• Nenhum resultado encontrado

1. AS LEITURAS PÚBLICAS DE CHARLES DICKENS: TEXTO, LEITURA E CENA

1.5. A experiência teatral de Charles Dickens

Se, no século XIX, os novos meios de produção e de transporte e o crescente processo de alfabetização proporcionaram que os livros e jornais chegassem a um maior número de lugares e de pessoas; se o método folhetinesco de publicação aumentou a fama dos escritores e o interesse por eles; se os clubes de leitura habituaram as pessoas a ouvir a literatura

impressa e suscitaram, também, a curiosidade em ver as obras interpretadas pelos próprios autores; se tudo isso forneceu um ambiente propício para que um escritor ganhasse dinheiro em espetáculos de leitura de seus livros, que, por onde passassem, encontrariam espectadores que conheciam a fama do autor e que desejavam vê-lo pessoalmente, por que Charles Dickens foi o primeiro dos escritores que eram populares na época a fazer tal tentativa e, ainda, por que nenhum dos autores que posteriormente tentaram obteve sucesso comparável?

Aos outros autores faltava a experiência teatral de Charles Dickens, a qual havia sido adquirida em muitas peças amadoras de que ele havia participado. No entendimento de Charles Kent, Dickens tinha “em um extraordinário grau o elemento dramático em seu caráter”, constituindo uma parte integrante de sua individualidade. (KENT, 2007, p. 5, tradução nossa).33 De fato, um dos principais motivos que levaram o escritor às Leituras Públicas foi seu forte interesse pelos palcos e pela arte de representar.

J. B. Van Amerongen (1969, p. 8) informa que, já nos anos de 1827 e 1828, quando trabalhava para o advogado Edward Blackmore, Dickens e um colega escriturário muitas vezes iam a teatros particulares, onde ocasionalmente eles mesmos atuavam. Nessa época, Dickens era um frequentador regular de peças teatrais, chegando a ir, durante um período de três anos, quase todas as noites ao teatro, especialmente para assistir às atuações de Charles Mathews, o velho.

Isso não era somente amor pelo divertimento, comenta Amerongen (p. 9, tradução nossa): Dickens se sentia atraído pelos palcos, consciente de seus “próprios poderes de observação e imitação.” Tanto que, aos vinte anos, ele considerou seriamente sua vontade de se tornar ator. “Ele ‘praticava imensamente (mesmo tais coisas como entrar e sair andando, e sentar-se em uma cadeira) geralmente cinco, seis horas por dia,’ confiando grande número de papéis à memória.”34

Dickens marcou uma entrevista com Bartley, o administrador de Covent Garden, 35 e com o ator John Philip Kemble, para recitar a eles algum trecho do repertório de Mathews. Entretanto, uma doença o impediu de comparecer ao encontro. Pouco depois, tornando-se

33 “It is observable, in the first instance, in regard to Charles Dickens, that he had in an extraordinary degree the dramatic element in his character. It was an integral part of his individuality. It coloured his whole temperament or idiosyncracy.” (KENT, 2007, p. 5).

34 “He ‘practised immensely (even such things as walking in and out, and sitting down in a chair) often from five, six hours a day,’ committing a great number of parts to memory.” (AMERONGEN, 1969, p. 9).

35 A Royal Opera House, célebre sala de concertos conhecida corriqueiramente como Covent Garden, nome do distrito de Londres em que se localiza. Fonte: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Covent_Garden > Acesso em: 08 ago. 2011.

bem-sucedido na função de repórter parlamentar, ele desistiu da carreira de ator, dizendo que havia pensado nos palcos apenas como um “meio de ganhar dinheiro.”

Amerongen sugere que, havendo Dickens sempre se sentido como tendo uma missão a cumprir, e olhado para si mesmo como um “apóstolo do humanitarismo”, ele percebeu que, como escritor, encontraria melhor suporte para as críticas sociais que caracterizariam seu trabalho.

Em todo caso, Charles Dickens continuou ligado à atividade teatral durante toda a vida. Amerongen cita uma informação dada por Theodore Taylor no livro Charles Dickens, The Story of his Life, segundo a qual, em 1836, durante as publicações de Pickwick Papers, Dickens atuou em The Strange Gentleman, peça de sua autoria, que esteve em cartaz no St. James Hall. Todavia, Amerongen (1969, p. 9) alerta que essa informação, a única existente sobre o assunto, é dada sem “nenhuma autoridade” e dificilmente pode ser aceita, mesmo que Adair-Fitzgerald não a julgue de todo improvável, chegando a supor que Dickens tenha sido um dos garçons da peça.

Seja como for, também é importante notar o trabalho de dramaturgia realizado por Charles Dickens. De 1836 a 1838, ele escreveu quatro peças: a farsa The Strange Gentleman (1836), a qual, apesar do sucesso obtido em Londres, onde foi apresentada cinquenta vezes, e em Nova York, foi rejeitada pelo autor, que disse desejar que ela fosse esquecida. A ópera cômica The Village Coquettes (1836), com texto de Dickens e música de John Pyke Hullah, que estreou no St. James Hall em 06 de dezembro de 1836, logo depois de The Strange Gentleman, não conseguindo mais que dezessete apresentações.

Pouco depois, o ator J.P. Harley requisitou a Dickens uma peça para seguir o sucesso de The Strange Gentleman; muito ocupado na ocasião, o autor lhe enviou um texto intitulado Cross Purposes, o qual havia escrito antes de se tornar famoso; o texto foi representado como Is She His Wife? (1837), uma farsa de trinta minutos, que ficou em cartaz de 06 de março a 31 de maio de 1837. The Lamplighter (1838), uma farsa, é a última das peças que Dickens escreveu sozinho; foi escrita para seu amigo William Charles Macready, famoso ator e diretor de teatro. A peça foi rejeitada por Macready, havendo sido levada aos palcos somente após a morte do autor.36

Registram-se, na vida de Charles Dickens, muitos espetáculos teatrais amadores, que eram apresentados privativamente. Para Charles Kent (2007, p. 5), as peças particulares que

36 Sobre a dramaturgia de Charles Dickens:

Dickens organizou, durante anos, em seu círculo familiar, prepararam o caminho para as futuras Leituras profissionais não menos diretamente que as primeiras Leituras filantrópicas.

Em 1842, durante a primeira visita do escritor à América, um de seus colegas de viagem, Lord Mulgrave, sugeriu que ele tomasse parte em um espetáculo beneficente dos oficiais de seu regimento, em Montreal; sugestão a qual Dickens prontamente aceitou. Além de atuar, Dickens assumiu também a função de contrarregra das duas farsas que foram representadas. Sobre essa função, ele escreveu a Forster:

Mas eu não fui anunciado como contrarregra para nada. Todos foram avisados de que eles teriam de se submeter ao mais ferrenho despotismo; e não é que eu me tornei Macready para com eles? Eu fiz marcações exatas do cenário, e listas de acessórios requeridos; e as preguei na cadeira do ponto. Eu mesmo fui o ponto quando não estava em cena; quando eu estava, eu fiz do ponto regular do teatro o meu substituto. (DICKENS apud AMERONGEN, 1969, p. 10-11, tradução nossa).37

Percebe-se a seriedade com que Dickens encarava a produção de uma simples peça amadora, procedendo a um exigente trabalho de direção de cena, chegando mesmo a exercer a função de ponto, isto é, passando aos atores, durante a peça, as falas e ações das personagens.

A atuação teatral sempre foi predominante na mente do autor, escreve Amerongen. As ocasiões favoritas eram as peças amadoras particulares, feitas em sua casa com a participação dos filhos e amigos. Aos vinte e um anos, por exemplo, escreveu e atuou com membros de sua família e de seu círculo de conhecidos The O’Thello, uma versão burlesca da tragédia de Shakespeare. Em muitas datas festivas eram encenadas tais peças familiares.38 Dickens tomava para si o encargo de tudo, “desde a escrita dos cartazes até a preparação do ponche para refresco das crianças.” (AMERONGEN, 1969, p. 13-14).

Uma das melhores produções, segundo Forster, foi uma adaptação de Tom Thumb, de Fielding. Entre os espectadores convidados, estava o escritor Thackeray, o qual, dizem, “rolou em seu assento com um incontrolável ataque de risos.” Dickens fez o papel do Fantasma de Gaffer Thumb, e chegou a cantar uma canção de sua própria autoria. (AMERONGEN, 1969, p. 14).

37 “I am not however, let me tell you, placarded stage-manager for nothing. Everybody was told they would have to submit to the most iron despotism; and didn’t I come Macready over them? I had regular plots of the scenery made out, and lists of the properties wanted; and had them nailed up by the prompter’s chair. I prompted myself when I was not on; when I was, I made the regular prompter of the theatre my deputy.” (DICKENS apud AMERONGEN, 1969, p. 10-11).

38 Para mais detalhes sobre as peças familiares organizadas por Dickens, conferir o Capítulo 1 do livro The Actor

Amerogem enfatiza que, a vida inteira, Dickens precisava de não mais que um leve pretexto – e, muitas vezes, de pretexto nenhum – para “se jogar de coração e alma” na montagem e atuação de uma peça de teatro. Além das representações familiares, Dickens levou ao público geral no mínimo oito peças, atuando junto a um grupo de amigos artistas, entre os quais John Forster; o dramaturgo Wilkie Collins; Mark Lemon, editor da revista Punch; e John Leech, primeiro ilustrador de A Christmas Carol.

A primeira da série foi Every Man in his Humour, de Ben Jonson (figura 2). Em 1845 ela foi apresentada duas vezes: a primeira vez no teatro da Srta. Kelly, na Dean Street,39 em

21 de setembro; a segunda vez em um espaço maior, para algum projeto de caridade. Em 1847, levaram essa comédia para várias cidades, em benefício de Leigh Hunt e do dramaturgo John Poole; e, em 1850, eles apresentaram-na em Knebworth Castle, casa do escritor Edward Bulwer. (AMERONGEN, 1969, p. 15-16).

Figura 2 – Charles Dickens como Bobadil, em Every Man in his Humour.

(Gravura a partir de uma pintura de C. Robert Leslie, R.A.). Fonte: AMERONGEN, 1969, p. 2.

Também em 1845, produziram uma adaptação, feita por Forster, da peça Elder Brother, de Beaumont & Fetcher, em benefício da atriz Frances Maria Kelly. Em 1848, desta vez para ajudar o ator e dramaturgo Sheridan Knowles, deram apresentações da comédia

39 Miss Kelly’s Theatre, igualmente conhecido como Royalty Theatre, era também uma escola dramática dirigida pela atriz Frances Maria Kelly.

shakespeariana The Merry Wives of Windsor, em que Dickens interpretou, inicialmente, o papel de Falstaff, e, depois, o de Slender.

Com o objetivo de prover autores empobrecidos com auxílio financeiro e moradia grátis, Dickens e Bulwer instituiram, em 1850, a Guilda de Literatura e Arte. Neste ano, Bulwer escreveu uma comédia em cinco atos, Not so Bad as We Seem, a qual foi exibida em 16 de maio de 1851, a fim de arrecadar fundos para a Guilda: na plateia, estiveram a Rainha Victoria, o Príncipe e uma “vasta audiência das pessoas mais distintas”. (AMERONGEN, 1969, p. 16).

Seguiu-se, em 1851, também com o objetivo de ajudar a Guilda, Mr. Nightingale’s Diary, uma farsa desenvolvida em parceria por Charles Dickens e Mark Lemon, a qual obteve grande sucesso financeiro, tanto em Londres quanto nas províncias. O elenco foi uma seleção de ilustradores e autores, como Wilkie Collins. Na peça, a ação se passa em uma estação de tratamento, onde os planos de um médico vigarista e charlatão (Lemon) são desmascarados por Gabblewig, um ator que é um homem de mil faces (Dickens).

Este último é um tipo malandro. Durante a peça, Gabblewig se disfarsa em um sacristão surdo, em um inválido frágil, em Sam Weller (popular personagem de Pickwick Papers), e, no momento de destaque, na Sra. Gamp (personagem do romance Martin Chuzzlewit). No trabalho de interpretação de Gabblewig, a qual, na verdade, reunia cinco personagens diferentes, Dickens já demonstrava sua versatilidade, aptidão que seria fundamental para as Leituras Públicas, quando ele passaria então a representar todas as personagens de uma história.

Logo depois, em 1851-1852, encenaram Used Up, adaptação feita por Charles Mathews da peça francesa L’Homme Blasé. Todavia, apesar dos esforços, a Guilda de Literatura e Arte faliu. Somente três anos depois, em 1855, Dickens voltou a aparecer como ator, apresentando em sua própria casa a peça The Lighthouse, de Wilkie Collins. Esta foi a primeira vez em que Dickens não representou uma personagem cômica. Seguiram-se apresentações beneficentes desse espetáculo, em favor do Hospital de Tuberculose de Brompton. O sucesso obtido levou Wilkie Collins a escrever, em 1857, outro melodrama, The Frozen Deep, o qual, depois de uma apresentação privativa, foi levada a algumas das principais cidades inglesas, em benefício da viúva de Douglas Jerrold. (AMERONGEN, 1969, p. 17).

Além de nesses espetáculos mais longos, Dickens atuou em pelo menos outras seis farsas, e ensaiou cinco textos que não chegaram a ser levados ao público. Amerongen acredita

que o prazer que Dickens sentia em atuar era tão grande que se pode dizer que esse era o principal motivo de seu envolvimento com o teatro amadorístico.

Seu amor pelos seus amigos e colegas autores, ou sua admiração pela arte e pelas letras em geral, não podem ser postos em dúvida, mas estas performances beneficentes eram principalmente destinadas a exibir seus poderes histriônicos. (AMERONGEN, 1969, p. 18, tradução nossa).40

Como exemplo, Amerongen (1969, p. 18) cita ocasiões em que as peças continuaram em exibição mesmo após terem acabado os motivos filantrópicos: a montagem de The Merry Wives of Windsor foi originalmente planejada com a intenção de se fazer uma doação para uma curadoria perpétua da casa de Shakespeare em Stratford, mas, quando esse plano foi abandonado, em razão de a própria cidade assumir tal obrigação, isso de modo algum impediu que se levasse adiante a montagem da peça; igualmente, quando Leigh Hunt, em favor de quem se apresentava a peça de Ben Jonson, recebeu uma pensão do governo, o grupo continuou sua turnê pretendida mesmo assim.

Isso corrobora com nossa afirmação de que o gosto e o interesse de Dickens pelas atividades de atuar e organizar um espetáculo foi também um dos motivos principais que o levaram às Leituras Públicas.

A fim de melhor entendermos as características de Charles Dickens como ator, convém observar algumas considerações de Richard Sennett acerca do comportamento dos homens públicos no século XIX. Para Sennett (1988, p. 241), entre os termos que formavam a personalidade no século XIX estavam a “autoconsciência a respeito do sentimento” e a ideia de que a espontaneidade era uma anormalidade. A natureza transcendente foi “substituída pela sensação imanente e pelo fato imediato, na qualidade de cerne da realidade” e as raízes da personalidade entraram em “um novo tipo de crença secular.”

Acreditava-se que era possível fazer uma leitura da personalidade e dos sentimentos de um indivíduo mediante a observação de sua aparência. Em razão disso, as pessoas começaram a usar “mecanismos de defesa [...] contra sua própria crença no desvendamento involuntário da personalidade e contra a superposição do imaginário privado e público.”41 (SENNETT, 1988, p. 42).

40 “His love of his friends and fellow-authors, or his admiration of art and letters generally, cannot be doubted, but these benefit performances were primarily meant to display his histrionic powers.” (AMERONGEN, 1969, p. 18).

41 Sennett nota que foram essas defesas que, por “um estranho caminho,” encorajaram as pessoas a elevar “os artistas que atuam em público ao status peculiar de figuras públicas” que passaram a ocupar no século XX. (SENNETT, 1988, p. 42).

Descobrir a personalidade de uma pessoa a partir de sua aparência tornou-se “uma questão de procurar pistas nos detalhes do seu vestuário.” Por sua vez, essa decodificação do corpo nas ruas afetou a relação entre o palco e a vida real.

Os códigos de credibilidade a respeito das aparições nas ruas começaram a diferir fundamentalmente da crença nas aparências no palco. Dessa forma, a burguesia cosmopolita estava tentando ver, em termos comparáveis com a visão de Balzac, mas sua visão levava a um divórcio entre arte e sociedade. (SENNETT, 1988, p. 203).

Assim, o século XIX não apenas separou a vida pública da vida privada, como também diferenciou o comportamento mostrado nos palco do comportamento comum das pessoas na sociedade. Por um lado, acreditando que não se podia evitar mostrar o que se sente, e que “a verdade de qualquer emoção, declaração ou argumento em público” dependia do caráter da pessoa que estava falando, a única defesa segura que as pessoas encontraram para se esquivar da sondagem foi

[...] tentar evitar sentir, tentar não ter sentimentos a exibir. [...] Num meio onde se pensa que os sentimentos, uma vez despertados, eram exibidos além do poder da vontade de ocultá-los, o retraimento do sentimento é o único meio de se manter um certo grau de invulnerabilidade. Tentava-se, por exemplo, proteger a personalidade usando o mínimo possível de jóias, rendas, debruns de tipo incomum, de forma a não atrair a atenção para si [...]” (SENNETT, 1988, p. 42).

Por outro lado, ao mesmo tempo em que “procuravam parecer o mais discretas possível”, começaram também a “exigir que no teatro os trajes fossem indicadores precisos das personalidades, das histórias de vida e da posição social” das personagens. Nas peças históricas encenadas na metade do século XIX, por exemplo,

[...] o ator devia representar exatamente a aparência que se supunha que um príncipe dinamarquês medieval deveria ter ou que um imperador romano deveria ostentar. No melodrama, trajes e gestual cênico tornaram-se logo tão estilizados que, vendo um homem adentrar o palco com passos curtos e afetados, poder-se-ia imediatamente perceber que se tratava do vilão, antes mesmo que proferisse qualquer palavra. (SENNETT, 1988, p. 43).

Na sociedade, os sentimentos eram reprimidos, mas, nos palcos, deviam ser aberta e claramente expressados. Ao contrário do que se passava na vida real, nas artes cênicas, via-se uma “personalidade reinante”, “uma pessoa fortemente declarada.” (SENNETT, 1988, p. 43). Assim, com a entrada da personalidade no domínio público, “a identidade do homem público dividiu-se em dois.” De um lado, havia os artistas, que foram os poucos que “continuaram a se expressar em público de modo ativo, e conservaram o imaginário do homem enquanto ator que orientava o Antigo Regime”, tornando-se, na primeira metade do século XIX, verdadeiros

profissionais nisso. De outro lado, estavam os espectadores, que mais se concentravam em observar a vida pública do que em participar dela. (SENNETT, 1988, p. 243).

O músico e o ator subiram na escala social, “muito acima do nível da criadagem onde se encontravam no Antigo Regime.” Essa ascensão social do artista foi baseada “na ostentação de uma personalidade vigorosa, excitante, moralmente suspeita, inteiramente oposta ao estilo de vida burguesa normal, na qual se evitava, através da supressão dos seus sentimentos, ser lido como pessoa.” (SENNETT, 1988, p. 43).

Portanto, a “intrusão da personalidade no âmbito público alterou radicalmente a ponte dos códigos de credibilidade entre palco e rua.” No final da década de 1830, o público começou a exigir que, pelo menos na arte, fosse possível saber, “sem dificuldade, quem alguém era, apenas ao olhá-lo ou olhá-la.” Logo, esse “desejo por aparições críveis e verdadeiras, no palco, começou a tomar forma como uma exigência de cuidado com o costume histórico.” (SENNETT, 1988, p. 218-219).

A partir de 1830, e durante muitas décadas depois, o historicismo, embora não fosse novo, ganhou uma força que nunca havia tido antes: “o público demandava exatidão a fim de criar a ‘ilusão necessária’ do teatro”, enquanto que, no palco, havia uma “tentativa apaixonada, embora frequentemente inepta, de fazer com que as personagens das peças vestissem costumes absolutamente corretos e recriações cuidadosas do período em que a peça se situava.” (SENNETT, 1988, p. 219).

Como exemplo, Sennett (1988, p. 220) cita a coleção de costumes históricos de Edith Dabney, a qual mostra vestidos de mulheres da classe média que foram reproduzidos para o palco sem nenhuma “tentativa de mudança ou teatralização dos trajes – muito pelo contrário. O que se vê no palco é o que aquela pessoa realmente é.” No mesmo sentido, também passou- se a buscar um realismo nos gestos dos atores: “o corpo devia se mover exatamente da mesma maneira que os corpos se moviam na ‘vida real’. Até mesmo no melodrama, movimentos melodramáticos por parte de um ator eram considerados de mau gosto nos anos 1850.”

Richard Sennett (1988, p. 245) observa que, nas artes da representação, a expressão levantou “inevitavelmente uma questão complexa de personalidade.” No período do Romantismo, a partir do novo código de personalidade imanente, aqueles que se apresentavam em público resolveram essa questão criando novas identidades públicas para si mesmos.

Para ressaltar o contraste com o século XVIII, vale comentar que o francês Denis