• Nenhum resultado encontrado

3 GARANTINDO DIREITOS: O Sistema de Garantia de Diretos, a efetivação de

5.1 Experiências brasileiras: um olhar regionalizado

Dada a importância de se vislumbrar a viabilidade da aplicação dos pressupostos restaurativos na realidade brasileira, há de se indicar a existência de vários projetos no cenário brasileiro, que estão se desenvolvendo e atuando no sentido de efetivação das práticas restaurativas, pautadas no atendimento das necessidades das partes envolvidas, adotando os mais variados procedimentos, como se citará a seguir, como forma de se vislumbrar que as iniciativas estão em fase de multiplicação e vem se consolidando no cenário nacional.

No entanto, há de se dar especial enfoque ao trabalho que vem se desenvolvendo nos estados do Rio Grande do Sul e em São Paulo, estes por serem considerados os precursores – junto com o Distrito Federal – do desenvolvimento de projetos-pilotos em Justiça Restaurativa no Brasil, já contando com mais de dez anos de prática, e o Pará, por se avizinhar ao Maranhão, tendo realidade social mais similar, locus final da presente pesquisa, pelo que se destacará ainda as iniciativas que já acontecem no cenário maranhense. Justifica- se que tal recorte se deu pelo fato de que nesses três estados são trabalhados casos envolvendo adolescentes a quem se imputam atos infracionais, ou seja, nicho específico da presente investigação.

Desta maneira, reputa-se que o objetivo da pesquisa é permitir que se vislumbrem experiências nas mais variadas fases e se trace paralelos com a realidade maranhense, para se analisar a pertinência do desenvolvimento de uma iniciativa dentro do centro integrado de atendimento ao adolescente autor de ato infracional em São Luís, a fim de observar se há viabilidade para a construção de um fluxo de atendimento, pautado nas contribuições coletadas durante a pesquisa como um todo. Pelo que, primeiramente, mapeadas várias experiências com afinidades e diferenças de atuação, como se pode extrair do quadro a seguir.

TABELA 2 – Experiências brasileiras

CIDADE/PROJETO ATUAÇÃO

Brasília-DF: Projeto

Múltiplas Portas Surgiu a partir de uma demanda do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJ-DFT, de estudar novas formas de solução de conflitos penais, conforme os preceitos da Resolução nº 2002/12 da ONU, publicando em 04 de junho de 2004 a Portaria Conjunta nº 15 (TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2016a, online), que instituiu uma Comissão visando analisar a adaptabilidade da Justiça Restaurativa ao sistema de Justiça do Distrito Federal e a implantação de um projeto piloto na comunidade do Núcleo Bandeirante, que viria a funcionar no ano de 2005, nos Juizados Especiais de Competência Geral do Fórum do Núcleo Bandeirante, aplicado aos processos criminais de infrações de menor potencial ofensivo, que por sua natureza permitem a composição civil e a transação penal. (JUSTIÇA RESTAURATIVA, 2011, online).

DFT, publicada no DOU em 24 de outubro de 2010 (TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2016b, online), estipulando que o Programa Justiça Restaurativa seria vinculado à Presidência do TJ-DFT, visando à ampliação da capacidade de resolução de conflitos, através do consenso em crimes de menor potencial ofensivo. Já em 2007, o TJ-DFT inaugurou o Centro de Resolução Não- Adversarial – CRNC, através da Portaria GPR 406, também vinculado à Presidência do mesmo, sendo que, posteriormente, em 06 de setembro de 2007, a Portaria GPR 680 desvinculou o Serviço de Justiça Restaurativa do CNRC. A publicação da Resolução 5/2009 reestruturou os serviços administrativos do TJ-DFT, criando o Sistema Múltiplas Portas de Acesso à Justiça, ao qual se vinculou o Serviço de Apoio à Justiça Restaurativa (JUSTIÇA RESTAURATIVA, 2011, online).

Belo Horizonte-MG:

Projeto Mediar Realizado no Núcleo de Mediação de Conflitos modelo de mediação de conflitos, sendo desenvolvido em Belo Horizonte, – NMC, trabalhando com um desde 2006, através da Delegacia Regional Leste da Polícia Civil de Minas Gerais em parceria com o Programa de Mediação de Conflitos da Superintendência de Prevenção à Criminalidade da Secretaria de Estado de Defesa Social; configurando-se prática alternativa de intervenção policial, objetivando a pacificação social e a prevenção da violência e da criminalidade (MELO e PRUDENTE, 2001, online). Complementa Prudente (2008, p. 4) que tal projeto foi idealizado dentro Polícia Civil e está sendo aplicado em uma área restrita a circunscrição da 5ª Delegacia Distrital de Belo Horizonte, abrangendo quatorze bairros.

Melo e Prudente (2011, online) assinalam que a Polícia Civil Mineira já vinha lidando com a solução de problemas, haja vista a implementação de cursos de capacitação policial desenvolvidos pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas – PNUD, em cooperação técnica com a Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores – ABC/MRE, Assistência Preparatória em parceria com a Secretaria de Estado de Defesa Social – 2005, realizando o Curso de Gestão de Políticas de Segurança Cidadã. O que, conforme os autores, possibilitou a introdução e assimilação dos ensinamentos pelos policiais, acarretando na formulação de diversos projetos, fundamentados nas metodologias do “policiamento orientado para a informação” e o “policiamento orientado para a solução de problemas” pautadas na filosofia de polícia comunitária.

Prudente (2008, p. 4) ressalta que o projeto em questão se dá por meio da mediação policial com base no policiamento orientado para solução de problemas, utilizando princípios de polícia comunitária e os valores da Justiça Restaurativa, sendo aplicada em pequenos conflitos e infrações penais motivadas em questões de relacionamento entre seus protagonistas, exemplificando o autor como: lesões corporais, ameaças, crimes contra a honra, maus tratos, relações familiares e de vizinhança, contravenções como as de perturbação do sossego ou da tranquilidade alheia, sendo seu objetivo principal reduzir e monitorar os conflitos.

São Caetano do Sul-SP:

Projeto Justiça e Educação Surgiu em 2005 a partir de uma iniciativa da 1ª Vara Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de São Caetano do Sul, em parceria com as Promotorias Criminais, com as quais tem atuação, além das Promotorias Especializadas: Infância e Juventude; Idoso; Pessoa com Deficiência, que organizaram, de forma complementar ao Projeto “Justiça e Educação: parceria para a cidadania”, voltado para a área da infância, outra iniciativa na área criminal denominado “Projeto Família, Comunidade, Respeito”, tendo os adultos como público-alvo, principalmente no que tange aos crimes de violência doméstica, de conflitos de vizinhança e de crimes contra a criança e o adolescente, tendo como parceiros a Guarda Civil Municipal, a Polícia Militar e Civil, a OAB e as Secretarias Municipais de Saúde e de Desenvolvimento Social (MELO, 2006, p. 62).

Melo (2006, p. 64) elucida que o projeto tem natureza comunitária, o que se concretiza através da atuação em cada bairro, sendo que inicialmente a experiência ocorreu no bairro Nova Gerty, limítrofe com os municípios de Santo André e São Bernardo do Campo. O Projeto “Justiça e Educação:

parceria para a cidadania” é baseado no ambiente escolar, como referência da comunidade, sendo duas as entidades de ensino envolvidas: Padre Alexandre Grígoli e Professor Alfredo Burkart, sendo em tais locais que são realizados os círculos restaurativos, contando com a participação de professores, pais, alunos, conselheiros tutelares e assistentes sociais do fórum, sendo que independe se o conflito ocorreu dentro ou fora da escola, sendo essencial é que fora percebido que o ambiente escolar, não se tratava somente de local em que o adolescente estivesse inserido, mas também a comunidade de forma geral (MELO, 2006, p. 64).

Em sua obra Melo, Ednir e Yazbek (2008, p. 185) expressam as várias nuances do projeto, bem como as fases de capacitação e formação de facilitadores, trazendo ainda os marcos teóricos que norteiam o trabalho realizado no projeto, ressaltando a importância de aprender novas maneiras de pensar e de fazer justiça e educação, com foco na prevenção da violência, da restauração, da dignidade das partes envolvidas, primando pela participação destes e de outros significantes, respeitando suas escolhas, destacando, os autores, ser viável, através da educação, se chegar a uma sociedade restaurativa.

Guarulhos-SP e Heliópolis- SP: Projeto Justiça e Educação

Foi também implantado nas cidades de Guarulhos e Heliópolis, ambas em São Paulo, em consideração a um contexto de violência nas escolas, pelo que foi desenvolvido em parceria pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, através da Fundação para o Desenvolvimento da Educação e pelo Poder Judiciário, caracterizando-se como mais uma experiência de pedagogia social e ampliação do acesso à justiça, pautada na resolução não-violenta de conflitos (EDNIR, 2007, p. 16).

Envolveu, primeiramente, três escolas estaduais de Ensino Médio, recebendo apoio do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, visando capacitar tais escolas para o funcionamento sistemático, em rede com outras organizações e instituições da comunidade, especialmente o Fórum e o Conselho Tutelar, a fim de garantir os direitos fundamentais das crianças, adolescentes e familiares, sendo que após um ano e meio do projeto funcionando de forma exitosa, houve uma ampliação para mais onze escolas estaduais de Ensino Médio; o Poder Judiciário, através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, financiou a contratação de parceiros técnicos para a capacitação de facilitadores voluntários de Práticas Restaurativas e das lideranças educacionais, para posterior realização de Círculos restaurativos. Em 2006, houve uma nova ampliação, abrangendo vinte escolas públicas de Ensino Médio, englobando duas Diretorias de Ensino, em que se viabilizou a capacitação de dez educadores por escola, além de parceiros do Sistema de Justiça e da comunidade (EDNIR, 2007, p. 21).

Salvador-BA: Projeto

Largo do Tanque Iniciou em outubro de 2005, vinculado ao Juizado Especial Criminal-Extensão Largo do Tanque, tendo se originado a partir de uma iniciativa da Defensoria Pública em conjunto com o Tribunal de Justiça e o Ministério Público Estadual, possibilitando a prática da Justiça Restaurativa, norteada pelos seus princípios específicos, focada na prevenção de conflitos e na disseminação de uma cultura de paz na comunidade, no entanto, sua institucionalização pelo Tribunal de Justiça da Bahia só veio acontecer posteriormente, em 2010. A metodologia adotada é multidisciplinar, fundamentada em vias alternativas de resolução de conflitos tipificados como crimes de menor potencial ofensivo e contravenções penais (JUSTIÇA RESTAURATIVA NA..., 2011, online). As técnicas adotadas são a escuta compassiva, a comunicação não violenta, a mediação vítima-ofensor e os círculos restaurativos, objetivando a promoção da autocomposição do conflito e a restauração das relações entre as partes envolvidas, perpassando tanto o plano material quanto o emocional da vitima, bem como a inclusão social do ofensor, estimulando sua responsabilização pelos seus atos, para além da punição, abrangendo vítima e comunidade. A integração entre vários conhecimentos é viabilizada pela atuação da equipe multidisciplinar, sendo que tal troca de experiências enriquece o procedimento restaurativo e o torna mais adequado caso a caso (JUSTIÇA RESTAURATIVA NA..., 2011, online).

O procedimento restaurativo se inicia através da triagem dos Termos Circunstanciados, encaminhados das delegacias daquela jurisdição, pelos atendentes judiciários da Extensão do 2º. Juizado Especial Criminal do Largo do Tanque, com o encaminhamento das vítimas ao Supervisor da equipe técnica, sendo as partes convidadas a participar do projeto, e em caso de concordância, há a instauração fática da prática restaurativa. (JUSTIÇA RESTAURATIVA NA..., 2011, online).

Atualmente, cerca de 30% das ações em trâmite nos Juizados Especiais são encaminhadas pelo Ministério Público para a realização de práticas restaurativas, se destacando que desde sua criação, em 2005, o Núcleo de Justiça Restaurativa já alcançou resoluções consensuais para 70% das contendas abordadas. Assim, esta é uma atuação coletiva que conta com o Sistema de Juizados Especiais, o Ministério Público do Estado, a Ordem de Advogados do Brasil (Seccional da Bahia), Defensoria Pública e Secretaria de Segurança Pública, com coordenação do Tribunal de Justiça da Bahia. (PROJETO PILOTO DE..., 2011, online).

Recife-PE Informa Prudente (2008, p. 4) a existência de um projeto piloto de Justiça

Restaurativa em Recife-PE, de maneira informal no 1º Juizado Especial Criminal de Recife, em parceria com os Distritos Policiais, que fazem a análise preliminar caso a caso, examinando a pertinência da aplicação da mediação, sendo possível são os casos encaminhados aos núcleos, onde são distribuídos para uma equipe com seis mediadores que utilizam práticas restaurativas, revezando técnicas de mediação transformativa e restaurativa, com apoio, acompanhamento e avaliação de equipe interdisciplinar.

Alvorada do Norte-GO Outra experiência de que se tem notícia ocorreu na comarca de Alvorada no

Norte, no nordeste de Goiás, através da iniciativa da diretora do Foro local, Flávia Cristina Zuza, foi lançado em 2007 o projeto piloto de Justiça Restaurativa, baseado em um modelo de Justiça comunitária com valores familiares e sociais, pautados no diálogo como ferramenta para a solução dos conflitos. Em um primeiro momento o objetivo se deu no sentido de capacitação de psicólogos para a aplicação de terapia comunitária; de orientação educacional em escolas públicas e de formação de equipe comunitária para atuar em conflitos gerados pelo consumo excessivo do álcool (ALVORADA DO NORTE..., 2011, online).

Campo Grande-MS Em 2010, foi instituído no Mato Grasso do Sul o Programa de Atendimento da

Justiça Restaurativa – PAJUR, no âmbito do Poder Judiciário, regulamentando assim prática já desenvolvida pelo coordenador da infância, Desembargador Joenildo de Sousa Chaves, e executada pelo Juiz Danilo Burin, titular da Vara da Infância e da Juventude de Campo Grande. O PAJUR é pautado no modelo de Justiça Participativa, visando uma maior efetividade das medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente autor de ato infracional, a fim de contribuir com a garantia dos direitos humanos do adolescente, da vítima, das famílias e da comunidade, promovendo a cultura de paz (TJ INSTITUI PROGRAMA..., 2011, online).

O objetivo do PAJUR, no Mato Grosso do Sul, é que os profissionais envolvidos possam efetivar as medidas previstas nos arts. 62 e 63 do ECA, com a valorização do ensino e do trabalho, conforme a idade do ofensor, bem como da aplicação de outras medidas de proteção ao adolescente e a outros envolvidos. A aplicação das práticas restaurativas deverá atender às necessidades da sociedade sul-mato-grossense, no atinente aos conflitos que englobam o público infanto-juvenil, programando-se que o Núcleo de Justiça Restaurativa seja vinculado à Vara da Infância e da Juventude. A implantação do projeto piloto se deu primeiramente em Campo Grande, mas se intenciona, posteriormente, a expansão aos municípios de Dourados, Ponta Porã, Corumbá e Três Lagoas (TJ INSTITUI PROGRAMA..., 2011, online).

Teresina-PI: Programa

“Justiça Juvenil

Restaurativa do Estado do Piauí”

Apresentado em 2013 pelo Tribunal de Justiça do Piauí, objetivando capacitar servidores a aplicar as práticas restaurativas no âmbito dos centros de atendimento ao adolescente – regime fechado – e no regime semiaberto, sendo firmado termo de cooperação entre Ministério Público, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública, Secretaria de Justiça e Cidadania, Secretaria

Municipal do Trabalho, Cidadania e Assistência Social e Fundação Terre des

Hommes (LEAL, 2014, p. 220).

Concordando com Leal (2014, p. 218) ainda que se realizasse ampla busca não seria possível mapear com segurança todas as iniciativas brasileiras em Justiça Restaurativa – tem-se ainda a notícia de experiências surgindo no Rio de Janeiro-RJ, Natal-RN e Fortaleza- CE –, haja vista o processo de expansão dessas implantações, bem como da ausência de uma catalogação sistemática que possa servir de fonte de dados. Assim, o que se intentou foi pincelar aquelas cujas informações puderam ser acessadas de alguma maneira, bem como enfatizar o crescimento da Justiça Restaurativa no país. De forma que, a partir do próximo tópico, se debruçará a análise mais detida das iniciativas recortadas, bem como considerações sobre seu funcionamento, o que foi possível a partir da realização de pesquisa de campo e visitas in loco aos projetos em questão, pelo que a compreensão da sua estruturação, dificuldades e avanços se ampliou a partir dessa experiência, como se verá a seguir.