e no sentido de dar um significado para os seus caracteres individuais e para as suas necessidades de bem-estar emocional e físico.

Assim, fica explícita uma dedução ordenada:

A razão maior da mobilização das pessoas para ingressar no sistema religioso é, segundo vários autores 38, a expectativa da

cura, principalmente dos processos subjetivos.

Em assim sendo, a dinâmica do processo funcional do campo religioso obedece ao fato de as pessoas buscarem

alívio para os seus

__________________________

35. Cf. Arnold Van Gennep. “Os Ritos de Passagem”. Petrópolis: Vozes, 1978. 36. Geertz. Op. cit. p. 129.

37. Id. p. 108.

38. Montero (1985); Corten (1996); Oro (1996), para citar alguns.

sofrimentos.

A opção a determinado campo religioso é baseada na definição que a pessoa faz da sua problemática ou mesmo na idéia que faz

das causas dos seus males.

A terapêutica pentecostal e neopentecostal, e conseqüentemente, a dos Carismáticos, consiste num sistema integrado de práticas religiosas que se sustenta no conhecimento que o sujeito tem de si mesmo e do mundo.

A adesão ao sistema religioso de cura leva o sujeito a adotar, na sua dimensão espiritual, os valores morais do sistema ao qual adere. Isso facilita a passagem do quadro doente ao sadio.

Essas deduções reforçam a idéia que o que é tratado, em nível de subjetividade, é o conteúdo inconsciente. Da mesma forma que, através da análise dos sonhos, pode-se perceber o conteúdo inconsciente, nos rituais de cura, o significado oculto se manifesta. Se as práticas terapêuticas da religião deixam antever os significados dos males e a conseqüente compreensão deles, usando o simbolismo religioso, em outro contexto, a técnica psicanalítica atribui um sentido ao sintoma. Tanto um como outro método conta com a força transformadora do sujeito. Poelman fala sobre essa força como a capacidade para a mudança que ele concebe ser "... o fluxo contínuo de percepção, sentimentos e pensamentos... uma força que se revela na vida dos seres, um "elan vital" que é responsável pela evolução criadora contínua da vida" 39.

A probabilidade que tem as agências populares para empreenderem curas está diretamente ligada ao quanto de credibilidade os

sujeitos depositam

__________________________

39. Johanes Poelman. “O homem a caminho de si mesmo”. São Paulo: Paulinas. 1993. p. 13.

em seus significados. No grupo entrevistado – da RCC –, as pessoas tendem a encontrar a cura, tanto na sua forma simbólica, quanto objetiva. Quando essa

cura não se dá, elas demonstram cultivar a esperança de consegui-la. Nem sempre a cura se refere a doenças diagnosticadas, mas aos sentimentos de solidão e abandono. Estes podem ser resolvidos quando os sujeitos se sentem

acolhidos e podem partilhar com os outros as motivações e metas comuns. Nesse sentido, ao participar de um código ético proposto pelo campo religioso

escolhido, a pessoa se percebe adaptada.

O homem que consegue se identificar com a ética proposta pelo campo religioso preferido por ele é aceito pelo grupo. As expressões de solidariedade que ele percebe em relação a si o fazem sentir-se estimado. É dominado por "uma impressão de reconforto da qual muitas vezes não se dá conta, mas que o sustenta" 40. A RCC oferece isso aos seus adeptos e vai mais além. Promove a possibilidade de cura e, com ela, o propósito do bem-estar individual e na coletividade e ainda culmina com a proposta da integração total com Deus. Esse é o milagre por excelência, é também o ideal do ego que a Psicanálise categoriza como o modelo idealizado que o homem aspira alcançar para si 41.

Nesse estado de acolhimento, de reconforto, de aceitação, do bem estar e do sentir-se forte pela intimidade com Deus, quando a fé impulsiona o ato milagroso, situa-se a eficácia da oferta da RCC.

__________________________ 40. Durkheim. Op. cit. p. 216.

41. Cf. “Vocabulário de Psicanálise”. Op. cit. p. 289.

No documento Download/Open (páginas 115-119)

Documentos relacionados