• Nenhum resultado encontrado

Raquel não teve o magistério como sua primeira experiência de emprego. Antes de ser professora, ela trabalhou como vendedora de roupas numa loja de confecções da sua cidade. “Foi

uma ótima experiência, apesar de ter sido um período difícil para minha vida, pois precisei trabalhar e estudar ao mesmo tempo”. Membro de uma família de nove pessoas, cujo sustento era da responsabilidade exclusiva do pai, que era pedreiro, trabalhar e estudar não era apenas uma opção de vida para Raquel. Trabalhar e estudar, para Raquel, eram elementos subjetivos que configuravam suas necessidades e motivos para a construção de um novo modo de vida.

Assim como trabalhar fazia parte de um plano de superação de certas necessidades imediatas, voltadas para a sobrevivência de si mesma e de ajuda à família, estudar configurava-se como um projeto de vida mediado pelo presente e pelo futuro. Seria esse projeto de vida, então, o que lhe garantiria um emprego mais seguro e vantajoso que o anterior. E, com o emprego, a garantia da construção de um novo modo de vida, em que poderia usufruir não apenas de bens materiais, mas, também, simbólicos, culturais.

Esse projeto de vida, contudo, já havia sido delineado por Raquel ao escolher o 2º Grau com Habilitação em Magistério. Raquel afirma que essa Habilitação surgiu na sua “vida como uma alternativa para ingressar no mercado de trabalho. Como as dificuldades de emprego eram enormes, vi a possibilidade de poder tornar-me professora, já que era a profissão de maior chance de emprego na cidade”.

A escolha profissional de Raquel, como sempre acontece de não ser um processo natural, foi determinado pelas suas condições materiais de existência, que são atravessadas, contraditoriamente, por muitas dificuldades, necessidades, motivos, vontades e superações.

Ao ser convidada para dar aula numa escola particular, Raquel ficou surpresa e, também, muito feliz, pois começou a lecionar no ano seguinte ao de conclusão do 2º Grau com Habilitação em Magistério. “Com isso, me senti orgulhosa pelos meus esforços e pela oportunidade”. Raquel revela, nesse momento, a emoção de estar tornando real um projeto de vida. Projeto de vida, esse, mediado não apenas pela escola, pela família, mas também pela

superação dos obstáculos, das dificuldades, e satisfação dos desejos, das necessidades, o que a configura como um ser historicamente determinado, um ser em processo de transformação / construção de um novo modo de vida.

Quando diz que “não imaginava iniciar o trabalho em sala de aula”, e se sentia “orgulhosa” pelos seus esforços, pela “oportunidade”, revela suas emoções, seus sentimentos, nas próprias palavras.

O fato de ter realizado Habilitação em Magistério no 2º Grau não lhe garantiu, entretanto, tranqüilidade para assumir uma sala de aula pela primeira vez na vida como professora. Conforme ela mesma relata, sentia-se “um tanto despreparada para a ação docente, onde o medo e a incerteza eram meus maiores inimigos”.

Ao destacar o sentimento de despreparo para a ação docente, Raquel explicita, mesmo que de modo não intencional, a existência de não apenas um fosso entre a Habilitação em Magistério e a realidade educacional / escolar do ensino de 1ª a 4ª série. Seu sentimento de despreparo, de medo e de incerteza, para assumir uma sala de aula, está relacionado também à sua própria história de vida, que é marcada, dialeticamente, pelo processo de exclusão / inclusão na sociedade.

Apesar de ter sido “um período [...] difícil porque não tinha muita prática e precisava ter conhecimentos para orientar os alunos na sua aprendizagem”, seu sentimento de despreparo, de medo e de incerteza para assumir uma sala de aula, contudo, não se transformou em motivo para que ela desistisse do desejo de ser professora.

Que sentido tinha a Habilitação em Magistério? Apesar de conceder-lhe o direito legal de ser professora de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental, esse curso não estava sendo suficiente para que desenvolvesse um sentimento de pertencimento à realidade para a qual estava sendo preparada. Ao destacar que sua insegurança estaria relacionada ao fato de que “não tinha muita

prática e que precisava ter conhecimentos para orientar os alunos na sua aprendizagem”, ela revela que havia fragilidade não apenas no estágio, mas também na parte teórica do curso. Revela, ainda, a existência de dicotomia entre teoria e prática (estágio), um dos motivos de fragilidade da sua formação no 2º Grau.

Apesar do sentimento de fragilidade, de despreparo, medo e incerteza para assumir a função de professora, Raquel não via seus alunos como pessoas difíceis. Pelo contrário, até a ajudavam a superar as dificuldades. Eram crianças “esforçadas e interessadas com as tarefas”.

No ano seguinte, a função de professora não foi uma tarefa muito difícil. “Nesse ano, as coisas estavam melhores, pois já tinha mais experiência”. Mais uma vez a Habilitação Magistério se dilui, na sua fala, em decorrência da experiência direta. Revela, com isso, que o curso, em si, não lhe trouxe grandes contribuições para o exercício da docência. Não há invocação do curso para os problemas vividos.

Além da experiência profissional no magistério como professora, Raquel afirma, também, que muito se inspirou na postura pedagógica de seus ex-professores. “Durante toda a minha vida escolar, tive contato com uma postura tradicional de ensino e, espelhando-me em meus antigos mestres, aos quais depositava bastante respeito e admiração, assumi também uma postura tradicional”.

Raquel, ao afirmar que se espelhava nos seus “antigos mestres” para desenvolver sua prática pedagógica, evidencia o processo de constituição da sua subjetividade como professora. Do processo dessa constituição, não podemos desconsiderar, contudo, suas dificuldades de vida na sociedade, a luta pela superação dessas dificuldades, sua experiência no 2º Grau (Habilitação Magistério), além da sua própria experiência docente.

Raquel não se dilui, contudo, nas suas experiências imediatas com o mundo do magistério. Ela sente a necessidade de transpor o mundo imediato que a constitui, ao mesmo

tempo que é dele constituinte. “Desde o início da minha prática, pude perceber que a minha aprendizagem teórica e metodológica do curso Magistério não estava suprindo as necessidades de sala de aula”. Destaca, ainda, que o professor precisa “ampliar seus conhecimentos de mundo para atuar como um profissional capaz de desenvolver um trabalho significativo no processo de ensino-aprendizagem”.

Raquel revela-se, portanto, na mediação do movimento e da atividade de ser professora. A sua condição de ser professora não é inerte, linear. Como sujeito determinado sócio-historicamente, ela sente a necessidade de “ampliar seus conhecimentos” para poder se transformar numa professora capaz de atuar de modo mais significativo na sua sala de aula.

No movimento e na atividade de ser professora, Raquel sente a necessidade de superar suas limitações, de “atuar como um profissional capaz de desenvolver um trabalho significativo no processo de ensino-aprendizagem”. Ante a necessidade, o desejo, a vontade, Raquel parte para a busca de alternativas que possam melhorar a sua ação docente. No início, começa a estudar sozinha. Em seguida, participa de vários cursos; entre os quais destaca o “estudo dos PCN’S (Parâmetros Curriculares Nacionais), o FORMAGESTE (Curso para a Formação de Gestores) e o PROFA (Programa de Formação de Professores Alfabetizadores)”.

Ante seus motivos e necessidade, Raquel é determinada pelo movimento histórico e pela atividade do ser professora. “À medida que os cursos iam sendo realizados, sentia uma maior preparação como educadora, além de perceber significativas melhoras no ambiente escolar. Tanto na aprendizagem do aluno como na maneira como conduzia as minhas aulas”. Dialeticamente, Raquel não era apenas afetada pelos cursos de que participava. Ela também afetava sua ação pedagógica na sala de aula. “Ser educadora passava a ter um novo significado para mim”.

A construção de um novo significado no ser educadora configura-se pela geração de novas necessidades. Necessidades essas que não seriam satisfeitas apenas pela realização de

cursos de capacitação de curta duração. O desejo de fazer um curso superior na área de licenciatura emerge, portanto, nesse momento, não como uma vaidade, mas como um motivo que se coaduna com a vontade de poder melhorar a sua atuação pedagógica como professora. É uma meta / objetivo pelo qual vai lutar.